Geneticista sugere que mulheres não engravidem até controle da microcefalia
"Se fosse minha filha eu diria: 'Não engravide agora de jeito nenhum'". Especialista em medicina fetal e líder do movimento pelo aborto legal no Brasil nos casos de anencefalia recomenda às mulheres que evitem a gestação enquanto a ciência busca explicações para os 1.248 casos de microcefalia registrados no País em recém-nascidos
Revista Saúde!Brasileiros
O geneticista, ginecologista e obstetra Thomaz Gollop é especialista em medicina fetal.
Em sua clínica e na Faculdade de Medicina de Jundiaí, ensina as mais recentes descobertas da ciência para garantir a saúde da nova vida durante o desenvolvimento uterino.
Foi também um dos líderes do movimento pelo aborto legal no País, permitido nos casos de anencefalia e através de alvará judicial em fetos com anomalias incompatíveis com a vida.
Confira abaixo a entrevista de Gollop à revista Saúde!Brasileiros:
O Ministério indica o uso de repelente e de calças compridas nas áreas de risco. Quem tomar os cuidados devidos pode engravidar mesmo em áreas com muito mosquito?
Não, eu não concordo. Sempre digo o seguinte – o que você faria se a sua irmã ou filha planejasse hoje uma gravidez? Eu certamente diria: não engravide agora de jeito nenhum. Eu penso que a atitude mais prudente, neste momento, é evitar a gravidez até segunda ordem. Não é o que o governo orienta, mas eu acho muito mais seguro, pelo menos até se ter uma noção mais clara do que está acontecendo.
Sei que minha opinião pode ser, no momento, radical, mas qual é a necessidade que uma mulher tem de engravidar em dezembro de 2015 ou janeiro de 2016 e não em abril? Que diferença isso vai fazer? Mas ter uma criança com sequelas neurológicas tem consequências para ela mesma e sua família e terá de ter assistência multiprofissional pelo resto da vida.
O Sr. está falando em gestações programadas. Mas há muitas mulheres que engravidam de forma não planejada.
Entendo. As mulheres que vierem a engravidar devem estar informadas sobre os sintomas da infecção pelo Zika vírus e alertar o sistema de saúde se vierem a ter sintomas que sugiram infecção. Nestes casos, sua gravidez deverá ser monitorada e acompanhada com exames de ultrassonografia morfológica.
Por quanto tempo o senhor acredita que se deve adiar a gravidez?
Ninguém está dizendo para as mulheres não gerarem mais filhos. Nós estamos dizendo para elas não engravidarem, dentro do possível, neste momento, até que o panorama desta epidemia esteja mais bem delineado. É uma medida preventiva.
Acredita que as recomendações do Ministério são tímidas diante dos riscos?
Todas as recomendações têm valor, mas a conclusão lógica é que o melhor nesse momento é evitar que o feto seja exposto. Não há outra forma. Para reforçar minha posição, os especialistas em Reprodução Assistida estão recomendando adiar as transferências de embriões até abril para reduzir a possível exposição de fetos ao Zika vírus! Muitos especialistas estão seguindo essa mesma linha. É preciso ter uma posição de cautela e não de pânico.
Além do mais, a recomendação do MS é pouco prática. Fazer com que as mulheres usem repelente de quatro em quatro horas (o tempo de ação do produto) é dificílimo. E como fazer uma pessoa com baixa renda ou sem renda neste Brasil de dezembro de 2015, com 10% de desemprego, comprar repelente quando o que precisa é comida para o dia a dia?
É justamente a população de baixa renda que está mais exposta ao mosquito, porque vive em áreas de maior risco. Sinto falta, neste momento, de uma coordenação racional do serviço público de saúde.
O que os geneticistas, infectologistas e os neuropediatras recomendam?
Está havendo uma discrepância na argumentação de infectologistas, neuropediatras e geneticistas como eu, que certamente não sou o único. Vi obstetras recomendando que as mulheres toquem normalmente a sua vida e se protejam se quiserem engravidar. A meu ver, não é assim.
Ainda que não esteja comprovada por trabalhos científicos a relação da infecção pelo Zika vírus com a microcefalia e lesão cerebral, é uma hipótese muito forte. O fato concreto é que não sabemos, neste momento, se o vírus compromete o feto apenas nos três primeiros meses da gravidez ou se a agressão pode ocorrer em fases mais avançadas.
A Organização Mundial de Saúde já admitiu essa relação.
Bom, mas não temos ainda um estudo cientifico do jeito que tem que ser feito para estabelecer a relação de causa e efeito sem sombra de dúvida. E o que muitos médicos estão exigindo para fazer recomendações mais duras, como evitar a gestação, é o estabelecimento da tese, o que exige pesquisa e tempo. Em ciência, você cria uma hipótese, faz estudos e estabelece uma tese.
Porém, nós não temos tempo e não temos condições de fazer esses trabalhos em trinta dias! Por isso, precisamos de um mecanismo que proteja e que diminua a probabilidade de uma mulher ter um filho afetado pela microcefalia e anomalias associadas à infecção pelo Zika.
O País teve mais de 1,5 milhão de casos de dengue e São Paulo teve uma explosão da doença. O vetor da dengue e da Zika é o mesmo, o mosquito Aedes aegypti. O que se pode esperar?
Em termos de saúde da população, você não pode supor que a epidemia está limitada ao Nordeste e já há notícias de que o Zika vírus está em nove países da América do Sul. Não há como supor que o Sul do País não será comprometido pela infecção.
Além disso, a infestação do mosquito é uma questão muito relevante. Se o vetor Aedes aegypti causou o que causou com a dengue, o que é que leva a gente imaginar que nós não vamos ter problemas ainda mais sérios com o Zika vírus? E se existe uma suposição de relação entre infecção Zika vírus e a microcefalia, qual é a atitude mais lógica? Evitar a exposição do feto ao Zika.
O que dizer para quem acabou de engravidar?
Evite contato com o mosquito e, se houver suspeita de infecção materna, faça exames sorológicos e acompanhamento sequencial com ultrassonografia no feto.
Se a mulher teve Zika antes da gestação, o feto está sujeito aos efeitos ou isso só acontece quando ela está grávida e contrai a febre?
Sempre digo aos meus alunos que devemos aprender a ter a decência de pronunciar duas palavrinhas: não sei, ou melhor, não sabemos. Por analogia com outras doenças, isso é muito variável de acordo com o agente infeccioso. A rubéola, por exemplo, é problemática principalmente nas primeiras doze semanas de gravidez.
A toxoplasmose é um risco durante praticamente toda a gestação. Por isso é necessário tomar muito cuidado antes de fazer afirmações não fundamentadas. Muito provavelmente a infecção por Zika vírus contraída antes da gravidez não terá consequências para o feto.
O que a medicina ainda não sabe sobre o Zika vírus?
Não sabemos se ele é transmitido pelo leite materno –mas pelo sêmen existem suspeitas e alguns estudos. Também não sabemos se uma infecção aguda pelo Zika no recém-nascido poderá produzir sequelas neurológicas.
Outra questão importante a ser respondida: a infecção vertical do Zika (da mãe para o feto) compromete o bebê em qualquer período da gravidez ou apenas nos três primeiros meses? Não temos esta resposta neste momento. Fazer um paralelo entre a rubéola (cujo risco maior para o bebê é quando a infecção materna ocorre nos três primeiros meses) com infecção pelo Zika é temeroso e sem evidências científicas.
Quais são as causas conhecidas da microcefalia?
Muitas doenças virais podem levar à microcefalia, como a citomegalovirose, a toxoplasmose e a rubéola. Dessa maneira, a associação entre o vírus Zika com microcefalia não causa tanta estranheza. É importante notar que muitas síndromes genéticas apresentam microcefalia em seu quadro clínico.
Por quais mecanismos o Zika vírus causa lesões no cérebro?
Provavelmente, por lesão causada pelo vírus e pelo processo inflamatório secundário à presença do microorganismo no tecido nervoso. Nestes casos, há uma infecção no córtex (parte mais superior), microcalcificações, alterações nos ventrículos cerebrais (as áreas dentro do cérebro por onde passa o liquor, o liquido que banha o cérebro) e pode haver alterações na região posterior do cérebro.
Por que as estatísticas da saúde não revelaram o aumento no número de casos de microcefalia?
Se você tem um fenômeno desse numa área em que a assistência não é das melhores, pode efetivamente levar algum tempo até se dar conta do que está acontecendo. É importante notar, entretanto, a mobilização da Secretaria Estadual da Saúde de Pernambuco.
Quais são as dimensões dessa epidemia?
Ainda não se sabe. O governo fez um mapeamento apontando 1.248 casos de microcefalia no final de novembro de 2015. Mas em um país das dimensões do Brasil precisamos ter em mente que a subnotificação de doenças é um fato.
Além da microcefalia, pode haver outras alterações relacionadas aos quadros de Zika?
Você pode ter microcefalias mais ou menos intensas, possivelmente em função do período gestacional em que a virose se instalou na mulher grávida. Essa correlação ainda não foi estabelecida para o Zika vírus. Também podem ocorrer calcificações em pontos do cérebro e um aumento dos ventrículos cerebrais ( áreas onde circula o líquido que banha o cérebro). Em algumas das viroses citadas, a exemplo da Zika, esse líquido passa a ter maior dificuldade para circular por causa da inflamação dos tecidos. Essa alteração é chamada ventriculomegalia.
De que modo a microcefalia, as calcificações e a ventroculomegalia podem interferir na vida e longevidade das crianças?
A expectativa de vida não deve se alterar, mas seguramente o risco de deficiência intelectual e motora é considerável. Não é só uma questão do tamanho da caixa craniana que está diminuído. É uma questão que você tem uma infecção do encéfalo. Com enorme frequência, isso leva à deficiência intelectual.
Só na microcefalia ou em todas as outras situações?
A resposta correta é que há uma interação entre o hospedeiro (feto) e o agente infeccioso (Zika) com atuação de fatores imunológicos. Poderá ocorrer infecção fetal pelo Zika sem que haja dano no crânio ou no encéfalo. Sabemos também que mulheres podem ser infectadas pelo Zika sem que elas tenham algum sintoma clínico. Agora a proporção exata destes fatos na população não é ainda conhecida.
Como se diagnostica a microcefalia durante a gestação?
Por ultrassonografia. Você consegue diagnosticar o perímetro cefálico de qualquer feto a partir das 10 semanas de gestação. E existem tabelas que dizem qual é o perímetro cefálico normal para cada idade gestacional. No recém-nascido, o perímetro cefálico normal é 32 cm.
A microcefalia justifica o aborto legal?
Não, de forma alguma. Você só pode realizar aborto legal em casos de anencefalia e nas anomalias incompatíveis com a vida mediante alvará judicial. A microcefalia não é incompatível com a vida.
Como a deficiência intelectual por Zika vírus se apresenta no dia a dia da vida?
Como observado em outras infecções congênitas, o comprometimento neuropsicomotor depende da intensidade das lesões causadas pelo Zika no sistema nervoso central da criança. Com estudos bem realizados poderemos conhecer a variabilidade do quadro clínico apresentada pelos afetados.
Algum tratamento durante a gestação pode reverter o risco para os bebês?
Mais um desafio para os cientistas: desenvolver um medicamento antiviral para o Zika que possa ser prescrito durante a gravidez sem riscos para o feto e sem ser tóxico para a mãe. Missão complexa e nada simples.