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Dez motivos contra a terceirização do ensino público

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Munís Pedro*, Pragmatismo Político

Acontece em Goiás desde final do ano passado uma tentativa de implantação de Organizações Sociais (OS) na educação estadual. A expressão é um eufemismo para a palavra “terceirização”. Para evitar este processo encabeçado pelo governador Marconi Perillo (PSDB), estudantes ocuparam diversas escolas públicas em Goiânia, Aparecida, Anápolis e em outras cidades do estado, num movimento que se assemelha ao que ocorreu em São Paulo, porém com menos glamour e cobertura da mídia.

A inabilidade democrática do governo tucano para promover um diálogo com os estudantes tem desencadeado ações desastrosas. Há imagens e relatos de agressão policial aos estudantes ocupantes das escolas e também perseguição a professores e demais apoiadores das ocupações [1]. Enquanto isso o espectador goiano é bombardeado por propagandas governamentais na TV (cujos cenários se parecem com os dos Teletubies) prometendo que as OS’s vão transformar as instituições de ensino do estado em verdadeiras escolas finlandesas. Apesar desta série de coisas, o debate público sobre o assunto é quase nulo. E é com este intuito que escrevo este texto. Para atingir o público geral ele será o mais didático e direto possível (deixo assim as referências no final).

Listei dez razões em por que terceirizar a educação pública é algo ruim. São elas:

1. Na terceirização o governo envia rios de dinheiro público para as mãos de empresas privadas do terceiro setor (as chamadas Organizações Sociais) [2].

2. Não é surpresa para ninguém que boa parte das “licitações” no Brasil funciona como um jogo de cartas marcadas. Esse processo que ocorre em Goiás (e suas fases com nomes mais floreados como “chamamento”, “seleção de entidade” e “aplicação de projeto-piloto”) não está sendo diferente. Os amigos, colegas de pescaria e contatos do WhatsApp dos políticos na situação são os que realmente vencem a disputa (quando há alguma) [3].

3. A terceirização é ainda pior do que a privatização. Pois enquanto na última o Estado fica para o bem ou para o mal desobrigado sobre aquele serviço/instituição, no primeiro caso existe a chamada PPP (Parceria Público-Privada) ou, outro nome gourmetizado para causar impressão de novidade, o tal “modelo de gestão compartilhada”. Enfim, resumidamente o Estado entra com o dinheiro (no caso, o nosso) e a empresa privada entra com a administração e (olha que lindo) fica com os lucros.

4. Se tudo der errado no período de parceria, a empresa cai fora (ela pode inclusive decretar falência como ocorre com empreiteiras de prédios públicos) e o Estado que se vire. E é óbvio que no final você já sabe quem vai pagar a conta, né?! No caso da educação é muito difícil que dê prejuízo, pois não há um grande risco envolvido senão um possível calote do Estado. Coisa raríssima. É claro que essa brincadeira dará lucro à empresa. Pense bem. Caso contrário, você acha que ela cumpriria esta função? Madre Teresa só teve uma.

5. Pois é. Até do ponto de vista liberal essa coisa é ruim. Não há livre-concorrência. Não há meritocracia ou excelência de serviços. O que existe é um conchavo, um monopólio, uma associação entre interesses particulares (dos políticos e dos empresários). Ademais o Estado não só faz uma transferência de dinheiro público como também dos vínculos empregatícios de professores e outros funcionários para que estes sejam controlados de forma mais autoritária.

6. Não haverá concurso público para os profissionais da educação. No caso goiano apenas 30% destes precisam ser vinculados à Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte, o restante fica na mão da gerência da OS, inclusive a remuneração. Portanto as condições de trabalho ficarão piores do que as que já existem. Hoje alguns dos problemas em boa parte das escolas públicas são: baixos salários (o que gera desinteresse dos profissionais, os fazem pegar quantas turmas for possível, assim aumentando seu estresse e diminuindo a qualidade da preparação das aulas), falta ou insuficiência de materiais básicos e de recursos didáticos pertinentes ao contexto digital, ausência de estrutura física adequada (cadeiras, ventiladores, quadros, salas, bibliotecas com problemas) e modelo de ensino-aprendizagem defasado (o que gera principalmente o desinteresse dos alunos). Isso aí em nada mudará. Podem apostar.

Como já informou em entrevista a secretária de educação de Goiás, as diretrizes continuarão sendo as do MEC. O investimento do governo será o mesmo ou pior. O que vai mudar é que agora o professor não vai poder nem sequer reclamar dessa situação, tendo em vista que não terá mais estabilidade profissional, tampouco plano de carreira [4].

Leia também:
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7. Não havendo concurso público, o caminho ficaria aberto para a contratação de pessoas menos capacitadas e/ou influentes à gerência da empresa administradora. Aliás, no edital de chamamento feito pela Secretaria de Educação consta que, embora sob fiscalização da própria Secretaria, a Organização Social poderá inclusive contratar professores sem licenciatura. É dinheiro público, lembre-se.

8. O professor perde a autonomia que caracteriza sua profissão. Para não ser demitido terá que seguir os mandos e desmandos do empresário responsável pela gestão da escola, um ser que geralmente não entende patavinas de nada sobre ensino.

9. Os salários dos professores poderão ser diminuídos (sim, ainda mais), já que a preocupação da empresa será com o lucro obtido e não com a construção do conhecimento. Com o repasse do governo, a Organização Social fará de tudo para reduzir os custos, economizando em salários, água e energia elétrica, equipamentos e reparos. Quanto mais isso conseguir, maior será seu rendimento.6

10. O Estado (leia-se: os políticos) vai ser blindado diante de qualquer crítica que vier, uma vez que passará a ser apenas o “provedor” do dinheiro e não mais o administrador da escola. É lindo para eles. Terrível para nós.

É por conta destes entre outros pontos que eu (alguém que estudou durante todo o ensino fundamental e médio numa escola estadual goiana e se tornou professor) sou contra a terceirização do ensino público. Assim como tantos outros professores também o são. Educação não é brincadeira, a luta por tal não é simplesmente “ideologia”, como diz o governador. Não é coisa de partido nem de sindicato. É nossa profissão. São nossas vidas.

*Munís Pedro é professor e mestre em história pela Universidade Federal de Uberlândia, ex-estudante da rede estadual de ensino de Goiás, edita o blog sobre história Tempos Safados e colaborou para Pragmatismo Político.

Referências:

[1] Para acompanhar basta seguir a página dos estudantes no Facebook: https://www.facebook.com/Secundaristas-em-Luta-GO-1700458980240969

[2] No atual caso goiano, as 21 escolas iniciais enviariam às OS’s algo em torno de 70 milhões por ano. Cf. https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/a-vanguarda-do-atraso-os-na-educacao-em-goias.html

[3] Em seu perfil no Facebook, o professor da UFG Rafael Saddi informou através de documentos que pelo menos duas das Organizações Sociais qualificadas no âmbito educacional têm donos ou membros ligados ao atual governador do estado. Num dos casos, a pessoa é membro do mesmo partido (PSDB) e recebeu do próprio governador a indicação à reitoria da UEG e, noutro, é dono de editora, já envolvido em processos de corrupção de licitaçes e redator de jornal com matérias bastante elogiosas ao governador. Cf. https://www.facebook.com/rafael.saddi/posts/1120278944650303https://www.facebook.com/rafael.saddi/posts/1147409841937213

[4] Também citada pelo prof. Rafael Saddi, nesta matéria do jornal A Tarde o governador diz com toda clareza que um dos intuitos da terceirização da educação é justamente retirar a estabilidade do professor, inclusive aquela que lhe dá maior liberdade de crítica ao governo. Cf. http://atarde.uol.com.br/politica/noticias/1727346-goias-vai-terceirizar-a-educacao-apos-experiencia-na-saude

[5] Esta é uma das teses do texto do professor da UFG Tadeu Arrais publicado aqui no Pragmatismo Político. Cf. https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/a-vanguarda-do-atraso-os-na-educacao-em-goias.html. Numa entrevista concedida à Rádio Interativa no dia 28 jan. 2016 a secretária RaquelTeixeira deixou claro que a gerência da OS saberá “aproveitar melhor os recursos”.

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