Em um momento em que os brasileiros acumulam perguntas e não dispõem de respostas – “O que desejo para meu país? Qual minha relação com a política e com o outro?”, o desespero e a desesperança podem encontrar terreno fértil para crescer. Confira 10 depoimentos de algumas pessoas que se dispuseram a destrinchar as perguntas, provocar outras tantas ou mesmo arriscar uma resposta
A civilização é composta por ciclos e marcada por rompimentos que superam ou antecedem crises. O que é uma crise senão uma insuportável e paralisante dúvida a respeito de valores até então tidos como certos? Na dúvida, podemos assinalar saídas ou desistências. Construções ou destruições.
Em um momento em que os brasileiros acumulam perguntas e não dispõem de respostas – “Que lado escolher? O que desejo de meu país? Qual minha relação com a política e com o outro?”, o desespero, a desesperança e a apatia podem encontrar terreno fértil para crescer.
Enquanto se tenta resistir às investidas do caótico, podemos encontrar conforto, ou ser instigados por alguém em quem depositamos confiança. Por isso reunimos depoimentos de algumas pessoas que se dispuseram a destrinchar as perguntas, provocar outras tantas ou mesmo arriscar uma resposta.
Leandro Karnal
Historiador brasileiro
1 — “Eu não sou neutro, a Justiça não é neutra, o Congresso não é neutro, as igrejas não são neutras. Eu, o juiz Moro, Lula, o papa Francisco, Dilma, a mãe de santo, o pároco, o sindicalista, você e a socialite: todos estamos inseridos numa classe social e manifestamos um mundo que corresponde ao que mais me beneficia. Neutralidade só existe no sabão de coco. A democracia permite que uma subjetividade não seja a única possível.”
2016, em post no Facebook
Zygmunt Bauman
Sociólogo polonês
2 — “Sou tudo, menos desesperançoso. Confio que os jovens possam perseguir e consertar o estrago que os mais velhos fizeram. Como e se forem capazes de pôr isso em prática, dependerá da imaginação e da determinação deles. Para que se deem uma oportunidade, os jovens precisam resistir às pressões da fragmentação e recuperar a consciência da responsabilidade compartilhada para o futuro do planeta e seus habitantes. Os jovens precisam trocar o mundo virtual pelo real.”
2014, em entrevista à revista Época
3 — “Mais e mais pessoas duvidam que os políticos sejam capazes de cumprir suas promessas. Assim, elas procuram desesperadamente veículos alternativos de decisão coletiva e ação, apesar de, até agora, isso não ter representado uma alteração efetiva.”
2014, em entrevista à revista Época
4 — “Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano à altura da tarefa de reformar o mundo, a crença de que ‘nós, seres humanos, podemos fazê-lo’, crença esta articulada com a racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e coragem para extirpá-los.”
2003, em entrevista à revista CULT
Marcia Tiburi
Filósofa brasileira
5 — “Todo mundo conhece um “fascista”, um tipo psicopolítico bastante comum, alguém que perdeu a dimensão do diálogo, intelectualmente pobre, que reproduz discursos prontos, discursos de ódio, justamente porque é incapaz de ouvir o outro e de refletir sobre a diferença“.
2015, em entrevista ao site Hoje em Dia
Sigmund Freud
Neurologista e psicanalista austríaco
6 — “Há incontáveis pessoas civilizadas que se recusam a cometer assassinato ou a praticar incesto, mas que não se negam a satisfazer sua avareza, seus impulsos agressivos ou seus desejos sexuais, e que não hesitam em
prejudicar outras pessoas por meio da mentira, da fraude e da calúnia, desde que possam permanecer impunes.”
1927, no livro O Futuro de Uma Ilusão
Eliane Brum
Escritora e repórter brasileira
7 — “Uma democracia demanda cidadãos autônomos, adultos emancipados, capazes de se responsabilizar pelas suas escolhas e se mover pela razão. O que se vê hoje é uma vontade de destruição que atravessa a sociedade e assinala mesmo pequenos atos do cotidiano. O linchamento, que marca a história do país e a perpassa, é um ato de fé. Não passa pela lei nem pela razão. Ao contrário, elimina-as, ao substituí-las pelo ódio. É o ódio que justifica a destruição daquele que naquele momento encarna o mal. Isso está sendo exercido no Brasil atual não apenas na guerra das redes sociais, mas de formas bem mais sofisticadas. Isso tem sido estimulado. Quem acha que controla linchadores, não sabe nada.”
2016, em sua coluna no El País
Mario Sergio Cortella
Filósofo e educador brasileiro
8 — “Os chineses acham que devemos lidar com a história e não com o momento. Você só compreende o hoje se olha a história no seu desenvolvimento. É bom recordar o que falavam as avós: ‘Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe’. Portanto, nada de desespero. Problemas agudos se dissolvem no tempo. Os efeitos colaterais não são insuperáveis; podemos lidar com eles. É bom lembrar que devemos ter cuidado num mundo multifacetado, multicultural e multidiverso. Por isso, não podemos nos fechar em grupos exclusivos – só católicos, só gays, só muçulmanos -, o que leva à política do gueto e dilui a ideia de humanidade.”
2015, em entrevista à revista Claudia
Slavoj Zizek
Filósofo e psicanalista esloveno
9 — “Tem algo que gosto de repetir: o grande papel dos intelectuais não é dar respostas. As pessoas me perguntam, por exemplo, sobre a crise ecológica: ‘O que devemos fazer?’. Eu não sei! A principal tarefa do intelectual público hoje, eu acho, é permitir, ou melhor, possibilitar que as pessoas pensem, fazer com que elas façam as perguntas certas. Eu acho que os problemas que nós temos hoje existem porque nós estamos fazendo as perguntas erradas.”
2013, em entrevista ao Jornal do Commercio
Umberto Eco
Escritor e intelectual italiano
10 — “Na medida em que envelheci, comecei a odiar a humanidade. Portanto, se eu tivesse um poder absoluto, deixaria que ela continuasse em seu caminho de autodestruição. Ela seria destruída e eu ficaria mais feliz. Pessoas como eu são intelectuais: nós fazemos o nosso trabalho, escrevemos artigos, temos maneiras de protestar, mas não podemos mudar o mundo. Tudo o que podemos fazer é apoiar a política de empatia”.
2016, em sua coluna no UOL
Amanda Mont’Alvão Veloso, HuffPost Brasil
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