"Eu posso afirmar que nos 30 e poucos anos que eu tô por aqui [em São Paulo], este é o momento histórico mais escroto que eu já vivi". Confira o relato de um ciclista que escapou de um atropelamento
Marcelo Godoy, DCM
Paulo Zapella é designer gráfico e atleta amador. Ciclista experiente, percorre mais de 300 quilômetros por semana de bicicleta. Na terça feira, pedalava na Avenida Groenlândia, uma larga e arborizada via que atravessa o Jardim Europa, uma das áreas mais “nobres” de São Paulo.
No caminho, segundo seu relato, apareceu um senhor entre 40 e 50 anos, camisa social, cabelo meio grisalho, ao volante de um Fiesta Sedan Prata.
Não foi um encontro agradável. Paulo contou a história no Facebook:
..tava eu pedalando de boa no cantinho da r. groenlândia, no pedaço da última faixa da direita, onde estavam os carros estacionados (ou seja, sem interferir em nada o fluxo das outras faixas [não que eu não possa, ok?]), quando um indivíduo emparelha um fiesta do meu lado e solta “e aí, comunista?”. achei que era piada e ri, até o dito cujo começar a dar pequenas jogadinhas com o carro em cima de mim. não abri a boca, continuei pedalando enquanto o cara começou a se alterar cada vez mais e gritar ‘comunista do caralho, filho da puta, vai andar na ciclovia do haddad, seu merda,’ e etc. achei tão bizarro que não esbocei nenhuma reação…
.. ia passar no canto e seguir meu caminho. no momento em que fui passar por ele, o cara acelera e joga o carro em cima de mim, quase colidindo com o outro que tava na faixa do lado (e provavelmente não entendendo nada). parou o carro atravessado no meio da rua e começou a gritar loucamente de novo “E AÍ, COMUNISTA? E AGORA?”. bom, e agora que eu desviei pro outro lado e segui pelo meio do trânsito onde ele nunca conseguiria me alcançar. mas e aí? o que vai acontecer com o próximo “””comunista””” que simplesmente passar pelo caminho desse cara?
quando a rua estiver livre, quando não tiver mais ninguém? eu posso afirmar que nos 30 e poucos anos que eu tô por aqui, este é o momento histórico mais escroto que eu já vivi. e tem muita gente plantando essas sementinhas de escrotismo diariamente. no facebook, nas conversas de bar, nos almoços de família. parabéns pra vocês, os frutos já estão sendo colhidos. vocês são responsáveis por pessoas como eu estarem sendo gratuitamente ameaçadas e agredidas na rua por “pessoas de bem”.
…“não votei no haddad, não voto em ninguém faz muitos anos”
Os dois posts geraram mais de 5.300 compartilhamentos e centenas de comentários. Paulo não reagiu e chegou vivo em casa para contar.
A loucura simplesmente apareceu na sua frente, ele rapidamente entendeu e recuou, exatamente como ensina o bom senso.
O senhor do Fiesta Prata, além de sua óbvia falta de discernimento e desequilíbrio emocional, tinha muito claras suas certezas e justificativas para a sua agressão: aquele homem de bicicleta, em seu surto repentino, era um comunista, um comunista do caralho, filho da puta, que devia andar na ciclovia do Haddad, um merda.
Mas, quais vozes conversam com este senhor no rádio do seu carro, na TV da sua sala e nos sites que visita?
As principais rádios de jornalismo de São Paulo, especialmente a Jovem Pan, estão em uma campanha permanente contra as ciclovias, ciclofaixas, a abertura da Paulista aos domingos, os radares e a redução da velocidade nas marginais, mesmo depois do resultado da diminuição do número de mortes e acidentes.
Haddad virou o inimigo número um dos programas jornalísticos de rádio que tem sua grande audiência nos horários de pico do trânsito.
Se, antes, os ouvintes ligavam e eram solidários uns com os outros, falavam do trânsito e de alternativas de rotas, avisavam de acidentes etc, com o Waze, as dicas de como fugir do trânsito foram substituídos, na sua maioria, por depoimentos raivosos e agressivos de motoristas furiosos, enviados a emissora por Whatsapp e Viber.
Na internet, circulam vídeos de revoltados que dirigem aos berros e uivos em São Paulo, xingando a ciclofaixa, Haddad, planos comunistas, nova guerra mundial, etc. Uma aberração.
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