PMDB: de onde vens, para onde vais? Partido que já foi composto por figuras emblemáticas embarca em aventura que desestabilizará o Brasil. Será que a sociedade que tanto lutou pela democracia aceitará ser golpeada?
Haroldo Lima*, Revista Fórum
No princípio foi MDB, criado pela ditadura em 1966, para fazer oposição consentida à Arena, o partido do Governo. O povo chamava-os de “partido do sim” e partido do “sim, senhor”, pois os achava mais ou menos iguais.
Sem identidade, o MDB teve votação pífia na eleição de 1966. Na de 1970, foi pior, quase acabou, correu o risco de não fazer a representação parlamentar mínima exigida.
Mas, em 1971, sua fisionomia começou a mudar. Um grupo de esquerda, que combatia de verdade a ditadura, organizou-se no interior de sua bancada e passou a se chamar “grupo autêntico”. O MDB começou a ter prestígio.
Na eleição de novembro de 1974, o MDB teve um vitória estrepitosa. Elegeu 16 dos 22 senadores. A ditadura estremeceu.
Com medo de outra retumbante vitória do MDB na eleição de 1978, a ditadura baixou, em 1977, o Pacote de Abril, com diversas arbitrariedades e criando os senadores biônicos, previamente aprovados pelo general-ditador.
Mas o MDB, com discurso de centro e de esquerda, já se transformara em um fenômeno eleitoral. A ditadura, na época do general Figueiredo, fez então outra “reforma política”, acabando os partidos existentes e estabelecendo normas para a criação de outros, com um detalhe: todos os partidos deveriam ter nomes que começariam com a palavra “partido”. O MDB deixaria de existir.
Mas, os líderes do MDB deram uma “rasteira” no governo: puseram a palavra “partido” no início do nome do antigo MDB, respeitando a legislação imposta e salvando a sigla prestigiada. Surgia o PMDB, em 15 de janeiro de 1980.
Pouco antes, em agosto de 1979, ocorrera a anistia, e a turma que saia da cadeia ou voltava do exílio foi fortalecer o PMDB, que assim caminhou mais ainda para a esquerda.
Com nomes históricos do MDB e com os apoios surgidos da anistia, os dirigentes do novo partido nos estados tinham perfil democrata claro, avesso à ditadura. Em São Paulo, Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Mario Covas, que fora “autêntico”, Aurélio Peres, deputado-operário do PC do B. Na Bahia, Luiz Leal, Francisco Pinto e Elquisson Soares, os dois últimos “autênticos”, Waldir Pires, ex-exilado, Rômulo Almeida que saia do ostracismo, e eu, que saíra da cadeia. Em Pernambuco, Miguel Arraes, que viera do exílio, Fernando Lira, Jarbas Vasconcelos, Marcos Freire, todos “autênticos”. Em Goiás, Iris Resende e Aldo Arantes, que saíra da cadeia. No Paraná, Roberto Requião e Alencar Furtado, este, “autêntico”. No Rio Grande do Sul, Pedro Simon. Em Minas Gerais, Itamar Franco. No Ceará, Paes de Andrade, “autentico”. No Rio de Janeiro, Nelson Carneiro, Lysâneas Maciel, JG de Araújo Jorge, esses dois “autênticos”. No Maranhão, Freitas Diniz, “autêntico”. Em Mato Grosso, Dante de Oliveira. E assim por diante.
O PMDB continuava a história do MDB, sendo desaguadouro de correntes progressistas e de esquerda. Quando adentrei pela primeira vez o plenário da Câmara dos Deputados, em 1983, era vice-líder do PMDB, cujo líder era Freitas Nobre, de São Paulo. Foi Ulysses Guimarães quem me colocou nessa posição, a pedido meu e de Chico Pinto, para dar voz aos comunistas.
A luta contra a ditadura continuava, pois a ditadura, embora enfraquecida após a anistia, prosseguia. Era preciso dar-lhe um fim. O PMDB encabeçou a campanha pelas Diretas Já, com grandes comícios, mas rejeitada na Câmara.
Derrotada as Diretas Já, o movimento democrático e popular ficou momentaneamente perplexo. O PT declarou que não ia ao Colégio Eleitoral, que era criação da ditadura. Um grupo organizou o Só Diretas. Parecia ser esse o caminho da esquerda.
Mas não foi. O presidente do PC do B João Amazonas dirigiu-se a Belo Horizonte para conversar com o governador Tancredo Neves. Se este aceitasse ir ao Colégio Eleitoral para derrotar a ditadura e acabar com o Colégio, a esquerda o apoiaria. A esquerda? Sim. João Amazonas, o chefe dos comunistas do Brasil, o homem do Araguaia, que foi a contestação mais audaciosa ao regime militar, falava pela esquerda, objetivamente.
Tancredo renunciou ao governo de Minas. No bojo de grandes comícios pelos estados, recebeu apoio popular amplo. O Só Diretas se dissolveu. Tancredo ganhou no Colégio Eleitoral e terminou com ele. Capitaneou o processo o PMDB, com Ulisses à frente.
Depois vem a morte de Tancredo, o apoio a Sarney, a constituinte de 87/88. Nesta, o PMDB, liderado pelo Senhor Diretas, dirige um processo complexo, assegura voz a trabalhadores, empresários, estudantes, intelectuais, militares, religiosos, homens do campo, negros, índios, cientistas e tudo o mais, e termina por votar uma constituição que tem suas debilidades, mas foi a melhor que conseguimos fazer, a Constituição Cidadã.
O PMDB já não abrigava partidos clandestinos em seu interior. Nós mesmos, do PC do B, já estávamos com nossa legenda à luz do dia. Mas o PMDB continuava com sua aliança com a esquerda, o que viabilizava as soluções mais avançadas para o país.
As coisas caminham e, em 2002, foi eleito presidente da República um líder operário de grande expressão, Lula. Em sua posse, declara luta sem trégua à Fome. E, de fato, no ciclo que se abre com seu governo, o Brasil sai galhardamente do Mapa da Fome da ONU.
Depois dos dois mandatos do Lula e do primeiro da Dilma, esta começa seu segundo governo. O Brasil é atingido pela crise internacional, que desde 2008 se abate sobre o mundo. Sofre também por erros voluntaristas na política econômica do primeiro governo Dilma, pela postura isolacionista da Chefe do Governo e pelos rombos causados por um esquema corrupto de grandes proporções que agia dentro e fora da Petrobras, há muitos anos. O governo, sabendo que a história do PMDB sempre foi a de ajudar no avanço do país, pede apoio para o exercício da governabilidade, no que é atendido.
Mas, de repente, agrupamentos políticos outros, adversários do PMDB em algumas eleições, levantam a ideia de um impeachment da presidenta. A razão seria umas tais “pedaladas” fiscais, que o povo não sabe direito o que foram, mas que foram para socorrer programas sociais, como o Bolsa Família, e que, no passado, foram feitas, sem nenhum problema, por Lula, por FHC, e por governadores de diversos estados.
Paralelamente, em uma campanha inicialmente contra a corrupção, que todos apoiaram, destaca-se um juiz, que depois se revela um político encapuzado, voltado para desestabilizar o governo Dilma e, se possível, prender o Lula. Uma frente midiático-judicial e policial toma corpo e se volta contra o projeto histórico construído com o PMDB e as esquerdas do país.
Aí, uma dúvida assalta os brasileiros: onde ficará o PMDB? O Partido que quase desapareceu quando foi criado, que se tornou forte por causa dos “autênticos” do MDB antigo, do espírito democrático de Ulysses Guimarães, dos grupos de esquerda que se escondiam em sua legenda, das Diretas Já, do Colégio Eleitoral, da Constituinte, da Constituição Cidadã, da luta por um desenvolvimento sustentado, este Partido, ficará desta vez com os golpistas? Marchará com a direita, a extrema-direita e os fascistas? Emparelhado com grupos que pregam nas ruas o retorno dos militares? Deixará seus aliados históricos, os democratas, os estudantes, os artistas, os intelectuais, a Igreja, os setores avançados dos evangélicos?
Não. É difícil acreditar que com os compromissos que brotam de sua história, o PMDB vai na conversa de um Ministro trânsfuga do PT, que, com voz empolada apareceu na Globo dando lições do óbvio, dizendo que impeachment é um procedimento previsto na Constituição, que portanto não é golpe, quando, até as pedras sabem, que o impeachment previsto na Constituição depende de existir crimes de responsabilidade, claros e indiscutíveis, cometidos pela autoridade incriminada, e que, não sendo assim, é golpe sim, torpe e indecente, como este que se quer perpetrar contra a presidenta Dilma.
Não. O PMDB de tantas tradições não pode embarcar nessa aventura desestabilizadora de um governo, porque é injusta e porque desestabilizará o país. Ele sabe que a sociedade que lutou pela democracia não vai aceitar que por razões forjadas ela seja golpeada e que quem teve 54 milhões de votos seja afastado da presidência sem razão legítima.
O Brasil precisa de um entendimento para sair dessa crise política, consolidar suas instituições e avançar para um desenvolvimento sustentável vigoroso, com produção, emprego e renda crescentes. Para tanto é que conta com um partido que tem a história do PMDB.
*Haroldo Lima é membro do Comitê Central do PC do Brasil, foi fundador do PMDB da Bahia e vice-líder da bancada federal do partido em 1983.
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