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O que reveste a tentativa de derrubar Dilma?

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Pedro Del Mar*

Há um golpe em curso no Brasil?

Confesso que durante muito tempo resisti à tese de que há um golpe em curso no país. Nos meus textos, mesmo quando criticava os exageros da Operação Lava Jato e do Juiz Sérgio Moro, os absurdos de parcelas da oposição e os desvios de função de parte da imprensa, evitava usar o termo “golpe”. Até então, entendia que se tratava de uma retórica exagerada, que, inclusive, mais prejudicava do que ajudavana credibilidade do discurso em defesa do mandato (não do governo, são coisas distintas) de Dilma.

Malgrado essa descrença, tornou-se impossível passar incólume aos últimos fatos. Desde a injustificável condução coercitiva, passando pelo infundado pedido de prisão preventiva do MP/SP, ambos a Lula, até os fatos de ontem (grampo de uma presidenta da república sem autorização do STF e divulgação irresponsável destes grampos) e hoje (suspensão da posse de Lula como Ministro), me convenci do que não queria.

Não há exagero retórico. Não há outro nome, senão GOLPE, que possa ser utilizado para adjetivar a nefasta sequência de atropelos a garantias constitucionais que estratos do judiciário estão promovendo. Princípios basilares da nossa Carta Magna e de leis infraconstitucionais viraram rabiscos á lápis em uma folha de papel, alteráveis e suprimíveis em qualquer tempo. Tudo isso em nome da bancarrota de uma presidenta que, embora extremamente incompetente neste mandato, não cometeu NENHUM crime de responsabilidade e, por tanto, não merece ser removida do cargo que lhe foi conferido por 54 milhões de brasileiros, a não ser por eleições legítimas e democráticas como as previstas para 2018. Como bem afirmou o professor Wilson Gomes da Universidade Federal da Bahia, que estuda comunicação e democracia, não existe recall de presidente por pura e simples insatisfação popular. Não se tira um presidente do cargo porque fulano e cicrano não gostam dela. As regras eleitorais e do jogo democrático são coisas de extrema seriedade que não podem ficar a mercê de descontentamentos de A ou B. Aliás, cito novamente o professor Wilson, quando ele lembra que a democracia e suas normas existem exatamente para nos proteger da “tirania da maioria”.

Ademais, como bem pontuou o jornalista Bruno Torturra, tudo isso vem ocorrendo com o apoio popular, com aplausos das ruas e varandas, um vexame histórico! Não faltam paralelos na história que exemplifiquem fenômenos semelhantes. Uma rápida pesquisa no Google, o oráculo moderno, e se constatará o número de regimes sombrios que se instalaram com o apoio de parte significativa da população. Cá, como lá, a lição volta a se repetir: nada aprendemos com a história.

O fato é que a cada novo desenrolar deste complexo e confuso processo, que produz factoides em uma velocidade espantosa, fica mais límpida a ideia de que, para muitos, a bandeira contra a corrupção é só uma pauta difusa usada para encobrir os verdadeiros anseios que os motivam a pedir a queda deste governo. Afinal, quem em sã consciência irá se opor ao combate a corrupção? É a máscara perfeita! Atacamos a corrupção deles e a dotamos de características única e exclusiva deles, para, depois, defendermos a nossa corrupção e os nossos privilégios tão ameaçados e vilipendiados nos últimos anos. Essa é a mensagem que fica clara quando vejo figuras como Aécio Neves, Bolsonaro, Eduardo Cunha, José Agripino Maia, Ronaldo Caiado, Antônio Imbassahy, Geddel Vieira Lima e tantos outros com longos processos por corrupção nas costas, indos as ruas contra essa mesma corrupção.

Por fim, não vou repetir o mantra de que quero ver todos os corruptos devidamente punidos, independente de seus partidos. Isso é tão óbvio quanto a superioridade da Alemanha perante o Brasil nas semi-finais da Copa de 2014. Reafirmo, porém, que não me furtarei em denunciar as violações as nossas instituições e ao nosso ordenamento jurídico e que fico feliz por ver tantas pessoas incumbidas desta mesma tarefa. Décadas atrás milhares de pessoas não se calaram e não aceitaram a instauração de um golpe militar. Organizaram-se e lutaram, muitos pagaram com a própria vida. Não será a minha geração que irá jogar no lixo este legado e permitir outra ruptura na democracia brasileira. Resistir, lutar e denunciar são as palavras de ordem.

*Pedro Carvalho (Del Mar) é graduando em Direito e em Ciências Sociais, repórter e colunista e colaborou para Pragmatismo Político

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