“O percurso até minha formação foi muito difícil, mas eu sempre me dedicava em todas as matérias. Trabalhar de dia e estudar a noite realmente não é fácil”. Estudante negro e cotista se forma com a melhor nota média no curso de Engenharia Mecânica
Pedro Borges, Alma Preta
“O percurso até minha formação foi muito difícil, mas eu sempre me dedicava em todas as matérias. Trabalhar de dia e estudar a noite realmente não é fácil”. Edgar Nascimento, 23 anos, morador do Jardim Helena, Zona Leste de São Paulo, é agora engenheiro mecânico formado pela Universidade Cruzeiro do Sul.
Edgar tinha o sonho de entrar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. E foi durante os estudos para seguir carreira militar, que o jovem descobriu algo novo, o carinho e a aptidão com os números. O grande tempo dedicado foi a medida necessária para o estudante ingressar no curso de Engenharia Mecânica pelo sistema de cotas via ProUni, na Universidade Cruzeiro do Sul no ano de 2010.
Apesar das dificuldades durante o curso, como a necessidade de trabalhar, Edgar se sobressaiu na turma desde o início. “No meu primeiro ano me destaquei e fui convidado pelos professores a ministrar monitorias para os alunos que tinham dificuldades. E assim foram os cinco anos de estudos, finais de semana estudando para as provas e noites em claros fazendo trabalhos”.
Mesmo com o Prouni e o sistema de cotas, a quantidade de estudantes negros na sala de aula e mesmo nos demais cursos era ínfima. “Na minha turma no início éramos em quatro negros porém infelizmente apenas eu e mais um colega concluímos o curso”. Mesmo sem números exatos, o jovem engenheiro ressalta. “É visível que o número de negros estudantes na minha universidade é pequeno”.
Cotas e Fraudes
As cotas raciais nas universidades brasileiras entraram em vigor em 2003, com a iniciativa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ. Desde então, uma luta é travada para que outras instituições de ensino superior adotem o sistema e aumentem a presença de afrodescendentes nas salas de aula.
A implementação da lei 12.711 no ano de 2012 obrigou todas as universidades e institutos federais a adotar o sistema. De acordo com os dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, SEPPIR, cerca de 150 mil jovens negros entraram nas universidades federais via cotas raciais. A medida vige também no Programa Universidade para Todos, ProUni, e no Fundo de Financiamento Estudantil, FIES, fatores que propiciaram o aumento significativo de pretos e pardos nas instituições de ensino superior. O Ministério da Educação, MEC, apresenta também que tanto no FIES, (50,07%), quanto no ProUni (52,10%), a maior parcela dos beneficiários é composta por negros.
Para Edgar, as cotas são fundamentais para um país como o Brasil, marcado pelo racismo desde a criação do seu Estado. “A política de cotas é muito importante. O país tem uma extensão territorial gigantesca e existem muitos negros que não têm a oportunidade de ingressar em diversas carreiras”. Ele ainda completa que, “se a cota existe é porque de certa forma não tem igualdade”.
Em universidades elitistas, como as estaduais paulistas, a porcentagem de estudantes negros é ínfima. Dos 10 cursos mais disputados para o vestibular da USP de 2015, enquanto 74,7% dos ingressantes eram brancos, 18,3% eram negros. Destes, somente 3,5% eram pretos.
Mesmo diante dessa realidade e da importância das cotas para que mais negros ocupem os espaços públicos, muitas são as denúncias de fraude no Brasil. No Espírito Santo, o Coletivo Negrada fez denúncia ao Ministério Público Federal por conta da falsa autodeclaração de estudantes brancos.
Sobre isso, Edgar pensa que a maior fiscalização é uma possível saída. “A definição de cor ainda é por autodeclaração e isso abre margem para muitas fraudes. Pessoas que se sentem no direito de tirar uma vaga, que por uma dívida histórica pertence a uma pessoa negra. Esses casos devem ser mais investigados e divulgados. Não só fraudes em universidades, mas também em concursos públicos”.
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