Uma das detentas mais jovens condenadas à cadeira elétrica nos EUA, Paula Cooper obteve o que parecia impossível: conseguiu ser solta após passar uma vida na prisão. Em liberdade, superou todas as adversidades. Só que, no fim das contas, não foi o suficiente e cometeu suicídio. Sua história é desoladora
Amy Linn, TNYT
Quando Paula Cooper tinha quinze anos, ela e três colegas de escola em Gary, Indiana, decidiram matar aula e roubar algum dinheiro para jogar fliperama. Beberam vinho barato, fumaram maconha e entraram na casa de uma professora de Religião de 78 anos, Ruth Pelke, porque achavam que ela podia ter alguma quantia guardada em uma lata de biscoitos.
As adolescentes a convenceram a deixá-las entrar se dizendo interessadas nas aulas; lá dentro, porém, um delas a atingiu com um vaso. Paula a golpeou 33 vezes com uma faca de açougueiro. As outras ficaram paradas, olhando; uma a ajudou, as outras foram procurar o dinheiro. Saíram com US$ 10 no antigo carro da idosa.
As outras três garotas receberam penas longas. Paula admitiu o assassinato e, em 1986, foi condenada à cadeira elétrica, tornando-se a detenta mais jovem no corredor da morte da história do estado.
O que se seguiu foi extraordinário. Bill Pelke, neto da professora, perdoou Paula pela morte de sua querida avó, que nunca teria querido uma execução, disse ele. E começou uma campanha para salvar a vida da moça, mandando-lhe cartas constantes e fazendo visitas.
— Ela me disse que estava muito arrependida pelo que tinha feito — conta Bill, presidente da Journey of Hope: From Violence to Healing (”Jornada da Esperança: da Violência à Cura”), grupo anti-pena de morte que ajudou a fundar.
Mais de dois milhões de pessoas, a maioria da Europa, assinaram a petição em favor da jovem; na Itália, manifestantes começaram uma verdadeira cruzada pró-Paula Cooper, com direito a camiseta com a foto de sua ficha criminal. Até o Papa pediu clemência.
Em 1989, a justiça de Indiana mudou a pena de Paula para 60 anos de cadeia. Ela se formou, passou a treinar cães de trabalho para deficientes, cuidava das outras presas e era responsável pela cozinha do presídio. Em junho de 2013, após passar toda a vida adulta como a detenta 864800, foi libertada, com décadas de antecedência, graças ao seu bom comportamento.
Ela não sabia usar a internet. Vira e mexe se perdia; na cadeia não havia a necessidade de conhecer o caminho de nada porque sempre lhe diziam para onde ir.
— Não sabia usar o caixa eletrônico, não conhecia nada — admitiu.
Apesar disso, foi contratada para preparar hambúrgueres na Five Guys e logo se tornou gerente. Ficou noiva e se mudou para um apartamento com o futuro marido. Acabou conseguindo o emprego dos sonhos como assistente legal da Defensoria Pública em Indiana, comandada por sua amiga de longa data e advogada de defesa, Monica Foster.
— É preciso ter esperança. Se você desistir, nunca vai chegar a lugar algum — Paula disse.
Em 26 de maio de 2015, dois anos após a soltura, Paula se matou. Eu fui uma das poucas jornalistas a conversar com ela depois da saída da prisão e a última com quem falou, através de um telefonema, cerca de um mês antes de sua morte. Eu estava planejando ir a Indianápolis para finalmente conhecê-la e fazer um artigo sobre adolescentes no corredor da morte que se recuperaram.
Se tinha uma pessoa que representava superação, esse alguém era Paula. Mas ela me pediu para esperar um pouco.
— Minha vida está tranquila agora, do jeito que eu queria. Assim que o pessoal descobrir quem eu sou, vão falar o diabo por causa do que fiz. Vão começar a me pintar como um monstro — ressaltou.
Paula sofria de depressão severa desde a infância, segundo me disse sua irmã mais velha, Rhonda LaBroi – que implorou para que a caçula procurasse ajuda médica. Depois de tanto tempo na prisão, porém, Paula não confiava em ninguém. E conta que, no bilhete que deixou, escreveu:
“Quem sofre de alguma doença mental não deve fazer o mesmo; não se matem, procurem ajuda de qualquer forma possível.”
A história de Paula é desoladora: a mãe tentou cometer suicídio e matar as filhas, Paula e Rhonda, quando eram crianças. Com as meninas no carro, ligou o motor na garagem fechada. O pai, Herman, já falecido, batia nas duas diariamente, geralmente com um fio elétrico. A administração da escola, a polícia e a assistência social não se manifestaram.
— Imploramos para nos ajudarem, mas nunca fizeram nada — conta Rhonda.
Na detenção, o tormento continuou. Sobre o Presídio Feminino de Indiana, sua primeira “casa”, disse:
— Tinha guarda ali que vivia para fazer da nossa vida um inferno — afirmou .
Quando tinha vinte e poucos anos, passou três anos na solitária, acumulando novas cicatrizes sobre as antigas.
Segundo Monica Foster, advogada há trinta anos, as principais causas da criminalidade são traumas crônicos, negligência ou abuso.
— Paula mostrou que as pessoas têm possibilidades incríveis. Ela foi caindo, caindo, caindo, foi condenada a morte, cumpriu 28 anos, foi solta e se deu bem – conseguiu superar todas as adversidades. Só que, no fim das contas, não foi o suficiente, porque ninguém lhe ofereceu a ajuda que merecia — disse a advogada depois da morte de Paula. — Uma tragédia absurda.
Na detenção, o tratamento de problemas mentais não passa de um comprimido por dia. A própria Paula contou à irmã que tomou antidepressivos durante um tempo. Não se exige tratamento de acompanhamento para a “reentrada”, termo bastante adequado para o que se assemelha muito à volta do espaço sideral.
Mudanças básicas teriam feito uma grande diferença para ela – e, de acordo com juízes, psiquiatras e advogados, implantá-las hoje poderia ajudar milhares de outros presidiários. E isso não tem nada a ver com mordomia porque as reformas cortariam custos, reduzindo a reincidência.
Precisamos fazer avaliação de saúde mental, criar programas adequados de aconselhamento e tratamento, promover a reabilitação e fornecer medicação apropriada, e não só sedativos. O tratamento pós-soltura deveria ser premissa para a liberdade condicional, assim como a expansão do uso dos “tribunais de reentrada” especializados em saúde mental, que ofereceriam diretrizes e apoio intensivo.
Quaisquer que fossem os demônios que atormentavam Paula, ela os escondeu muito bem. Ela aprendeu a ir ao supermercado e a dirigir (muito mal). Era a voz paciente e alegre ao telefone com os clientes do departamento, solitários e assustados. Fez apresentações em duas faculdades, falando sobre “retribuição à comunidade”. Fez tudo o que podia para ajudar um sem-teto com problemas mentais em seu bairro.
Só que ela também se sentia doente mentalmente e o confessou à irmã. Rhonda contou: “Bill Pelke a perdoou, mas ela não conseguia se perdoar. Disse que sentia não ter direito à vida.”
Há muitas Paulas no país. As prisões soltam mais de 650 mil presidiários todo ano. Segundo a Agência de Estatísticas da Justiças, cerca de 70% das mulheres em prisões estaduais sofrem de algum tipo de distúrbio mental.
Paula precisava de ajuda para sobreviver ao desespero de ter cometido um crime. A irmã afirma que ela pensava nisso todos os dias. Quando o neto de sua vítima a visitou e a perdoou, chegou a lhe dar um abraço. “Você tirou um peso das minhas costas”, ela disse a ele. No fim, aquele não era o único.
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