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Carta aberta de Leonel Brizola a Michel Temer

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Leonel Brizola (reprodução)

Rafael Chervenski, Pragmatismo Político

Caro Temer,

De cara, te explico porque não escolhi usar vocativos e outras afetações da linguagem. Aprendi, na vida política, que nessas batalhas devemos buscar sermos iguais, e que se há alguma excelência na seara política, é a excelência do voto na urna. Sabemos que por vezes a urna não engole bem os votos que recebe, e acaba regurgitando alguns à conveniência dos grandes partidos e da mídia. Enfrentei esse tipo de processo, denunciei o conluio da Rede Globo para evitar que eu fosse eleito Governador do Estado do Rio de Janeiro. Antes, um pouco, tive de andar abraçado em metralhadoras para que os gorilas não tomassem de assalto a República, num movimento que clamou por algo que deveria ser sussurrado contínua e infinitamente pelos homens e mulheres públicos do nosso país: a legalidade.

Pois bem. Te escrevo justamente por isso: pararam de sussurrar a legalidade. Agora, aos gritos, a palavra que se escuta é golpe. O rompimento da ordem democrática é uma curva na estrada da História, na qual o Brasil sempre resvala. Lutamos e resistimos, e não com pouco sofrimento evitamos que, em 1961, o trem descarrilhasse exatamente nesse trecho. Não adiantou: as forças conservadoras acabaram por nos jogar novamente para fora dos trilhos em 1964.

Fiquei sabendo que tu és adepto das cartas. O que me surpreendeu, entretanto, é que sejas adepto desses novos sussurros. A tua fala mansa não combina com uma palavra forte dessas, e nem a tua história aceitaria facilmente o aposto “golpista” depois do teu nome. Era o que eu pensava… Daqui, distante, acabamos por ver as coisas com certa distorção, demoramos para perceber, mas uma hora as coisas ficam claras: tu não és mais o mesmo. Infelizmente, tenho que reafirmar o que disse ao longo de toda a minha vida: o PMDB não me engana. Nunca me enganou. Enquanto lutei duras batalhas para, na urna, ganhar a confiança do povo brasileiro, o PMDB sempre foi adepto de atalhos aos caminhos democráticos. Por vezes, de maneira sutil. Fato é que o PMDB acabou por governar este país por duas vezes, sem nunca ter ganhado um voto sequer. Reclamar de ser um vice decorativo, sendo filiado ao partido que te acolhe e que presides, é digno de um pé de guapuruvu no lugar do rosto, tamanha a cara de pau.

Denunciei, em 1986, a falsidade das propostas econômicas que o PMDB levantava: era tudo uma grande jogada para, no ano seguinte, eleger governadores a rodo e jogar novamente o país no caminho da inflação galopante. E não é que parecem repetir a cena? A tal da ponte para o futuro, meu caro Temer, tem a cara de um mata-burro carcomido pelos 30 anos que separam esses fatos. A estratégia deu certo naquela vez, mas a História se repete primeiramente como farsa, e nesse teatro a plateia já conhece o final.

Não me alongo, há um golpe para combater, e uma juventude para encarnar aqueles ideais que levei às ruas pelas ondas do rádio em 1961. Só quero que fique claro a ti, caro Temer: a legalidade é, e sempre foi, que se respeite o mandato de quem tem voto na urna. Em 1960, o Vice-Presidente João Goulart foi votado e eleito, como mandava a lei à época. Agora, quem tem voto é a Dilma e tu, tu sabes… tirar o mandato dela é deixar o teu sussurro manso de lado e gritar, com essa catrefa a que tens te aliado, que és neogolpista já convicto. Mas ainda há tempo, os livros de História ainda não foram escritos.

Minguante de março de 2016.

Leonel de Moura Brizola

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