Como é que se lembraram de marcar um seminário sobre o futuro constitucional do Brasil e de Portugal (?) para o 52º aniversário do golpe que derrubou um presidente eleito e instaurou uma ditadura militar?
Francisco Louçã*, Público
Quem se lembrou de uma coisa destas? Admitamos que o seminário “luso-brasileiro” que iniciou hoje (29) na Faculdade de Direito de Lisboa já estava programado antes da crise desencadeada pela golpaça político-judicial em curso no Brasil. Se assim for, há uma questão a que falta responder: como é que se lembraram de marcar um seminário sobre o futuro constitucional do Brasil (e de Portugal, olha só) para o 52º aniversário do golpe que derrubou um presidente eleito e instaurou uma ditadura militar? Como não há coincidências na vida, ou fugiu o pé para o chinelo ou é uma declaração de guerra com um atlântico pelo meio. Presumo que seja o chinelo.
Também não lembraria a ninguém que o vice-presidente brasileiro, e primeiro potencial beneficiário da eventual deposição de Dilma Roussef, escolha sair do país por uns dias precisamente quando o seu partido, o PMDB, tomará a decisão de sair do governo e se juntar aos parlamentares derrubistas. Mas é isso que anuncia o programa do evento. Pior, acrescenta outros pesos-pesados da direita, estes do PSDB, José Serra e Aécio Neves, sendo que o primeiro não estava previsto no programa original. O que os levaria a levantar voo do Brasil para se limitarem a conspirar por telefone?
Só haveria uma razão, procurarem um endosso internacional para as suas diligências, fazerem-se fotografar ao lado das autoridades de Portugal. Se era esse o objetivo, fracassou. A assessoria do Presidente português anunciou que a agenda não lhe permite ir ao seminário e até o ex-primeiro ministro Passos Coelho se pôs de fora.
O detalhe da não participação de Passos acrescenta ainda algo picante à história, dado que o Público revela que “já Jorge de Miranda garante que a presença do ex-primeiro-ministro levantou dúvidas quanto à pertinência acadêmica de sua contribuição“. Excelente: o seminário era de tão alta qualidade que os organizadores se esqueceram de consultar a “pertinência acadêmica” da “contribuição” dos oradores que convidaram. Passos deve estar reconhecido por mais esta. Paulo Portas, que também foi anunciado para o encontro, mantém-se mais discreto e, adivinho, de fora do imbróglio. Resta saber se Maria Luís Albuquerque, anunciada no Brasil como professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, abrilhantará o encontro com a sua presença.
Leia também: Portugueses se assustam com encontro de políticos e juízes brasileiros em Lisboa
Ficando deserto de autoridades, o seminário limitar-se-á então, se ainda se vier a manter com tantos abandonos, a uma conversa entre juristas e políticos brasileiros sobre a graça do golpe que está a decorrer. Suponho que só a TAP agradecerá a cortesia.
Nota (16.30, dia 24): o vice-presidente do Brasil cancelou a sua viagem. O benefício da TAP com o evento será mais reduzido.
*Francisco Anacleto Louçã é um economista e político português. Foi coordenador do Bloco de Esquerda de 2005 a 11 de novembro de 2012.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook