Eduardo Tavares de Farias*
No dia 21 de dezembro realizou-se na capital do Paraguai, Assunção, a 49ª Cúpula do Mercosul. Os jornais, revistas e portais de notícias online cobriram o importante encontro sobre política regional destacando a posição do atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, em relação aos supostos “presos políticos” na Venezuela* em vez de dedicar o espaço informacional para abordar os temas fundamentais da cúpula.
O jornal argentino LA NACIÓN divulgou: “Enérgico reclamo de Macri a Venezuela por los derechos humanos”. O jornal costarriquenho de mesmo nome LA NACIÓN publicou “Macri pide en Cumbre del Mercosur pronta liberación de los presos políticos em Venezuela”. O diário venezuelano noticiou o tema estampando o título “Macri pide liberación de dirigentes en Venezuela en Cumbre del Mercosur”. Enquanto isso o jornal espanhol EL PAÌS divulgava desde Europa “Argentina y Venezuela chocan por los derechos humanos”.
As manchetes e os destaques nos corpos das matérias conduzem a uma pergunta simples, mas suficiente para refletir com profundidade: por que (ou para quê) destacar a represália de Macri ao governo venezuelano mesmo quando o presidente argentino se posiciona sobre temas historicamente delicados e de grande importância para amadurecer a discussão sobre os rumos do Mercosul?
Aqui, vale fazer um parêntesis para dizer que entendo o Mercosul não como simples bloco comercial que agrega uns tantos países sul-americanos, mas como um dos principais projetos regionais de desenvolvimento econômico, social e cultural, bem como de afirmação e reconhecimento indenitário.
Um vídeo publicado pelo jornal venezuelano Últimas Notícias no YouTube mostra que em seis minutos e meio Mauricio Macri abordou temas que merecem destaques:
Contudo, apenas um dos assuntos ganhou espaço em muitos meios de comunicação de massa: o de colocar em dúvida o compromisso da Venezuela com a democracia e os direitos humanos.
Vale pontuar os temas comentados por Macri e, que acredito serem os mais relevantes, para tecer breves comentários sobre o que foi dito e para explicar o porquê de trata-los como temas-chave (merecedores de prioridade nas abordagens midiáticas) sobre a 49ª Cúpula do Mercosul.
1. Necessidade de investimentos em infraestrutura
A infraestrutura física (rodovias e ferrovias, por exemplo), é de extrema importância para países que não têm saída para o mar – Paraguai é um caso – e para os países que almejam ter acesso aos dois oceanos (Atlântico e Pacífico) para facilitar a exportação e importação de se seus produtos. Além disso, temos a infraestrutura energética, questão geopoliticamente estratégica em virtude do petróleo e do gás na região.
2. Projeção regional no tabuleiro mundial
Como nos inserir na briga dos gigantes sem prejudicar o que já conquistamos para as indústrias nacionais, para os empresários e para a população latino-americana? Como representar nossos interesses políticos comuns nas instâncias globais de decisão? Como dividir as responsabilidades de cada membro do Mercosul e suas atuações devidamente planejadas? Estas são perguntas essenciais.
3. Acordo de livre comercio Mercosul – União Europeia
Para mim, um dos temas de destaque por causa dos problemas que podem resultar na região, principalmente para as indústrias nacionais. Uma enxurrada de produtos europeus com tarifas que os beneficiem representa ainda mais perigo aos mercados internos. Cabe lembrar que é uma velha receita que não deu certo para o desenvolvimento da região. Mesmo assim, Macri se assumiu favorável ao acordo, ponto que poderia ser aprofundado pelos jornais.
4. Bloco comercial Aliança do Pacífico
Outro tema chave para discussões sobre rumos do Mercosul. Geopoliticamente o ingresso de países do Mercosul na dita Aliança ou um acordo entre ambos blocos pode ocasionar uma deterioração do bloco do cone sul, pois pode gerar perdas de centralidade e foco estratégico no comércio e nas decisões políticas conjuntas, ou seja, provavelmente resultará em perdas na promoção e na defesa dos interesses da região mais imediata aos países do Mercosul. Vale destacar que a Aliança do Pacífico se apresenta como bloco estritamente económica, enquanto o Mercosul se dedica também (e essencialmente) aos campos cultural e social.
5. Compromisso com a redução da pobreza
Tema fundamental para qualquer projeto legítimo de desenvolvimento. Dispensa comentários.
6. Combate ao narcotráfico
Desafio histórico na região. Requer atenção para debater estratégias e para evitar que os países sul-americanos não sejam alvos uma vez mais da intervenção militar estadunidense. Bases militares externas representam um retrocesso no processo de independência política e cultural da região, bem como declínio do projeto de autodeterminação dos povos latino-americanos e um atentado a soberania. Além disso, intervenções podem prejudicar as políticas regionais na área energética.
7. Responsabilidade institucional (democrática)
Macri pediu prudência e colaboração à oposição venezuelana, aos Estados-parte e ao governo da Venezuela no que diz respeito à cultura democrática da região. Aproveitou para exigir a liberação dos supostos “presos políticos”.
Aqui está (item 7) a manchete e destaques de muitos jornais. Em seu discurso, Macri sustenta uma ideia de democracia estritamente relacionada à questão dos presos políticos. Pode ser interpretada como uma acusação indireta à Venezuela por esta, segundo Macri, não estar realmente comprometida com os direitos humanos no país. Cabe perguntar: este é realmente o tema de interesse público sobre a 49ª Cúpula do Mercosul? Resposta: óbvio que não! Os meios de comunicação de massa e seus profissionais no que tange a cobertura do encontro estão “agindo”: (i) deslealmente em relação aos meios de comunicação que vêm tratando a Cúpula do Mercosul com a devida seriedade; (ii) com falta de ética profissional; (iii) com desrespeito aos leitores/telespectadores; (iv) com oportunismo temático para polemizar e desviar-se dos temas fundamentais; (v) de maneira a incitar a desintegração entre Argentina, Venezuela e outros membros do Mercosul.
É possível comprovar, por estas e outras, que muitos meios de comunicação continuam sendo utilizados para polemizar temas secundários e para desviar o foco dos debates públicos produtivos acerca da integração, assunto central e urgente à sociedade. Incitar o ódio e desinformar são práticas recorrentes para construir o discurso da desintegração regional.
-A Ministra de Relações Exteriores de Venezuela, Delcy Rodríguez, destacou na própria Cúpula quem são os chamados presos políticos. Comparto com sua visão.
*Eduardo Tavares de Farias é jornalista, mestrando em filosofia na Universidad de Costa Rica (UCR) e colaborou para Pragmatismo Político
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