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Diferenças e semelhanças entre a Lava Jato e a Mãos Limpas

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A Operação Mãos Limpas (em italiano, Mani Pulite) tem diferenças e semelhanças com a Lava Jato brasileira, embora ambas tenham sido criadas com o intuito de desestabilizar a política dos dois países - Itália e Brasil - criando um novo arranjo político-institucional

Antonio di Pietro, juiz da Operação Mãos Limpas e Sérgio Moro, juiz da Operação Lava Jato (Imagem: Pragmatismo Político)

Edú Pessoa, Jornal GGN

A Operação Mãos Limpas (em italiano, Mani Pulite) tem diferenças e semelhanças com a Lava Jato brasileira, embora ambas tenham sido criadas com o intuito de desestabilizar a política dos dois países – Itália e Brasil – criando um novo arranjo político-institucional.

Di Pietro e Moro

Di Pietro e Moro são os concurseiros com a cara do golpismo moderno. Di Pietro estudou Direito na Universidade dos Estudos de Milão e em 1981 se tornou juiz da comarca de Bergamo (região norte da Itália), após aprovação em concurso público.

Quatorze anos depois, Moro, hoje o titular da Lava Jato, também se forma em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, fundada por seu pai, Dalton Moro, e se torna juiz federal da 4ª região (Paraná) em 1996, após aprovação em concurso público de 4 fases.

Origem da Mãos Limpas

A Mãos Limpas começou na cidade de Milão, nos anos 90, com 4 juízes e 2 procuradores atuando na operação. O juiz titular da Operação era Antonio Di Pietro. Coincidência (ou não) o juiz titular da Operação Lava Jato também tem um sobrenome de origem italiana: Sergio Moro.

Mãos Limpas seria um prosseguimento da investigação contra o Banco Ambrosiano, instituição financeira privada criada por padres italianos, acusada de realizar operações ilegais da Loja Maçônica P2, do Banco do Vaticano e da máfia. As operações ilegais do banco podem estar por trás da estranha morte do Papa João Paulo I (que queria aprofundar as investigações nas finanças do Banco do Vaticano).

O banco também foi usado pelos norte-americanos contra o Contras da Nicarágua e o Sindicato Solidariedade da Polônia, como forma de patrocinar conflitos e golpes nesses países (em virtude da ascensão dos governos de esquerda e a “guerra” contra o comunismo).

Semelhança do Ambrosio com o Banestado

Muito parecido com o Ambrosio é o caso do Banestado, banco público paranaense (depois privatizado no governo FHC), usado para lavar dinheiro e levar recursos para paraísos fiscais. Moro também foi o juiz responsável pela operação judicial que investigava a ida ilegal de dinheiro para o exterior, através das contas CC5. Os recursos ilegais foram fruto das privatizações e acordos espúrios, ocorridas durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique.

A caça a nomes nacionalistas

Enquanto hoje, Moro caça Odebrecht, Pessoa e outros nomes da engenharia nacional, Di Pietro, no seu tempo, prendeu o engenheiro e membro do Partido Socialista Italiano (PSI), Mario Chiesa. Chiesa, preso e torturado por Di Pietro, revelou um suposto esquema de uso de contas na suiça para desvio de recursos públicos.

É ou não é a cara da história do Triplex do Lula e do suposto uso de “offshores” pelo ex-presidente?

Falando em Triplex, a operação italiana também representou uma verdadeira caçada a líderes de esquerda em todo o país, incluindo Bettino Craxi, líder do PSI. O PSI ganhou eleições importantes, como as de Roma e vinha crescendo na preferência do eleitorado.

É possível traçar (guardadas as proporções entre os sistemas políticos-eleitorais italiano e brasileiro) um paralelo com a ascensão do PT após 2003, cujas vitórias sucessivas culminaram em um conjunto de ações midiáticas e judiciais para tirá-lo do poder.

A caçada da Mãos Limpas contra Craxi (que morreu durante as investigações) é a mesma que fazem hoje contra Lula, perseguido politicamente por Moro et caterva de forma implacável.

Di Pietro, Moro e a opinião pública

O apoio da imprensa foi fundamental para que a população italiana apoiasse as ações guiadas de Di Pietro. Prova disso foram as pesquisas de sondagem, feitas durante a operação, que mostravam o juiz com mais de 80% de aprovação, o que pavimentou seu caminho para a política. Recebeu tratamento da mídia italiana e da opinião pública de “herói”, com direito a cartazes, faixas penduradas nas sacadas dos prédios e até “brindes”.

Mais uma vez podemos traçar um paralelo com Moro, alçado pela opinião pública nacional e internacional, com apoio da velha mídia brasileira (e da mídia norte-americana), à condição de herói. Uma publicação norte-americana retrata Moro com a roupa dos “caça fantasmas”, sugerindo seu “combate à corrupção“. PHA mostrou que a revista tem FHC no conselho editorial, mas a mídia tupiniquim escondeu esse (importante) detalhe.

No Brasil, Moro é admirado pela velha mídia e pelos coxinhas. Da Globo, recebeu o prêmio “Faz a Diferença”, prêmio também recebido por Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, pelos serviços prestados à Casa Grande. Dos coxinhas, recebe flores, tira fotos e posa de “popstar” nos poucos lugares em que apareceu publicamente. E não só: usa palestras, mobilizando a classe média para legitimar o golpe institucional via Judiciário.

As estatais de petróleo

Muito se fala do rearranjo político, promovido pela Mãos Limpas (Di Pietro largou a magistratura para se dedicar a política e fundar um partido), mas pouco se fala das consequências dessa operação para a estatal de petróleo daquele país: a AGIP. Criada em 1953 (mesmo ano da Petrobrás), a AGIP (sigla para Azienda Generale Italiana Petroli ou Empresa Pública Italiana de Petróleo) era uma estatal do ramo do petróleo, com capital 100% público e controlada pelo governo italiano.

O envolvimento da estatal na operação, supostamente usada para desviar recursos para financiamento ilícito de partidos políticos, acabou gerando como consequência política sua privatização, em 1995, adquirida pelo grupo ENI, da qual manteve apenas o antigo logotipo (o cão com 6 patas que cospe fogo sob o fundo amarelo e letras na cor preta).

A Petrobrás, do mesmo ano da AGIP, também foi alvo de ações semelhantes na Lava Jato, ao ter sido colocado no olho do furacão, acusada de ser usada para financiar campanhas eleitorais de Dilma Rousseff, através da irrigação em contas dos empreiteiros nacionais.

As acusações envolvendo a estatal brasileira vão além de um mero combate à corrupção, mas servem de base para ações contra o PT no TSE, promovidas pelo PSDB, e álibi para justificar sua privatização. É comum ouvir da boca de parlamentaristas oposicionistas de que a Petrobrás está sob “má gestão”, “corrupção“, “rapina”, etc.

Qualquer semelhança com a AGIP não é mera coincidência…

Os EUA e os partidos de esquerda

A guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética (atual Rússia) nos anos 50-80, foi o pano de fundo para uma caça a partidos e líderes identificados com as ideias de esquerda.

A Mãos Limpas isentou o Partido Comunista Italiano (PCI). O partido capitalizou politicamente com a Mãos Limpas e vários de seus líderes aproveitaram a investigação para blindar do sentimento anticomunista, garantido assim apoio popular com a veiculação de discursos e trechos de seus líderes, a favor da investigação (um pouco como o que o PSDB faz hoje com a Lava Jato).

Prova disso é que o PCI, anos 70, foi considerado o maior partido de esquerda da Europa. Dentro da Itália, fez contraponto à Democracia Cristã, principal força política do país até então.

Com uma visão próxima da social-democracia (hoje praticada pelo PT), Enrico Berlinguer, então presidente do partido, propôs um “compromisso histórico” dos comunistas com os cristãos, a fim de unir o país. Mas o acordo acabou não se concretizando, por causa da morte do líder cristão e ex-primeiro ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas.

E onde os EUA entram nisso? Ora, a morte de Aldo pelos Brigadas Vermelhas foi patrocinada pelos EUA, através de grupos clandestinos situados na OTAN, chamados “Stay Behind”. Na Itália o nome do grupo era Gladio, supervisionado pela CIA. A morte de Aldo foi exatamente impedir a ascensão e a vitória dos comunistas no poder.

No Brasil, a coisa anda de um jeito diferente: a Lava Jato não é capitalizada pelo partido de esquerda no governo, o PT, mas sim pela oposição, capitaneada pelo PSDB e que sofre com a falta de propostas, militância política e votos e identificação dos eleitores (principalmente os mais humildes) com suas plataformas privatizantes.

Contudo, o objetivo da Lava Jato é o mesmo da morte de Aldo: enfraquecer o PT no poder e minar qualquer possibilidade de união entre as forças antagônicas nacionais, fortalecimento da soberania nacional e crescimento do nosso processo econômico.

As pegadas norte-americanas apareceram através de investigação de blogueiros, mostrando a relação entre empresas donas do Triplex em Parati com a Monsak Fonsesa, offshore que financia golpes e atentados terroristas no mundo todo, sob coordenação do governo norte-americano.

O resultado político da Mãos Limpas e as lições da Lava Jato

Não sabemos ainda as consequências da Lava Jato para o futuro do país, mas alguns indícios mostram que ela produziu efeitos catastróficos na economia: queda do PIB, redução dos contratos de grandes obras, desemprego nas áreas de engenharia pesada, entre outros. Na Operação Mãos Limpas, uma das principais consequências foi a pavimentação da carreira política de Di Pietro.

Em 1997, abandonou de vez a magistratura e assume a carreira política. Primeiro pelo centro, mas recebeu convites da direita (como do empresário e político Silvio Berlusconi). Três anos depois, DI Pietro funda o “Itália de Valores”, classificado como um partido autônomo, com orientação “nem de esquerda, nem de direita“.

Estranho, mas a Rede me lembra muito esse Itália de Valores?

Não sabemos ainda se Moro irá galgar carreira política após a Lava Jato. O fato concreto é que além da privatização da estatal de petróleo, a Mãos Limpas acabou rachando politicamente o país. Hoje, os italianos amargam PIBs negativos, como resultado da vinculação à política neoliberal norte-americana, muito fruto desse racha e do enfraquecimento de suas estatais, por força da operação judicial.

A lição para a Lava Jato é a seguinte: sair do ciclo vicioso requer diálogo e consenso para superar a crise política e econômica. Com a prisão de Lula hoje, será que o Moro ajudou a “rachar” o país, como a morte do outro Moro, o ex-premier italiano?

A conferir…

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