Reinaldo Azevedo, hoje, percebeu que criou um movimento que lhe escapa das mãos. Muitos de seus seguidores começaram a se encantar pela retórica mais agressiva de figuras como Bolsonaro e Olavo. Figuras essas em cuja órbita gravitam fascistas, racistas, homofóbicos e idiotas mais inofensivos. Esses grupos agora se voltam contra – pasmem – o "esquerdismo" de Azevedo
por Alexandre Andrada*
Cría cuervos y te sacarán los ojos, diz o adágio espanhol.
Reinaldo Azevedo, descuidado, criou corvos.
Azevedo é o principal articulista liberal-conservador do país há anos. Eu, com meus trinta e poucos, lembro de seus textos sobre o governo FHC ainda nos tempos da revista (site) Primeira Leitura.
Sempre foi dado à polêmica (essa é uma característica que dificilmente se adquire depois de certa idade).
Sua retórica inflamou-se ainda mais a partir do instante em que o PT assumiu o poder. Era um dos poucos jornalistas àquela altura que não temiam demonstrar claramente sua discordância visceral em relação ao esquerdismo em geral e ao petismo em particular.
Usava sua própria experiência política – fora militante trotskysta na juventude, tendo atuado inclusive no PT, no gérmen do que viria a ser o PSTU – para desnudar o autoritarismo congênito das esquerdas.
Também já fui militante de esquerda. E confesso que a primeira vez que ouvi falar de Foro de São Paulo foi através de um texto de Azevedo.
O tal Foro ocupava em sua retórica o lugar que já fora da Maçonaria, dos Iluminatis e da Opus Dei, por exemplo, nas análises de tantos autores ao longo da história. Era um órgão semi-secreto encarregado de destruir os valores ocidentais na América Latina (ou coisa parecida).
Também foi através dele que tive curiosidade de conhecer Gramsci, cujos Cadernos do Cárcere desempenhavam nos textos de Azevedo o mesmo papel que Os Protocolos dos Sábios do Sião, nos anti-semitas de outrora. Isso no sentido de ser a revelação, sem escrúpulos ou pudores, das táticas sórdidas do adversário em sua busca pela dominação mundial.
Azevedo também foi responsável por levar o filósofo Olavo de Carvalho às massas.
Na minha época de militância, Olavo era uma figura cômica, desprezada e desprezível. Havia pouquíssimas olavetes e as que existiam só se revelavam na internet, sob anonimato. Era inimaginável àquela época um estudante ir para a faculdade com uma camisa escrito Olavo tinha razão. Seria motivo de chacota até o último dos seus dias.
Foi através de Azevedo que toda uma geração de conservadores se formou no Brasil (e que toda uma geração de esquerdistas teve que aprender a dar certas respostas e justificativas).
Não tenho dúvida alguma de que ele é um dos personagens fundamentais no pensamento político brasileiro dessas últimas décadas. Goste-se ou não de suas ideias.
Foi ele quem deu voz aos conservadores, aos liberais, aos direitistas.
Mas à medida que ganhava notoriedade, mais e mais a retórica de Azevedo se afastava do analista minucioso dos tempos de Primeira Leitura e mais se aproximava do panfletário. A tolerância de seu blog com comentários que tangenciam o horror, também faz parte desse processo.
Hoje Azevedo deve perceber que criou um movimento que agora lhe escapa das mãos.
Muitos de seus seguidores começaram a se encantar também pela retórica e pela postura significativamente mais agressiva de figuras como Bolsonaro e Olavo. Figuras essas em cuja órbita gravitam fascistas, golpistas, racistas, homofóbicos e idiotas mais inofensivos (mas ainda idiotas).
Esses grupos mais exaltados agora se voltam contra – pasmem – a moderação e – preparem-se – o esquerdismo de Reinaldo Azevedo!
Em dezembro de 2014, Azevedo publicou em seu blog um texto intitulado É chegada a hora de dar um ‘Basta!’ às boçalidades de Bolsonaro (relembre a briga aqui). O ensejo foi a declaração da referida figura sobre o fato de Maria do Rosário não merecer ser estuprada.
Mas a cisma entre os conservadores aconteceu de fato neste ano.
Em janeiro, Azevedo publicou um texto no qual argumenta que há sim um grupo golpista na direita brasileira, formada – em suas palavras – pelos fetichistas da botina e uniforme.
Ele e os seguidores que lhe interessam, por outro lado, seriam liberais-legalistas.
Bolsonaro, incapaz de qualquer raciocínio, teve que pedir ajuda a Olavo, de forma a desenvolver uma resposta. A discordância, inicialmente amena, dada a aparente admiração mútua entre Azevedo e Olavo, em um segundo degringolou para a obscenidade.
Recentemente Azevedo chamou Olavo de o pensador que fundiu Platão com Dercy Gonçalves. Título que para mim é ferozmente ofensivo a Platão e Dercy e excessivamente elogioso a Olavo.
Se alguém tiver coragem de vasculhar o Facebook de Bolsonaro – algo que intelectualmente é o equivalente físico de mergulhar no canal de esgoto – poderá ver o que pensam agora os bolsonetes sobre Azevedo e sobre a revista Veja. Esta última é agora considerada governista, pois demitiu gênios do porte de Rodrigo Constantino.
Os proto-fascistas admiradores de Bolsonaro prestam um desserviço enorme à direita liberal.
No Brasil havia uma forte identificação da direita e do liberalismo com a Ditadura Militar. E motivos não faltam.
Que os mais moços procurem a história do Partido da Frente Liberal, ou que se lembrem da participação de Roberto Campos, Octávio Bulhões, Mário Henrique Simonsen e outros tantos economistas liberais na linha-de-frente do regime autoritário.
Essa associação que parecia estar se diluindo com o tempo, pode voltar com toda força.
A presença de fascistas macula inclusive bandeiras dignas e justas.
Pensemos no caso de se encontrar o FIAT Elba de Dilma.
Nesse caso seria não só justo, mas necessário pedir seu afastamento. Mas você iria a uma passeata pedindo impeachment sabendo que lá estarão hordas fascistas, imbecis despudorados pedindo intervenção militar e/ou pessoas que realmente sonham com um Brasil presidido por Bolsonaro?
Eu não iria nem que fosse uma passeata contra o câncer infantil.
Mas é importante, por outro lado, para a própria direita que ela comece a se dividir.
Hoje se separam os golpistas dos legalistas. Amanhã, espero, os legalistas se separem em liberais-conservadores e liberais-progressistas.
Quanto mais rica a fauna política no Brasil – acredito eu – melhor será nossa democracia.
*Alexandre Andrada é professor de Economia da UnB, BrasilPost
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