Redação Pragmatismo
Impeachment 19/Abr/2016 às 12:23 COMENTÁRIOS
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Advogada que trabalha com congressistas revela bastidores do impeachment

Publicado em 19 Abr, 2016 às 12h23

Advogada que trabalha com os mesmos parlamentares que chocaram o Brasil com seus pronunciamentos revela como foi a negociação do impeachment nos bastidores e conta o que sentiu

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Congresso Nacional (reprodução)

Ana Lúcia Keunecke*, AzMina

A votação do impeachment, 17 de Abril de 2016, entra para a história do Brasil. A meu ver, não pelo que decidiu apenas, mas ao mostrar que é dever de cada cidadão participar da vida política, é sua responsabilidade também a situação em que o país se encontra.

Foi o dia em que a população brasileira assistiu seus quase 513 deputados federais, muitas vezes indagando quem é fulano ou sicrano. Isso porque, dos deputados que ali estão, nem 10% foram eleitos pelo voto direto da população, chegaram ali porque foram levados à reboque de votos de candidaturas popularescas. Possuem gabinetes, ganham um salário pago pelo povo brasileiro, muitos são investigados por corrupção, e são os responsáveis por decidir as pautas das quais dependem o povo brasileiro.

É o parlamento que não vota a reforma política, porque não quer perder seus privilégios.

É o parlamento que não vota a reforma tributária porque tem interesses vinculados por suas bancadas, pelos financiadores de sua campanha. É o parlamento hoje conduzido por um deputado federal que é réu em processos de corrupção, que é misógino, machista e cujos projetos de lei apresentados colocam em risco o direito das mulheres e das minorias. É o deputado que deseja ter o poder absoluto sobre o corpo das mulheres.

Tem deputado federal dizendo que, pelos filhos que um dia assistirão ao vídeo, votam contra a ideologia de gênero porque “homem é homem e mulher é mulher”. Tem deputado federal dizendo que no MST “não tem mais macho que os homens que ali estão no parlamento”. Tem deputado federal que é à favor da terceirização discursando contra o desemprego que hoje existe no país.

E tem deputada federal dizendo que as milhões de mulheres brasileiras “querem o direito de ser mulher e dona de casa”.

Trabalho com advocacia na causa das mulheres, o que significa que minha tarefa é convencer deputados a votarem e aprovarem leis que combatam todas as formas de violência contra a mulher e promovam a autonomia feminina. Nosso trabalho consiste em influenciar políticas públicas e exercer o controle social. Ando nos corredores do Congresso e lido com esses senhores que quase ninguém conhece. É tão importante assistir aos debates que cercam o processo de impeachment e conhecer nossos parlamentares!

Não tenho vinculação partidária, mas, infelizmente, a causa da autonomia feminina passa a largo de muitos partidos e de um parlamento extremamente conservador.

Tive boas surpresas com parlamentares que tanto são a favor, quanto os que são contra o processo de impedimento da presidente. E anotei nomes aqui com quem vale a conversa, já que a violência contra a mulher não tem partido e alcança todas as camadas sociais.

Contudo, muita apreensão. Em um congresso extremamente conservador que defende “as bases da família” é difícil falar do direito que a mulher tem de equidade, porque, para que isso seja alcançado, os homens vão perder privilégios. Me assustou, também, as muitas parlamentares com uma visão religiosa e restrita do papel da mulher.

Fico pensando no trabalho que teremos de falar em direito de escolha no parto, em autonomia ao próprio corpo, em educação de gênero para diminuir o feminicídio e a agressão contra as mulheres, em ensinar a próxima geração que o machismo mata.

Se o Governo Dilma falhou tremendamente nas pautas femininas se afastando de sua base e barganhando lugares de luta pelos direitos das mulheres em troca de uma suposta governabilidade – e se tivemos (poucas) conquistas foi em razão do trabalho de parlamentares comprometidos com a nossa causa -, por outro lado, para mim, é horrível imaginar que nosso país praticamente entregará a vice-presidência nas mãos de um parlamentar que deseja que o Brasil saia de tratados internacionais de direitos das mulheres ratificados na Organização dos Estados Americanos (OEA), que quer aprovar o estatuto do nascituro que submete a mulher e seu corpo às decisões do estado, que deseja aprovar um Projeto de Lei que obriga uma mulher a comprovar a identidade de seu estuprador e lhe tira o direito de não ter um filho fruto de estupro. Que quer proibir e punir quem ensinar teorias de gênero nas escolas, que quer obrigar ensino religioso, que deseja transformar violência obstétrica numa simples contravenção a ser resolvida em juizados especiais com acordos. Sim, tudo isso são projetos de lei em andamento, propostos por Cunha e Marco Feliciano.

Quanto mais as mulheres terão que sofrer????

Há um problema na economia? Sim, há!

corrupção no governo? Ô! E no congresso também há muito.

E onde estarão os direitos das mulheres em mais de dois anos de Michel Temer e Cunha no poder? Já pensou no quanto as mulheres podem perder e retroceder nesse tempo??? Mulheres ricas, de classe média. Muito mais as mulheres pobres, e as negras. As mulheres violentadas.

Eu, pelo meu trabalho e pela equidade feminina, lamento os tempos que virão, em que estarão em risco os direitos fundamentais. A começar por colocar por terra o voto de 54 milhões de brasileiros. Teremos, nós, do movimento de mulheres, estratégia suficiente para sofrermos o mínimo possível?

Esses dias, a Presidente da Artemis, Raquel Marques, fez um desabafo com o qual concordo: “Fico feliz em saber que para alguns ‘se Dilma cair, tudo bem, não muda nada’. Infelizmente, muda para as mulheres, para os pretos, para os que dependem de políticas sociais, para a população LGBT, para quem depende do SUS, para quem tem seus direitos garantidos pela CLT, para os povos indígenas, para a agricultura familiar e para muitos outros grupos. As coisas não estão bem, não estão mesmo, estamos muito frustrados com muita coisa, mas se o impeachment rolar vai ficar ainda pior para quem, historicamente, não tem seus direitos garantidos.”

Acompanhado os debates, o que eu vi foi que poucos parlamentares – pró e contra impeachment – debateram a questão e a defesa de sua posição com base na Constituição Federal, com respeito à decisão do STF. O que mais saltou aos olhos foram representantes que gritam, teatralizam, colocam no poder federal atribuições que não são de sua alçada, e uma dúvida me pega: é má fé ou ignorância mesmo?

Sendo uma ou outra opção, o fato é que esses parlamentares são os representantes do Brasil. Como a população vai se responsabilizar pela parte que lhe cabe? E não digo em manifestação seja de qual lado for: eu falo de controle social. De participação dos fóruns de discussão municipal, estadual e federal. De comitês de mortalidade materna. De fiscalização do uso da verba do SUS. Dos conselhos participativos. Da discordância do governo com proposta.

Quem exerce o controle social são os mesmos cidadãos que votaram nos parlamentares que vararam a noite nos últimos 3 dias para discutir o impeachment, mas que normalmente não estão no Congresso nem as segundas e nem nas sextas-feiras para votar reforma política e tributária. Cadê os cidadãos fiscalizando a aplicação e aprovação dos orçamentos? Ou a emissão de emendas parlamentares sempre aos mesmos grupos de poder, seja de direita ou de esquerda? Está em nossas mãos influenciar políticas públicas, exercer o controle social.

E trabalhar para que os tempos não sejam tão sombrios ou não durem tanto quanto da última vez em que perdemos a democracia.

E eu sinto muito por isso.

*Ana Lúcia Keunecke é advogada, formada e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie, especialista em Contratos de Infraestrutura pela FGV. Associada fundadora e Diretora Jurídica da Associação Artemis, ativista dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

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