O Estado ou a iniciativa privada, quem é mais corrupto?
Quem é mais corrupto, o Estado ou o mundo empresarial e financeiro? A Operação Lava Jato está derrubando um dos mitos mais aceitos pelo ingênuo senso comum: o de que os responsáveis pela corrupção são apenas os funcionários e agentes do 'demoníaco Estado'
Luiz Flávio Gomes, Congresso em Foco
Aviso aos internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: abomino todos os políticos profissionais desonestos, assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (e privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público (PT, PMDB, PSDB, PP etc.). Todos os partidos e agentes comprovadamente envolvidos com a corrupção, além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda os defendem
No período histórico que estamos chamando de República Velhaca (1985-2015), que coincide com a era da redemocratização, os agentes mais fortes da nossa corrupção cleptocrata (governo de ladrões) foram os poderosos do mercado (mundo empresarial e financeiro bem posicionado dentro do Estado: empreiteiras, bancos, setor automobilístico etc.) ou os funcionários públicos e representantes do poder político, que no trintênio foram dirigidos por Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma? Quem é o grande corrupto (a erva daninha mais nefasta da cleptocracia brasileira): o Estado (o poder público) ou o mercado economicamente poderoso e cartelizado?
Até o advento do mensalão (2005-2013), para o senso comum (e parte considerável da doutrina[1]) o Estado era considerado preponderantemente corrupto. Com a Operação Lava Jato, será que se mantém esse pensamento?
Vejamos os números da Operação[2]: até 9/12/15, mais de 150 inquéritos já tinham sido abertos pela Polícia Federal, na maior investigação criminal sobre corrupção (Lava Jato) na História do Brasil: a vida de 494 empresas e 56 políticos (citados até aqui) está sendo detalhadamente vasculhada; 941 procedimentos foram instaurados, com 360 buscas e apreensões, 88 mandatos de condução coercitiva e 116 mandados de prisão cumpridos, sendo 61 prisões preventivas e 55 temporárias.
Na primeira instância foram solicitados 86 pedidos de cooperação internacional, sendo 76 pedidos ativos para 28 países e 9 pedidos passivos com 8 países; foram firmados 85 pedidos de colaboração premiada, por pessoas físicas, sendo que 25 estavam soltas; 4 acordos de leniência com empresas já foram concretizados; 173 pessoas em 35 processos responderam pelos crimes de corrupção, contra o sistema financeiro internacional, tráfico internacional de drogas, formação e organização criminosa e lavagem de ativos, dentre outros; cinco das acusações foram por improbidade administrativa contra 24 pessoas físicas envolvendo 13 empresas, pedindo-se o ressarcimento de R$ 14,5 bilhões.Segundo o MPF, os crimes já denunciados envolvem o pagamento de propina de cerca de R$ 6,4 bilhões; R$ 1,8 bilhão já foi recuperado por acordos de colaboração; R$ 654 milhões se relacionam com o instituto da repatriação; R$ 2,4 bilhões em bens de réus já foram bloqueados.
Até o momento já são 75 condenações, contabilizando 262 anos, 5 meses e 15 dias de pena; 28 inquéritos foram autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contra autoridades que contam com foro por prerrogativa de função. Tendo em vista as imunidades e prerrogativas dos políticos, não há dúvida que, até aqui, muito mais agentes do mercado (mundo empresarial e financeiro) foram investigados, presos, processados e condenados. Mas eles não são os únicos envolvidos na cleptocracia brasileira.
O fim do mito da corrupção apenas do Estado
A Operação Lava Jato, a maior investigação criminal sobre corrupção no Brasil, está derrubando, dentre tantos outros, um dos mitos mais aceitos pelo ingênuo senso comum: o de que os responsáveis pela corrupção são apenas os funcionários e agentes do demoníaco Estado, destacando-se os políticos.
Os números citados mostram que incontáveis players do (ilusoriamente ilibado) mercado (tanto econômico como financeiro) são tão ou mais corruptos (para os interesses da nação) que os funcionários e agentes públicos. Conclusão imediata: não é verdade que a corrupção esteja apenas dentro do demonizado Estado. Orbitam em torno dele inúmeros setores das oligarquias cleptocratas brasileiras, cujas fortunas emanam diretamente da posição privilegiada de que desfrutam.
Nunca na Justiça criminal brasileira houve tanta quebra de paradigmas. A Lava Jato está derrubando tradições (empresários ricos não vão para a cadeia, por exemplo), criando novos “heróis” no imaginário popular, recuperando muito dinheiro e aniquilando a lei mafiosa da “omertà” (silêncio), por meio das delações premiadas (que exigem provas de tudo que é delatado). Além disso, está evidenciando que a grande corrupção do Estado (funcionários e agentes, incluindo os políticos) está diretamente ligada ao mercado (mundo empresarial e financeiro).
A História do Brasil e a imagem que fazemos dos brasileiros estão repletas de equívocos (racistas) e interesses de dominação. Nunca nossos “intérpretes” (Freyre, Buarque de Holanda, DaMatta, Faoro, Celso Furtado etc.) foram tão questionados.[3] Um dos grandes “serviços” dos intelectuais brasileiros teria consistido na justificação de que os problemas socioeconômicos do Brasil não residem fundamentalmente na desigualdade e exclusão de milhões de pessoas, sim, na corrupção apenas do Estado. Esse pensamento conduz “a uma falsa oposição entre Estado demonizado e mercado – concentrado e superfaturado como é o mercado brasileiro -, como o reino da virtude e da eficiência”[4].
Os números e as provas da Operação Lava Jato, para além de hiperestrondosos (a nossa é uma cleptocracia megalomaníaca[5]), demonstram que muitas fortunas (ou boa parcela delas) foram construídas por força da compra de favores e privilégios junto ao poder público. Evidenciam, ademais, que a corrupção cleptocrata nacional jamais se tornaria sistemática (institucionalizada) nas proporções a que chegou sem a participação efetiva, a conivência e o estímulo dos agentes do mercado (econômico e financeiro).
Não há dúvida “que a presença de funcionários públicos nos escândalos políticos não pode ser descurada, mas com alguma frequência ela é apenas a ponta de um processo que transcende não apenas os limites do serviço público, mas também as fronteiras do Estado. Prestar atenção [apenas] à dimensão pública da corrupção pode levar a obscurecer o fato de que ela afeta igualmente os domínios privados. O funcionário corrupto é apenas uma parte de uma engrenagem que envolve atores privados, que representam interesses econômicos ou políticos que não são explicitados na esfera pública.”[6]
É praticamente impossível medir a proporção de efetividade de cada parte (Estado e mercado) na medonha corrupção brasileira. Como ideia preliminar talvez o melhor seja admitir que alguns setores elitizados de ambos os lados formaram (historicamente) um ambicioso clube mafioso cleptocrata, que drena, da nação, enormes quantidades dos seus recursos escassos. A cleptocracia brasileira se transformou num grande crime organizado que estamos chamando de P8, ou seja, é uma Parceria Público-Privada entre Poderosos, que une esforços para a Pilhagem do Patrimônio e do Poder Públicos.
Referências:
[1] Ver GARCIA, Maria Cristina; Corrupção e perversidade do Estado e a nova ordem mundial. São Paulo: Edicon, 2006.
[2] Ver Ministério Público Federal (http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros) e Jornal Folha de SP: (http://arte.folha.uol.com.br/poder/operacao-lava-jato/).
[3] Ver SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: LeYa, 2015; CALDEIRA, Jorge. Nem céu nem inferno. São Paulo: Três Estrelas, 2015.
[4] Ver SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: LeYa, 2015, p. 10.
[5] Ver AGUIRRE, Pedro Arturo. México: Penguin Randon House Grupo Editorial, 2014, p. 19 e ss.
[6] Ver AVRITZER et alii, organizadores, Corrupção. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 13.