Publicação dos EUA afirma que, muito provavelmente, as investigações sobre corrupção no Brasil deixarão de existir e serão arquivadas caso Michel Temer e Eduardo Cunha assumam o poder. “Ambos são acusados de receber milhões de dólares em propinas de lobistas e empreiteiras que prestam serviços a Petrobras. Será que é interesse deles manter as instituições farejando seus rastros? Caso encerrado”
Por Kenneth Rapoza, originalmente publicado em Forbes.com Tradução: Luiz de Queiroz, Jornal GGN
É um palpite. Os casos abertos pelas cortes federais contra dezenas de políticos brasileiros nos numerosos escândalos da Petrobras vão ser fechados ou ficarão sem solução uma vez que a presidente Dilma Rousseff seja impedida.
O maior embuste na história das contas públicas brasileiras terá sido miraculosamente solucionado. Políticos serão absolvidos de seus crimes. Ou seu envolvimento permanecerá um mistério, algo para historiadores e teóricos da conspiração debaterem em uma mesa de bar.
Enquanto isso, a mídia vai parar de gaguejar e pigarrear sobre corrupção. Alguns editores e repórteres não saberão mais sobre o que tuitar. A Dilma se foi. Chega de corrupção. A Petrobras e todos os políticos associados a ela estão livres.
Primeiro, um aviso sobre um viés pessoal. Eu sou acionista da Petrobras desde 2009. O valor das minhas ações caiu 83%, em grande parte devido ao completo derretimento da confiança dos investidores causado pelo escândalo da Lava Jato, estrelado pela Petrobras e amigos.
O escândalo envolve mais de um terço do Congresso brasileiro. Minha preocupação é que uma vez que a presidente Dilma seja impedida a investigação acabe. Isso levantaria dúvidas sobre a verdadeira força do judiciário brasileiro. Para mim e outros com quem conversei sobre o assunto também levantaria dúvidas sobre o quanto se pode confiar na Petrobras. Por que os novos gerentes da Petrobras não iriam querer ver a justiça sendo feita contra os políticos que ajudaram a destruir sua reputação?
Até agora, o sistema judicial brasileiro e sua polícia federal conseguiram desempenhar um papel digno de Oscar. Melhor combatente do crime do ano? O juiz federal Sergio Moro. Eu não duvido que Moro vai continuar a investigar executivos de companhias que lavaram dinheiro e pagaram propinas para políticos. Alguns, como o bilionário Marcelo Odebrecht, CEO do conglomerado global que leva seu nome, ainda irão para a cadeia. O que eu acho que nós não vamos ver são políticos responsabilizados por permitir que tudo isso acontecesse pra começo de conversa.
Espero que eu esteja errado. Eu posso estar.
Eu falo com muitos investidores com dinheiro aplicado no Brasil. Alguns, como Jan Dehn, do Grupo Ashmore, em Londres, dizem que as instituições brasileiras são fortes. As pessoas acreditam nisso. Mas se a investigação da Lava Jato contra políticos esfriar de repente, todos concordam que a legitimidade do impeachment da presidente e a independência das altas cortes federais estarão em dúvida.
“Se as investigações da Lava Jato acabarem quando a Dilma for embora, o longo prazo não trará nada de positivo para nós”, disse Bert Van Der Walt, um gerente de fundos de investimento da Mirae Asset Global Investiments, de Nova Iorque. “Nós achamos que com todos esses caras sendo presos teremos uma base mais saudável daqui para frente. Coisas assim acontecem na Rússia, mas nós nunca vimos políticos nomeados para empresas estatais encarando acusações por lá. Nos dá muito conforto a atuação do sistema judiciário brasileiro porque nós estamos vendo resultados. Se nós começarmos a ver o contrário acontecendo, como as investigações de políticos desaparecendo de repente, isso vai ser muito negativo”.
Por enquanto, as investigações não estão desaparecendo.
Na semana passada, a polícia federal descobriu que uma área inteira foi criada na Odebrecht apenas para monitorar quanto dinheiro eles estavam dando para políticos. Em uma primeira olhada, não ficou claro se o dinheiro era de doações de campanha ou pagamentos – dinheiro sujo – por olhar para o outro lado enquanto eles pilhava a Petrobras ao superfaturar a construção de refinarias de petróleo.
O que chama atenção, além dos codinomes engraçados dados aos políticos listados, é a ausência de Dilma. Ela não está lá, mas seu vice-presidente Michel Temer está. Assim como o presidente da Câmara Eduardo Cunha e o presidente do Senado Renan Calheiros. Os três são partes das investigações. Os três são membros do PMDB, o maior partido político do Brasil. Quando Dilma for impedida no final do ano, Temer vai comandar o show.
As negociações já começaram.
De acordo com a colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, Cunha vai evitar o embaraço de ser cassado do seu título pelos tribunais superiores renunciando do cargo assim que Dilma cair. Que legal da parte dele.
Por que o cínico em mim acredita que Dilma está sendo chutada do gabinete em uma vingança do PMDB? Ela deu a eles cargos e ministérios, mas isso não foi o bastante. Talvez eles quisessem que ela obstruísse a justiça.
Obstruir a justiça certamente já esteve na lista de coisas que a presidente está disposta a fazer. Ela trouxe o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva para chefiar seu Ministério da Casa Civil para blindá-lo contra o juiz Moro. Como ministro, Lula teria imunidade política.
É meio que uma algazarra. Políticos acusados de cometer crimes não podem ser julgados por tribunais criminais enquanto tiverem cargos no governo. Lula foi banido do posto por cinco juízes, então, ele não está livre ainda. Seu legado está em farrapos.
Com o PMDB no controle, a raposa está guardando o galinheiro. Se serve de consolo, raposas nem sempre comem galinhas, mas… já dá pra ter uma noção do cenário.
Quando foi descoberto que Cunha tinha US$ 5 milhões escondidos em uma conta bancária na Suíça, algo que ele negou no Congresso poucos meses antes, ele rapidamente começou a falar sobre o impeachment da presidente.
O timing foi curioso. Aproximadamente 300 membros dos 513 da Câmara dos Deputados deram a ele razões para o impeachment. Duas razões colaram. Uma que ela pode ter mergulhado nos cofres da Petrobras para pagar pela campanha de reeleição. Isso é ilegal. A outra que ela teria maquiado os livros das contas fiscais, quebrando a leis brasileiras de responsabilidade fiscal.
O tribunal de contas conhecido como TCU disse que Dilma de fato transgrediu as leis de responsabilidade fiscal e entregou o assunto para julgamento no Congresso. No que diz respeito ao dinheiro da Petrobras, a Suprema Corte está investigando, mas nenhuma decisão deve sair antes do quarte trimestre do ano.
As coisas não parecem boas para Dilma que até agora não interferiu na prisão dos oligarcas que roubaram a Petrobras nem salvou membros importantes do Partido dos Trabalhadores, como o senador Delcidio Amaral. Na terça-feira o próprio vice-presidente se voltou contra ela pela segunda vez.
No ano passado, Temer disse em um encontro na Universidade Columbia, em Nova Iorque, que o PMDB lançaria um candidato à presidência contra o Partido dos Trabalhadores em 2018. Depois, ele saiu em defesa de Dilma.
Agora ele está contra ela novamente. Apesar de ser impossível comparar a política brasileira à nossa, é seguro dizer que o abandono de Temer a Dilma equivale a um cenário em que o vice-presidente Joe Biden concorresse com Barack Obama no segundo mandato porque não gostou do Obamacare.
Todo o PMDB agora está unido pelo despejo de Dilma. Os membros do partido concordaram hoje em votar a favor do impeachment. Eles estão atualmente realizando todas as manobras políticas necessárias para formar uma coalizão com o partido rival do PT, o PSDB. Para eles, Dilma já saiu.
O único problema é que ela ainda está lá.
Quando ela tiver saído de fato, como todos do mercado gostam de dizer, o Brasil pode “seguir em frente com a recuperação”. O PMDB e outras figuras políticas pegas no arrastão poderão seguir em frente com suas vidas.
Se seguir em frente com suas vidas significa recuperar suas vidas antigas, então, isso requer impunidade mesmo nas supremas cortes nas investigações da Lava Jato contra eles. Isso faz com que as razões do PMDB para o impeachment pareçam falsas para mim. E também é ruim para o Brasil, que vinha se movimentando em uma direção positiva nos casos de corrupção de políticos eleitos. Se o novo governo proteger os corruptos interferindo nas instituições, o passo para frente que o Brasil pensa que deu chutando Dilma para a sarjeta vai acabar sendo um passo para trás.
A verdade é, quer as pessoas amem Dilma ou a odeiem, todas concordam que a corrupção deve ser tratada seriamente no Brasil. As pessoas já estão dizendo “basta”. Mas o que vai ser interessante ver é se o interesse geral de combater a corrupção vai diminuir quando Dilma estiver longe.
Eu vou me arriscar e dizer que há uma chance de que vai diminuir. Pelo menos no aspecto político. Moro vai continuar a ser Moro, um cara sério (eu acho) que quer limpar a casa.
Os três maiores membros do novo governo, no entanto…
As maiores estrelas do PMDB enfrentam sérias acusações de recebimento de propina. Será que é interesse deles manter as instituições farejando seus rastros? É uma pergunta que merece ser feita.
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