Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político
Josué de Castro, um dos geógrafos brasileiros mais respeitados no mundo, escreveu o seguinte trecho:
[…] a fome não é um produto da superpopulação: a fome já existia em massa antes do fenômeno da explosão demográfica do pós-guerra. Apenas esta fome que dizimava as populações do Terceiro Mundo era escamoteada, era abafada, era escondida. Não se falava do assunto que era vergonhoso: a fome era tabu.
Quase 50 anos depois da publicação do trecho, o tema da fome continua presente e constitui uma mancha na história contemporânea. Segundo relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 805 milhões de pessoas sofrem de subnutrição no mundo. Cabem as perguntas: Por que ainda convivemos com a fome? Seria um problema de produção ou de distribuição de alimentos?
Estudos mostram que o desperdício de alimentos alcança índices alarmantes. Cerca de 1,3 bilhões de toneladas de comida vão para o lixo anualmente em todo o planeta, sendo que metade desse desperdício ocorre na fase inicial da produção, manipulação, pós-colheita e armazenagem. O restante acontece nas fases de processamento, distribuição e consumo.
No Brasil, por exemplo, mais da metade do que produzimos vai para o lixo. Um levantamento feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) aponta que o Brasil – quarto maior produtor de alimentos do mundo – desperdiça 40 mil toneladas de alimentos diariamente, quantidade suficiente para garantir as três refeições do dia (café da manhã, almoço e jantar) para mais de 19 milhões de pessoas.
Há no mundo regiões inteiras devastadas pela fome. Na África Subsaariana, uma em cada quatro pessoas convive com a fome crônica. No continente asiático, aproximadamente 526 milhões de pessoas não têm o que comer. Para termos uma ideia, os países desenvolvidos desperdiçam, em média, 222 milhões de toneladas de alimentos, quase a mesma quantidade produzida para alimentar a África Subsaariana, que produz 230 milhões de toneladas. Os dados assustam, sobretudo quando se constata que a fome é um problema de distribuição, não de produção.
Um documento elaborado pela Cúpula do Milênio, em reunião promovida pela ONU no ano 2000, fixava com um dos objetivos atingíveis até dezembro de 2015 a erradicação da extrema pobreza e da fome. Ainda que os 189 países-membros tenham ratificado o documento, as metas não foram atingidas. Atualmente, 1,2 bilhões de pessoas vivem em extrema pobreza. Um em cada oito indivíduos não dispõe de alimentação suficiente para suprir suas necessidades energéticas.
Enquanto a fome persiste, as autoridades públicas mundiais estão paralisadas pelo descaso. As grandes redes de fast-food, bastante conhecidas pelos desrespeitos às leis trabalhistas, destacam-se, sobretudo, pela quantidade de comida que jogam no lixo; além disso, pouco se mobilizam para conter o desperdício em suas dependências ou para criar ações de reaproveitamento de alimentos. Já os cidadãos descartam qualquer alimento que não consideram adequado para o consumo, além de transferir integralmente para o Estado a responsabilidade de eliminar a fome.
Conviver com milhares de famélicos no mundo é, no mínimo, vergonhoso. Constatar que dispomos de todas as técnicas de produção, mas que ainda assim milhares de crianças, adultos e idosos não têm condições mínimas de sobrevivência reduz nossa humanidade e coloca em xeque um dos princípios salutares da vida em sociedade: o compromisso com o próximo.
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*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colaborou para Pragmatismo Político
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