Não há lógica, não há avaliação dos ganhos (ou proposta de ganhos) em cada momento, não há discussão sobre acertos e erros, avanços e retrocessos, apenas é um time contra o outro. A minha cegueira contra a tua [...] E assim nos mantemos parados, presos a essa dualidade entre corruptos de um lado e corruptos de outro. Não há proposta, não há alternativa, não há avanços. O que importa é que o nosso time ganhe o campeonato, ops, a eleição
Saullo Diniz*, Pragmatismo Político
Eu sou Vasco. Sim, eu Saullo Diniz sou Vasco. Meu irmão, meu pai, todas as 5 irmãs de meu pai, o pai de meu pai (meu avô) e etc. Posso dizer que 80% da minha família por parte de pai é Vasco também. É uma coisa de família, não seguir essa linha é quase uma frustração.
Esse é apenas o meu exemplo, provavelmente o leitor conhece casos muito parecidos.
Por conta disso, aprendi desde pequeno a discutir futebol tendo o meu time como a grande – e maior – referência. Nunca posso aceitar uma crítica (“zoação”) de um torcedor rival. Mesmo depois de uma goleada inaceitável, inexplicável, eu vou ter aquele argumento na ponta da língua. Não importa há quanto tempo não ganhamos nada relevante, o que importa mesmo é que em 1970 nós fomos campeões daquele campeonato que eu nem lembro o nome e é ele que vou usar pra defender meu time. Se falarem mal do meu atacante, é lógico que minha resposta será uma crítica ao atacante adversário (independente da história e do momento atual dos dois). Não importa, pra mim o meu time sempre será o melhor (mesmo não sendo).
Pra mim não importa, o Vasco vai ser sempre melhor que o Flamengo, e não tem Mundial que fale mais alto que os atuais jogos de invencibilidade. Pra mim, Roberto Dinamite – mesmo não sendo – vai ser sempre melhor que o Zico. Eu sempre vou falar dos gols do Edmundo (e eles do gol de falta do Pet). Não importa como, apenas quero vencer a “disputa”. Não é racional, é passional. É tudo uma grande brincadeira. Não sei se isso é ruim pra um torcedor, só sei que o período entre dezembro e janeiro que não têm jogos não é chato simplesmente por não ter jogos, mas por não ter a “zoação” que os jogos proporcionam.“Cá” entre nós, grande parte da beleza do futebol está exatamente nessa brincadeira, nessa divertida rotina futebolística.
O problema é quando trazemos isso pra política. Recentemente li na internet a seguinte frase “O brasileiro não está politizado, ele apenas trouxe a discussão de times para a política” (não era exatamente essa a afirmação, não lembro perfeitamente, mas a síntese é essa). Estamos tratando a questão política como uma discussão de futebol, do meu time contra o teu. O problema é que, como mostrei acima, a discussão de times (quase) sempre não trabalha com a lógica, é apenas uma brincadeira passional. Trouxemos isso pra política, ou seja, não estamos usando a racionalidade na discussão – quero dizer que não estamos discutindo os ganhos sociais e políticos das políticas (e dos próprios políticos) – apenas discutimos defendendo até o fim o nosso time colocando-o melhor em tudo que o adversário.
Se falam que a Dilma fez algo, imediatamente o contra-argumento será apontar alguma acusação sobre o Aécio. Se a crítica for contra o FHC, automaticamente textos e textos falando do quão corrupto (dizem que) foi o governo Lula. Uma pessoa que critica o Bolsonaro ou a ditadura se torna automaticamente um apoiador de toda a corrupção do PT. Qualquer notícia referente ao PT será respondida com ataques ao PSDB e vice-versa. Não há lógica, não há avaliação dos ganhos (ou proposta de ganhos) em cada momento, não há discussão sobre acertos e erros, avanços e retrocessos, apenas é um time contra o outro. A minha cegueira contra a tua.
E assim nos mantemos parados, presos a essa dualidade entre corruptos de um lado e corruptos de outro. Não há proposta, não há alternativa, não há avanços. O que importa é que o nosso time ganhe o campeonato, ops, a eleição.
*Saullo Diniz é graduando em Geografia pela UFRJ e colunista em Pragmatismo Político
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