Viagem de Jean Wyllys a Israel provocou série de duras críticas por parte da esquerda brasileira, embora tenha havido também quem saísse em defesa do deputado. Conheça dois posicionamentos divergentes sobre o episódio
A viagem de Jean Wyllys a Israel provocou um amplo debate na última semana entre setores da esquerda brasileira. O deputado do PSOL chegou a ser duramente criticado até mesmo por colegas de partido. Afinal, o parlamentar fez certo em viajar para Israel?
Para elucidar o episódio, publicamos abaixo dois textos com diferentes pontos de vista sobre a viagem de Wyllys.
O artigo de Victor Paes (1), colaborador de Pragmatismo Político em Ramallah, Cisjordânia, é crítico à viagem de Jean Wyllys. Por outro lado, Paulo Abrão (2), ouvido por Opera Mundi, considera que o parlamentar fez bem em realizar a viagem. Leia abaixo:
(1) Jean Wyllys visita Israel
por Victor Paes
O deputado federal do PSOL, Jean Wyllys, parece ter esquecido da sua narrativa pró-direitos humanos e acabou indo à Israel para ironicamente palestrar sobre temas como “racismo, homofobia, antissemitismo e outras formas de ódio e preconceito e suas relações com a política contemporânea.”
Desde seu apoio à série de televisão da Rede Globo “Sexo e as Negas” em que ele foi contra o movimento feminista negro, o deputado parece se encontrar cada vez mais distante desses temas que tanto diz “defender”.
É sabido que a maioria das universidades israelenses são envolvidas em pesquisas e desenvolvimento de armas. Essas armas são as mesmas vendidas para determinados governos ao redor do mundo (incluindo o governo de São Paulo) e que, claro, são usadas diariamente para subjugar e exterminar a população indígena palestina.
Outro fato curioso é que as universidades israelenses passam informação pessoal dos seus estudantes para o Shin Bet, a infame agência de inteligência interna ou polícia secreta de Israel, notória por suas técnicas de tortura, assédio, monitoramento e supressão de atividades políticas legais em Israel e nos territórios ocupados palestinos. Em 2014 por exemplo o Shin Bet pediu a detenção do jornalista palestino que vive em Israel, Majd Kayyal, enquanto ordenava que a mídia israelense e jornais como o The New York Times cumprissem a sua ordem de censura e mantivessem o assunto em segredo.
O fato importante aqui é o ‘pinkwashing’ israelense – ‘pinkwashing’ é um termo utilizado para descrever a técnica israelense de “lavar” seus crimes de “cor-de-rosa” ou seja, Israel se promove internacionalmente como um oásis democrático LGBTQI enquanto retrata a sociedade palestina como retrógrada e intolerante, tudo para atrair turismo e simpatia internacional. Um grande exemplo disso foi durante a última parada LGBTQI de Jerusalém quando um judeu ortodoxo saiu esfaqueando participantes da parada e que culminou na morte de uma estudante israelense de 16 anos. Muitas organizações queer internacionais operam em solidariedade com a causa palestina, como o grupo americano Outside The Frame que realiza mostras de cinema em São Francisco, Califórnia.
As universidades israelenses também são famosas por perpetuar uma outra técnica conhecida como ‘whitewashing’. Assim como o ‘pinkwashing’, o ‘whitewashing’ serve para “lavar” os crimes de Israel de “branco” e promover internacionalmente a entidade sionista como o único regime democrático do Oriente Médio ignorando Apartheid, limpeza étnica, racismo, colonialismo e o total genocídio da população indígena e da história palestina.
Diante de tudo isso em 2005 a sociedade palestina emitiu à comunidade internacional um apelo para uma campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Israel até que o Estado sionista esteja em conformidade com o direito internacional e o direito dos palestinos. O movimento BDS palestino foi inspirado no movimento BDS realizado com sucesso durante o Apartheid na África do Sul.
Diversas organizações em vários países já aderiram ao movimento BDS. Somente no ano de 2015 vimos várias centrais de trabalhadores e sindicatos na América do Norte e Europa como a United Electrical, Radio and Machine Workers of America e a Confederação de Sindicatos de Quebec no Canadá. Vimos também instituições como a Associação Antropológica Americana (AAA) e a Associação Nacional de Estudos das Mulheres (National Women’s Studies Association) aderirem ao movimento BDS. A multinacional francesa Veolia depois de muita pressão também cedeu. Artistas como Lauryn Hill e Thurston Moore do Sonic Youth entre outros cancelarem seus shows em Tel Aviv. Thurston Moore afirmou que “tocar com minha banda em Israel entra em conflito direto com meus valores”. Até a União Européia decidiu obrigar Israel a rotular produtos procedentes de assentamentos ilegais em territórios ocupados palestinos. O movimento BDS tem afetado a economia israelense e por isso já se vê tentativas de criminalização do movimento por parte de Israel e outros países que acabam cedendo a pressão sionista. De acordo com um relatório da ONU, investimentos estrangeiros em Israel caíram quase 50%. Investidores estão receosos em ter seus nomes associados aos crimes sionistas.
Israel tem uma extensa lista de violações de leis internacionais, incluindo resoluções das Nações Unidas e leis de guerra e ocupação da Quarta Convenção de Genebra. Nenhuma dessas violações foram punidas até hoje.
Em sua página do Facebook, o deputado Jean Wyllys usou o termo “árabes israelenses” para designar os palestinos que vivem em Israel. Este termo é considerado pelos palestinos como uma tentativa genocida de apagar sua identidade gentílica. O deputado também chegou a dizer que era “contra boicotes contra qualquer povo” ignorando completamente o fato histórico de que o movimento BDS foi um dos fatores mais importantes na derrubada do Apartheid na África do Sul. Com essa afirmação o deputado também mostrou-se um tanto leigo com relação ao movimento BDS em si já que o mesmo não é direcionado a indivíduos. Por fim a visita de Jean Wyllys à Israel na verdade acaba por sabotar a luta de organizações LGBTQI palestinas como a AlQaws (que significa arco-íris em árabe) que opera na região.
Talvez Caetano Veloso poderia ter dado umas dicas ao Jean Wyllys antes de o mesmo ter embarcado em uma maratona de propagandas e total desrespeito ao pedido de boicote da população civil palestina. Em 2015 Caetano Veloso e Gilberto Gil se apresentaram em Israel. Mesmo com pedidos de boicote de nomes como Roger Waters do Pink Floyd e do arcebispo Desmond Tutu, os dois artistas baianos ainda sim seguiram adiante e se apresentaram em Tel Aviv. Pouco depois de retornar Caetano Veloso acabou escrevendo uma carta aberta expressando seu arrependimento de ter ido tocar em Israel. Será que o deputado Jean Wyllys fará o mesmo? Parece que não.
(2) A visita de Jean Wyllys a Israel é legítima
por Paulo Abrão
O boicote para impedir (ou desincentivar) visitas ao Estado de Israel deve alcançar também as ações da resistência local israelense contrárias à ocupação da Palestina? O boicote deve condenar ao isolamento as resistências acadêmicas e intelectuais do país?
Essas são as perguntas que devem ser feitas ao se discutir a respeito da visita do deputado Jean Wyllys, em suas férias, à Universidade Hebraica.
O convite partiu de um grupo intelectual que, desde dentro do país (e pela esquerda), fazem um bom combate universitário ao pensamento único oficial do Estado de Israel, debatendo as contradições e incoerências da ocupação da Palestina, explicitando os equívocos dos radicalismos, advogando a pluralidade de pensamentos, mostrando as tragédias das escolhas do atual governo e, principalmente, defendendo a necessidade de se manter diálogos com a intelectualidade e as autoridades da Palestina para que nāo se percam as pontes possíveis e desejáveis de aproximação social, condição básica para a chance de algum processo de paz.
Esse específico grupo politico-intelectual da Universidade Hebraica está entre os últimos remanescentes que ainda resistem às pressões ostensivas e a um tipo de assédio moral sistemático de outros colegas acadêmicos para que sejam rompidos, de forma definitiva, quaisquer canais de diálogos com os grupos intelectuais e políticos palestinos.
Já foram convidados deste “programa acadêmico de resistência” alguns brasileiros: cineastas, juristas, dirigentes de organizações não governamentais de direitos humanos, intelectuais e, desta vez, um parlamentar.
A agenda inclui debates críticos e plurais na Universidade Hebraica com estudantes e professores, visita à Palestina e à universidade Al-Quds, visita a líderes políticos, intelectuais e partidos políticos da esquerda israelense, deslocamentos ao muro da vergonha, visita a lugares de memória e consciência sobre o holocausto e sobre a luta da causa palestina, atividades de escutas e expressões de solidariedade.
Eu pude estar em uma destas ocasiões. Na época, a visita resultou na articulação posterior de um seminário inédito realizado no Brasil (em São Paulo e no Rio de Janeiro) que permitiu sentar estudantes e professores das duas universidades, Hebraica de Jerusalém e Al-Quds, em condições de igualdade na mesma mesa de diálogos. Um fenômeno atualmente quase impossível de ocorrer localmente em virtude do crescente radicalismo. O diálogo centrou-se na oportunidade de se dar voz às juventudes sobre o futuro das religiões, da política, da economia e das relações internacionais entre palestinos e israelenses.
É claro que a visita de Jean reveste-se de um impacto diferenciado em relação à dos demais, pois se tem exigido a adesão ao BDS [movimento em prol de boicote, desinvestimento e sanções a Israel] especialmente de relevantes personalidades públicas (além de governos e empresas), como é o caso.
De todo modo, falar seriamente em boicote à atual política de Israel significa, sim, recusar-se a participar de ações que deem sustentação estrutural ao modelo e ao grupo político que promove as graves violações aos direitos humanos do povo palestino mas também significa, primordialmente, ajudar a empoderar a resistência a esse modelo.
Independentemente da validade do uso de bloqueios e a sua eficácia (essa é outra discussão) nenhum bloqueio poderia ser absoluto a ponto de deixar de se manter ações relacionais com a oposição e a resistência, especialmente a acadêmica, inclusive dentro do próprio Estado de Israel.
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