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Uma encruzilhada política

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Dilma Rousseff e Lula (reprodução)

Felipe Calabrez*, Pragmatismo Político

Com o agravamento da crise política as fronteiras entre os diferentes campos (jurídico, político) ficaram absolutamente invisíveis, e as ações dos atores, completamente imprevisíveis.

Os elementos para viabilizar o impeachment de Dilma Roussef estão sendo colocados, um a um, no horizonte. A fluidez das fronteiras entre o jurídico e o político deixam cada vez mais claro o caráter político do impeachment, já que, contornado o argumento das “pedaladas fiscais” parece não ter restado outra estratégia senão colocar a presidente no centro da Lava-Jato. É evidente que o fato do vazamento da suposta delação de um ex-líder do governo ter se dado 10 dias antes da manifestação de rua contra a presidente nada tem de coincidência: A orquestração do impeachment de Collor deixou claro que na política as coisas têm um timing e que o termômetro das ruas é fundamental, motivo pelo qual pudemos ontem (03/03/2016) ver a incomum situação na qual um telejornal de horário nobre gastou mais de dez minutos “lendo” uma revista. Se a delação ocorreu de fato, não sabemos. Provavelmente sim. O que parece ter ocorrido foi que seu vazamento se deu antes do combinado, motivo que explicaria o desmentido do delator. Avento aqui apenas uma hipótese, tão comprovada quanto as denúncias vazadas.

O que nos resta é então procurar desvendar o significado político do processo. E este se revela quando notamos os esforços em colocar não apenas a presidente no olho do furacão, mas também, e principalmente, Lula.

As repetidas investidas contra a figura do ex-presidente, com seu nome exposto diariamente nas capas dos jornais a cada pequena revelação, construindo uma longa narrativa na qual se “fatia” cada detalhe para ser vendido no varejo – rendendo matérias de capa como “Lula esteve no tríplex” – certamente não são fruto de um jornalismo desinteressado, que, de forma isenta, “investiga” e publica quaisquer suspeitas de desvios éticos (sejam eles favorecimentos de empreiteiras, desvio de dinheiro de merendas em escolas públicas ou contas na suíça). As repetidas investidas contra Lula só podem ser compreendidas associadas ao fato de que Lula cogita (ou cogitou, ou ao menos não desmentiu) a possibilidade de lançar candidatura novamente em 2018. E é esta que deve ser inviabilizada a todo custo.

A ironia de toda essa estória é que o segundo mandato de Dilma nasceu rendido, fazendo todas as concessões e mais algumas. A escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda teria se dado, de acordo com seus próximos, ainda antes da posse da presidente. Vale recordar que Dilma teve desentendimentos com Levy quando este era secretário do Tesouro, na gestão Palocci, enquanto Dilma ocupava a Casa Civil, no primeiro mandato de Lula. O desentendimento se dera justamente em relação a propostas de ajuste fiscal.

Desde que assumiu, Dilma abriu mão de pastas importantes em nome da governabilidade e tem adotado um programa que em quase nada se difere das propostas recentemente lançadas em documento pelo PMDB, se afastando cada vez mais das posições defendidas por setores da esquerda que a apoiaram. Nesse movimento, quanto mais se afastou de suas bases em direção à agenda liberal, mais forte foi o ataque de setores que apoiam essa mesma agenda. Movimento semelhante ao que ocorreu na França com Mitterrand-Mauroy, quando o governo do socialista, diante de uma grave crise na economia, deu um giro (tardio) à direita e, quanto mais aplicava um programa econômica palatável à direita, maior era a oposição dessa mesma direita nas ruas.

O que parece claro no jogo político atual é que, independentemente do governo ter cedido à agenda contra a qual disputou as últimas eleições, tornando as diferenças entre os dois maiores partidos momentaneamente inexistentes, e independentemente do fato de que 13 anos de governos petistas não lograram modificar de maneira consistente o cerne da política econômica nacional – a institucionalidade fiscal-monetária baseada em juros altos que favorecem o parasitismo financeiro, produzindo enormes lucros aos bancos e enormes custos ao Tesouro – há em jogo uma disputa por projetos, ainda que mal formulados. Mesmo que, por uma leitura mais à esquerda, possamos dizer que o projeto petista falhou ao não confrontar os interesses dos verdadeiros donos do dinheiro, não é assim que esses agentes leem as coisas, o que o prova o fato de que no mesmo dia do vazamento da suposta delação a Bolsa de Valores de São Paulo fechou com alta de 5,12%, demonstrando que, com o alerta do impeachment aceso, os mercados reagem imediata e positivamente.

O governo Dilma não existe mais. Exatamente por isso está em curso no país uma acirrada disputa por projetos. A falta de respostas politicamente viáveis para a crise econômica que assola o país tem feito acirrar não apenas a disputa política como também o debate de política econômica. Economistas históricos dos setores mais à esquerda do PT têm divulgado frequentemente propostas mais ou menos concretas de saídas para crise, enquanto o retorno do pensamento liberal-financista reina nos grandes jornais com suas verdades incontestes de uma “ciência” que que atribui todos os males aos “erros da presidente”. A opção em atender aos interesses destes tem desagradado aos primeiros – e a quase todo seu partido – ao mesmo tempo em que não garante a lealdade dos segundos.

Diante desse quadro, em que importantes dirigentes do Partido dos Trabalhadores se lambuzaram no poder e aceitaram jogar o jogo sujo – a histórica maneira com que os donos do dinheiro e do poder fazem negócios neste país -, e em que vemos o partido que fora a grande esperança da esquerda ao final da ditadura militar esfacelar-se sob ataques de todos os lados, diante de um forte cerco midiático de uma emissora cujos donos possuem muito mais tempo de experiência em fazer negócios sujos, resta saber que liderança política será capaz de
reorganizar as forças políticas progressistas em torno de um projeto viável politicamente, o que passa necessariamente por um processo de desvinculação entre os termos esquerda e roubalheira. Isto no momento parece tão incerto quanto o desfecho da Lava-Jato e das orquestrações em favor do impeachment.

*Felipe Calabrez é mestre em Ciência Política e doutorando em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e colaboraram para o Pragmatismo Político

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