Na CNN, jornalistas falam sobre a crise política no Brasil e o impeachment de Dilma Rousseff. A mídia estrangeira vem realizando uma ampla cobertura do caso e os correspondentes internacionais não escondem seu assombro. “É a coisa mais surreal que eu vi em meu tempo como jornalista em qualquer outro lugar, cobrindo política em vários países”
O jornalista Glenn Greenwald falou à CNN sobre a crise política brasileira e a tentativa (até agora bem sucedida) de políticos corruptos derrubarem uma presidente honesta e democraticamente eleita. A mídia estrangeira vem realizando uma ampla cobertura do caso e os correspondentes internacionais não escondem seu assombro. “É a coisa mais surreal que eu vi em meu tempo como jornalista em qualquer outro lugar, cobrindo política em vários países”, disse Greenwald.
“A pessoa presidindo o processo de impeachment na Câmara, Eduardo Cunha, é alguém que, já se sabe, ocultou milhões de dólares em propinas. Não há nenhuma possibilidade que não envolva corrupção. Ele não tinha uma fortuna, nenhum negócio legítimo. Milhões de dólares escondidos em contas bancárias na Suíça. Ele é alguém que está presidindo a Câmara. E eles todos estão vindo à frente, um por um, todos acusados de corrupção e dizendo ‘nós devemos tirar a presidente por corrupção’. E surpreendentemente, a própria Dilma é uma das poucas pessoas que não são acusadas de receber propina”, relatou.
“Há essa grande investigação, chamada Lava Jato, na qual esses jovens promotores estão colocando as pessoas na prisão. A preocupação é que a intenção de derrubar Dilma seja dizer para o país: ‘Vejam, nós nos livramos do problema de corrupção’. E eles esperam que a pressão pública vá desaparecer depois dessa catarse do impeachment, e que as investigações vão acabar e todos os políticos verdadeiramente corruptos vão estar seguros”.
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Abaixo, o vídeo da conversa entre os dois jornalistas e uma transcrição traduzida pela equipe do Jornal GGN:
Christiane Amanpour – É a maior economia da América do Sul, é o país mais poderoso do continente. Era de se pensar que estava livre de uma história de violentos golpes militares. Mas agora a presidente eleita democraticamente do Brasil, Dilma Rousseff, diz que é vítima de um golpe político, depois que o Congresso, no domingo à noite, votou por ampla maioria a decisão de enviar um processo de impeachment contra ela para o Senado.
Os apoiadores de Dilma reagiram à votação com choque e tristeza, enquanto seus inimigos, os manifestantes antigoverno celebraram.
Mas o que ela fez? Presidiu a pior recessão em quase um século? Alegadamente usou contabilidade criativa para esconder o buraco no orçamento? Tentou esconder seu antecessor, talvez para protegê-lo de uma investigação criminal. Mas tudo isso essas são ofensas que justificam o impeachment?
Ela mesma não foi marcada, nem mesmo acusada de corrupção. E ela se recusa a renunciar.
Dilma Roussef – Aqueles que pedem minha renúncia mostram a fragilidade na sua convicção sobre o processo de impeachment, porque, sobretudo, tentam ocultar justamente esse golpe contra a democracia, e eu não compactuarei com isso. Por isso, não renuncio em hipótese alguma.
Christiane Amanpour – Então, o que está no centro desse drama político, que está causando raiva e frustração nas redes e nas ruas? O repórter investigativo ganhador do Pulitzer Glenn Greenwald mora no Brasil e está cobrindo essa crise constitucional de perto. Ele se junta a mim do Rio de Janeiro.
Bem vindo de volta ao programa, Glenn.
Glenn Greenwald – É ótimo estar com você.
Christiane Amanpour – Então, você está surpreso? Alguém realmente pensava que no último momento ela iria conseguir os votos que precisava para ficar acima desse processo de impeachment?
Glenn Greenwald – Eu não acho que o desfecho foi particularmente surpreendente. Eu acho que a margem foi razoavelmente surpreendente, apesar de que na política brasileira, como em muitos outros países, é uma questão de timing e poder. E uma vez que havia a percepção de que a votação estava definida, muitos dos indecisos no último momento mudaram para o lado pró-impeachment para estar no time vencedor. Eu acho que o que surpreendeu as pessoas foi a forma dos procedimentos na Casa. Foi muito duro, muito feio. Havia defensores do impeachment exaltando o golpe de 1964 e a ditadura militar de direita que se seguiu. Um congressista proeminente da direita, que esperam concorra à presidência, homenageou o torturador chefe do regime militar que, é claro, torturou Dilma Rousseff, a presidente, e, então, votou para impedi-la. Foi um espetáculo muito polarizado e muito feio desses procedimentos, que reflete esse sentimento mais amplo no Brasil que realmente divide o país de uma forma muito perigosa e instável.
Christiane Amanpour – Mesmo o vice-presidente, que pode ter que assumir, é acusado de todo tipo de mau comportamento e transgressão. Eu quero ler isso para você, porque é extraordinário. “Dos 594 membros do Congresso [513 deputados e 81 senadores], 352 enfrentam acusações por crimes”, de acordo com várias fontes. E, então, é claro, há todo tipo de pessoas, incluindo Eduardo Cunha, que está liderando o processo de impeachment e é acusado de corrupção; tem outro, Maluf, que está na lista da Interpol por conspiração; outro acusado de lavagem de dinheiro; outro, como você mencionou, que está implicado em todo tipo de tortura; e outros envolvidos em violações dos direitos humanos. Dilma chamou isso de golpe. O que está acontecendo?!
Glenn Greenwald – É a coisa mais extraordinária, Christiane, porque não apenas… Essencialmente toda a classe política brasileira que está tentando impedi-la está comprometida com sérias acusações de corrupção. É a coisa mais surreal que eu vi em meu tempo como jornalista em qualquer outro lugar, cobrindo política em vários países do mundo. Ontem, a pessoa presidindo o processo de impeachment na Câmara, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ele é alguém que já se sabe que ocultou milhões de dólares em propinas. Não há nenhuma possibilidade que não envolva corrupção. Ele não tinha nenhuma fortuna, nenhum negócio legítimo. Milhões de dólares escondidos em contas bancárias na Suíça. Ele é alguém que está presidindo a Câmara. E eles todos estão vindo à frente, um por um, todos acusados de corrupção e dizendo “nós devemos tirar a presidente por corrupção”. E surpreendentemente, a própria Dilma é uma das poucas pessoas que não são acusadas de receber propina, nem de corrupção pessoal, ou qualquer comissão ilícita, para enriquecer. O que está acontecendo é muito simples. O partido dela, o Partido dos Trabalhadores (PT), ganhou quatro eleições nacionais seguidas, desde quando Lula, que era muito popular, foi eleito pela primeira vez em 2002 e reeleito em 2006. Os plutocratas do Brasil, os ricos do Brasil, sempre odiaram o PT e não estão conseguindo derrota-los nas urnas. Então, essa é sua grande chance, com a economia diminuindo, a crise se espalhando, com as pessoas realmente chateadas com o governo e com a classe política, essa é a grande chance de finalmente se livrar do PT. Eles não conseguem ganhar numa eleição e por isso estão usando meios antidemocráticos para fazer isso.
Christiane Amanpour – Você acha… Porque mesmo seus apoiadores – certamente os que estão no exterior – acreditam que quando ela tentou colocar o Lula, seu antecessor, no Ministério da Casa Civil, que esse foi um passo longe demais, que ela estava tentando protege-lo de qualquer investigação criminal, o que obviamente a ajudava de alguma maneira. Alguns dizem que ela deve renunciar. Mesmo que ela não esteja passível de um impeachment, que essas acusações não sejam suficientes para um impeachment, você acha que ela deve renunciar? Ela vai ser forçada a renunciar?
Glenn Greenwald – Eu não acho que ela vai ser forçada a renunciar. Ela deixou muito claro que não vai. Essa é uma mulher que foi presa como uma subversiva durante uma ditadura, ela foi torturada, ela é muito forte e espirituosa. Ela passou por muita coisa em sua vida. E vamos lembrar que a eleição no Brasil foi há apenas 18 meses. Foi no final de 2014. Ela ganhou aquela eleição com 54 milhões de votos. É verdade que ela é impopular, ela cometeu muitos erros. Aquele esforço para trazer Lula para o governo foi uma tentativa de sobrevivência, uma tática de sobrevivência de última hora para trazer alguém com muito carisma e muita habilidade política, que ela não tem. Lula entrar no governo para tentar salvá-la não foi bem visto. Mas ao mesmo tempo, você não pode – se você quer ter uma democracia madura e estável – remover um líder eleito democraticamente, que acabou de ganhar uma grande eleição 18 meses mais cedo, porque ele é impopular, ou porque ele não está gerenciando bem a economia. Essa é uma receita para coisas muito perigosas quando você começa a mexer com as mecânicas da democracia, especialmente em um país como o Brasil, que tem uma democracia muito frágil e muito jovem. Eles saíram de uma ditadura apenas em 1985 e é muito perturbador vê-los brincando com a democracia dessa maneira.
Christiane Amanpour – Nós falamos sobre como todo o sistema é cheio de escândalos políticos e corrupção. E você também admitiu que o partido é profundamente corrupto e envolvido em todo tipo de infração criminal, mesmo que a Dilma não seja. Então, eu me pergunto: qual é a saída? Especificamente à luz do que esse professor da Universidade de São Paulo disse ao New York Times sobre o que está acontecendo agora. “Estão colocando uma bala de grosso calibre na democracia brasileira”, ele disse. “De agora em diante, em qualquer momento que nós tivermos um presidente impopular, vai haver pressão para começar um processo de impeachment”.
Glenn Greenwald – Certo. É interessante porque eu entrevistei o ex-presidente Lula na semana passada em São Paulo. E ele admitiu algumas coisas para mim naquela entrevista. Primeiro, é verdade que o seu partido, o PT, que também é o partido de Dilma, tem um problema muito sério de corrupção, assim como a maioria dos outros partidos. E segundo, há essa grande investigação, chamada Lava Jato, na qual esses jovens promotores muito aguerridos têm uma independência institucional e estão colocando as pessoas na prisão. As pessoas mais ricas do Brasil, as mais poderosas politicamente. A solução é deixar essa investigação se desdobrar e as pessoas que são culpadas serem presas. A preocupação é que a intenção de derrubar Dilma seja dizer para o país: “Vejam, nós nos livramos do problema de corrupção”. A pressão da mídia, a pressão pública, eles esperam que vá desaparecer depois dessa catarse do impeachment, e que as investigações vão acabar e todos os políticos verdadeiramente corruptos vão estar seguros. A solução, para responder sua pergunta, é deixar essa investigação se desdobrar, pegar todos que são corruptos em todos os partidos de oposição e no PT, que não é pouca gente, e submetê-los ao rigor da lei, responsabiliza-los e prendê-los. E isso deveria acontecer antes do impeachment de Dilma.
Christiane Amanpour – Uma história incrível. Glenn Greenwald, obrigado por se juntar a nós do Rio de Janeiro esta noite.
Glenn Greenwald – Foi ótimo estar com você. Obrigado por me receber.
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