Reza Gul nunca vai esquecer do dia do seu casamento. Ela foi entregue à força a um completo desconhecido por cerca de US$ 7 000. Tinha 14 anos. Nos seis anos seguintes, sofreu horrores inimagináveis. Hoje, a jovem se recusa a ficar em silêncio e busca Justiça
Reza Gul nunca vai esquecer do dia do seu casamento. Ela foi entregue à força a um completo desconhecido por cerca de US$ 7 000. Tinha 14 anos.
“Sentia tanto medo”, disse ela ao The WorldPost na cidade de Mazar-e-Sharif, no norte do Afeganistão. “Não sabia nada dele. Não sabia nada sobre amor.”
O pai de Reza achou que a união seria uma garantia para o futuro dela e que o dinheiro ajudaria a sustentar a família, que é muito pobre, no vilarejo de Shar-Shar, numa área controlada pelo Talibã perto da fronteira como Turcomenistão. Mas demorou apenas um dia para que o marido, Muhammad Khan, começasse a abusar dela, diz violenciaReza Gul.
“Chorei a noite inteira”, disse a mãe dela, Zorghana, lembrando do dia em que soube do primeiro ataque. “Quero matá-lo.”
Reza Gul sofreu horrores inimagináveis nos seis anos seguintes; espancamentos, queimaduras com ferro quente – houve até mesmo agressões contra a filha, Aqila, que agora tem um ano e meio – até que, no fim de janeiro, ela ganhou as manchetes dos jornais do mundo inteiro.
Reza desafiou o marido e se refugiou com os pais. Kahn, furioso, a levou para um lugar distante e prometeu cortar o nariz da mulher como punição.
“Eu disse: ‘Me mate’”, afirmou Reza Gul, seus olhos se enchendo de lágrimas na cama do hospital.
Khan não hesitou em mutilar o rosto de Reza Gul diante da família dele. Ele jogou o nariz da mulher no chão e ameaçou matá-la, disse ela ao The WorldPost.
Isso só não aconteceu porque a arma dele emperrou, o que deu a Reza a chance de gritar por socorro. Khan fugiu antes que pudessem alcançá-lo. Até agora ele não foi encontrado pelas autoridades afegãs ou pelo Talibã. O pai de Reza ainda está à procura do criminoso, disse ela.
Embora a barbaridade do caso tenha chocado o mundo, ela não está sozinha. O Afeganistão é um dos piores países para nascer mulher, segundo a ONU. Abusos domésticos e violência contra a mulher são frequentes no país.
Casamentos de meninas muito jovens e analfabetismo, também.
Mas, diferentemente das mulheres que sofrem em silêncio, Reza Gul se recusa a ficar calada. Ela está com muita raiva. E, agora que está livre do marido, fala abertamente dos abusos que sofreu. Ela afirma que o Talibã também é responsável, pois o grupo foi informado sobre a violência repetidas vezes, mas não fez nada a respeito.
“O Talibã não me protege”, disse Reza Gul. “Os [combatentes do] Talibã disseram que ele teria de colocar a mão no Alcorão e jurar que não me machucaria mais. Mas ele não deu ouvidos.”
Apesar das promessas, Khan continuou torturando a mulher.
Reza diz que pediu para se divorciar – especialmente depois de o marido planejar se casar com outra criança de não mais de sete anos –, mas ele recusou. Khan só aceitou o divórcio no dia do ataque. Mas havia uma ressalva: o divórcio seria acompanhado de uma sentença de morte.
Mas Reza Gul está viva, graças a sua família, que a levou para o hospital de Maimana, de onde ela foi transferida para Mazar-e-Sharif.
Livre do marido abusivo, ela busca o que parecia impossível: felicidade.
“Quero passar o resto da minha vida com uma pessoa boa”, disse Reza. “Quero curtir minha vida.”
A mãe espera que a filha possa um dia se casar por amor – um raro luxo em lugares com Shar-Shar.
“Quero um marido divertido, hospitaleiro e com bons amigos”, diz Reza, ao lado da mãe, que dá de mamar à irmã de Reza, uma bebê de colo.
Como as outras mulheres das áreas controladas pelo Talibã, Reza nunca pisou numa sala de aula. Sua mãe também não. Se voltar para Shar-Shar, a pequena Aqila terá o mesmo destino.
“Gostaria de ir para a escola”, diz a jovem mãe analfabeta, claramente constrangida por não saber ler ou escrever. “Existem escolas para os meninos, mas não para as meninas.”
Reza espera que seu tratamento, que deve durar meses e envolver cirurgias dolorosas, acabe com a realocação da família em um lugar mais seguro, para que ela possa construir um futuro real.
“Não quero voltar para Shar-Shar nunca mais”, disse ela. “Quero ir para uma cidade controlada pelo governo. Que Deus todo-poderoso corte o Talibã em pedaços e o destrua.”
No fim de janeiro, Reza, seu cunhado, sua mãe e sua irmãzinha foram transportados para Cabul, a capital do país. Até agora, a família não teve de pagar pelo tratamento. Uma rede de médicos, autoridades e indivíduos pagaram pelo transporte e pelo tratamento.
Bahar Sohaili, uma ativista dos direitos das mulheres que se voluntariou para ajudar a família, disse que Reza Gul vai se encontrar com cirurgiões em Cabul. Reza só será enviada para o exterior, para um país como a Turquia, se a cirurgia reconstrutiva não for possível no Afeganistão. Mas Reza insiste que quer fazer o tratamento fora do país.
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“Não tenho medo”, disse ela antes de embarcar. Foi uma semana de novidades – a primeira vez num avião, a primeira vez longe de seu vilarejo, onde água e luz são escassos, e a primeira vez longe da filha, que ficou com a irmã de Reza.
Na classe executiva do avião – as comissárias a colocaram ali depois de perceber que a passageira era a mulher famosa do noticiário – , Reza olhou pela janela, enquanto o avião sobrevoava as nuvens em direção a Cabul.
Outros passageiros meneavam a cabeça, sentindo pena e desgosto em relação ao pesadelo vivido por Reza.
Por enquanto, ela está livre da tortura. Livre do Talibã.
Ela não sabe o que a aguarda – um nariz reconstruído e, talvez, uma nova vida, que ela jamais imaginou ser possível.
Sophia Jones, Huffington Post
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