O preconceito de classe no Brasil precisa atualizar o conceito 'Casa Grande e Senzala'. Esse novo fenômeno ainda é pouco abordado pelos cientistas sociais e precisa ser desmascarado. O pobre da periferia acredita em subdivisões. Provavelmente, como os 'grand petistas' acreditavam que seriam aceitos nos clubes fechados da elite brasileira
Willian Novaes*
A periferia de São Paulo anda cada vez mais conservadora. A nova geração incorporou de vez o elitismo dos “quatrocentões paulistanos” do outro lado da ponte. Ignorância, racismo, preconceito contra favelados, nordestinos e outros predicados.
A maioria deve acreditar que toda periferia é um amontoado de favelas. Onde pobres e pretos vivem e são constantemente mortos pela Polícia Militar. Por outro lado, todos são eleitores do PT e que vivem em harmonia com os seus vizinhos. Sem preconceito. Mas não, dentro dos bairros periféricos ou favelas existem subdivisões de classes. Isso, claro, na cabeça dos seus moradores.
Muitos se orgulham de morar no Jardim tal ou na rua X. Mesmo que na rua ao lado tenha uma das maiores favelas precárias da cidade ou uma boca de fumo na sua esquina. O mesmo ocorre dentro da comunidade. Residir na rua principal do comércio pode se transformar numa barreira social na cabeça e na vida dos seus próprios moradores.
Esse é um fato observado em pesquisas diárias. Por poder conviver com pessoas que moram em diversos bairros periféricos da cidade e com outras nos bairros mais elitistas do mesmo município. Observo o intenso debate político que tomou conta do país. As “verdades” apareceram e os xingamentos na mesma proporção..
O maior e mais reacionário preconceito, principalmente contra Lula e o governo petistas, vem dos “ricos” da periferia. Por incrível que pareça, eles que acompanharam de perto a ascensão social das classes mais pobres, ou seja, os seus vizinhos de rua ou viela.
Essa turma, na maioria das vezes, é herdeira de um ex-assalariado e – provavelmente – um atual aposentado, que infelizmente viu a sua renda familiar desabar. Pessoas que não souberam aproveitar o boom de desenvolvimento que o país teve nos últimos 15 anos. E que não foram beneficiadas com os programas governamentais, pois não se aceitavam como pobres e não eram ricos para surfar no mercado financeiro ou na construção de alguma empresa.
A redução do rendimento familiar ocorreu porque o mercado de trabalho não precisava de pessoas bem intencionadas, mas sem qualificação, como aconteceu com os seus pais e avós. Por outro lado, os seus vizinhos que eram miseráveis aumentaram o seu poder aquisitivo, já que o patamar era bem mais baixo, e hoje formam a nova classe média baixa.
Com a queda no rendimento as grandes casas nas vilas ricas dos fundões da cidade ficaram sem as tradicionais reformas anuais (não sobrou $$$ para a tinta, nem para o novo portão e muito menos para o carro zero). Por outro lado, os favelados, agora, também têm bons sobrados e um carro zero (popular) na garagem. “Claro eles não pagam impostos e ainda recebem dinheiro do governo“, visões claramente preconceituosas e deturpadas. Houve uma nova distribuição de renda no país. E uma grande parcela da sociedade se esforça para não entender esse fenômeno econômico social, atitude motivada por diversos fatores.
Os “quatrocentões das periferias” ainda moram nas comunidades por um único motivo: seus pais ou avós foram migrantes nordestinos ou imigrantes refugiados de alguma guerra. Ambos chegaram a São Paulo miseráveis, fizeram algum dinheiro trabalhando, uma parte ficou rica e foi embora da “quebrada”, mas quem ficou não teve sucesso empresarial no mesmo calibre, mas conseguiu dar um conforto bem maior para os seus filhos e netos, os atuais disseminadores do ódio.
O preconceito de classe no Brasil precisa atualizar o conceito Casa Grande e Senzala. Esse novo fenômeno ainda é pouco abordado pelos cientistas sociais e precisa ser desmascarado. O pobre da periferia acredita em subdivisões. Provavelmente, como os grandes petistas acreditavam que seriam aceitos nos clubes fechados da elite brasileira.
As atuais manifestações mostram com clareza esse novo modelo de divisão do país. Para essas pessoas com visão elitista – que por incrível que pareça são completamente ignoradas pela real elite – o pobre merece ser mais pobre. Eles se consideram “coxinhas” e acreditam que quem é a favor do governo Dilma é ignorante e um mero comedor de mortadela. Esse é um fato que só pode existir no país da Jabuticaba e da palavra Saudade.
Mostrei para um amigo rico e colecionador de artes algumas mensagens de um grupo da zona norte, extrema periferia da capital paulista, que não se reconhecem como moradores da mesma, mas sim do Jardim X. A reação dele foi surpreendente e, após alguns segundos de leitura, com um sorriso no rosto ele disse “essa é a revolução dos desinformados, essa turma jamais vai frequentar a Casa Grande“.
Enfim, o analfabetismo político, claramente, é um dos motivos, mas os pesquisadores precisam nos trazer outros fatores porque é muita esquizofrenia social para um povo só.
*Willian Novaes é jornalista e editor da Geração Editorial
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