Não se deve cobrar que Neymar seja politizado ou tenha discurso irretocável sobre todos os assuntos. Espera-se, pelo menos, que mostre repulsa aos racistas. No passado, jogador afirmou que nunca sofreu racismo porque 'não é preto'
Cosme Rímole, Geledés
“Não escutei os gritos. Não escuto coisas fora do campo. Só jogo futebol.”
Essa foi a decepcionante resposta de Neymar diante da manifestação de racismo da torcida do Español (vídeo abaixo). Mais uma vez ele teve toda a chance enfrentar os ignorantes. Pessoas que comparam negros a macacos. Mais uma vez, ele recuou.
Era impossível não ouvir os urros de estúpidos vândalos no estádio Cornellà-El Prat, sábado. No empate entre Espanyol e Barcelona. Selvagens na moderna arena urravam, imitando símios quando Neymar pegava na bola. A cena foi lastimável. Transmitida por todo o mundo.
A imprensa espanhola e quem acompanha futebol neste planeta esperam por uma postura firme do jogador.
Neymar é capitão da Seleção Brasileira. Está, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo, entre os que disputam a Bola de Ouro de melhor do mundo. Jornalistas ingleses garantem que o Manchester United estaria disposto a pagar R$ 850 milhões por ele. 54,5 milhões de fãs no Facebook. São 39,8 milhões de seguidores no Instagram. Mais 40,4 milhões no twitter.
Sua representatividade é absurda.
Cerca de 30 pessoas administram a carreira de Neymar. Quem mais o influencia é seu pai. E sua filosofia é simples.
“Quero o Neymar se preocupando só com a bola, com o futebol. Ele é jogador, ponto final.”
Neymar Sênior acredita que está protegendo o filho. Evitando que se posicione no que chama de assuntos polêmicos. Como os processos que o Santos e o grupo DIS movem contra os dois pela estranha venda ao Barcelona. Como também é apenas ele quem fala sobre as ações na Justiça e no Fisco espanhóis. Ou do embargo da Receita Federal brasileira dos bens do camisa 10 da Seleção.
“Pelé contribuiu para o racismo. O cara é o atleta do século, a figura mais popular do mundo e não usa isso para brigar por causas justas. (…) Se ele tivesse um pouco de noção ou sensibilidade, faria uma revolução neste caso [racismo]. Ele tem mais repercussão que líderes políticos e religiosos.”
Essas foram as corajosas palavras de Paulo César Caju. Uma das únicas pessoas a ter coragem de cobrar Pelé diante da sua eterna omissão em relação ao racismo.
“Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. O torcedor grita mesmo. Temos que coibir o racismo. Mas não é num lugar publico que você vai coibir. O Santos tinha Dorval, Coutinho, Pelé… todos negros. Éramos xingados de tudo quanto é nome. Não houve brigas porque não dávamos atenção. Quanto mais se falar, mais vai ter racismo.”
Esta foi a postura de Pelé. Também fingir que não ouvia o que vinha das arquibancadas. Dos rivais. E até dos companheiros de time e de Seleção. Foi chamado de Gasolina ao chegar no Santos, uma menção ao negro do petróleo. Depois, ‘Alemão’, ironia pura. E vários jogadores campeões do mundo o chamam de ‘crioulo’.
Neymar segue a triste cartilha do silêncio. Faz de conta que não é com ele. Em 2009 deu uma célebre resposta em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
Ele ainda atuava no Brasil. E foi perguntado se havia sofrido com o racismo. “Nunca. Nem dentro e nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?”
Na mesma matéria mostrava o cabelo esticado com produtos químicos. O jogador é descendente de negro. O que deveria ser motivo de muito orgulho. Como se fosse descendente de qualquer grupo étnico. Todo ser humano merece respeito.
A direção do Barcelona não proíbe e nem estimula o posicionamento de seus atletas diante da questão. Cada um faz o que quiser ou tiver personalidade. Como Daniel Alves, que, ao vir uma banana atirada em sua direção pela torcida do Villarreal, a comeu, como se fosse algo mais natural possível. Como se não estivesse jogando contra o Villarreal, com a camisa do Barcelona.
“Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada. Infelizmente é uma guerra perdida até que se tomem medidas mais drásticas”, disse, em abril de 2014.
O que fez Neymar? Postou um ‘força, Daniel’. E colocou uma foto com o filho. Ele segurava uma banana de verdade e a criança, uma de plástico. Era parte da campanha #somostodosmacacos.
Em março, um mês antes, ele e Neymar haviam sofrido racismo. Torcedores imitavam macacos quando pegava na bola. Contra quem? E onde? Contra o Espanyol, no estádio Cornellà-El Prat. Ou seja, um ano depois, tudo se repetiu. Até o silêncio do atacante.
Em 2014, o Barcelona foi eliminado da Champions League e depois perdeu para o Granada no Espanhol. Os jogadores voltavam para pegar seus carros, quando torcedores do próprio clube da Catalunha começaram a xingar os atletas. A Neymar, reservaram os urros, imitando macacos. O que o brasileiro fez? Se calou.
O árbitro Jose Luiz González, que trabalhou no empate de 0 a 0 entre Espanyol e Barcelona, repetiu a postura de vários juízes brasileiros. Na sua súmula não aconteceu nada de anormal. Como se fosse normal um bando de vândalos ficarem imitando macacos para um jogador.
Neymar tem 23 anos. É capitão da Seleção. É pai. É um dos maiores jogadores do mundo.
É afrodescendente, sim.
Diante de qualquer espelho vem a verdade.
A cor da sua pele, os cabelos enrolados, que estavam caindo de tão esticados artificialmente, não o deixam esquecer. Tem a ascendência negra.
Ninguém espera que seja alguém politizado, com discurso brilhante sobre todos os assuntos.
Apenas que mostre a repulsa aos racistas.
Seguir os passos de Pelé é lastimável.
Se calar, não enfrentar esses estúpidos, não adianta.
Pelo contrário.
Os deixa à vontade para seguir com o racismo.
Vídeo:
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