Neste momento, o Supremo Tribunal Federal STF se mantém em silêncio diante de todas as patranhas armadas por Eduardo Cunha. A história cobrará.
Mailson Ramos*
Maquiavélico é um termo etimologicamente ligado a Nicolau Maquiavel (1469-1527), italiano, autor do livro O Príncipe, que conta como um príncipe reinava e mantinha o seu poder de maneira astuta, protegendo o reinado sem se preocupar com princípios éticos ou morais. Seu lema era: o fim justifica os meios.
Pois assim tem sido o silêncio do Supremo Tribunal Federal, neste momento, no Brasil: maquiavélico. É um lavar de mãos que também se assemelha a outro personagem da história, tomado por sua indiferença a uma injustiça cometida. O STF lava as mãos como o fez Pôncio Pilatos.
Nas ruas se comenta abertamente que Eduardo Cunha não tem condições de comandar o processo de impeachment; mas não é somente nas ruas que este pensamento se coaduna com a indignação: o Congresso Nacional sabe que não há legitimidade neste processo. As poucas vozes que se levantam contra esta patranha, entretanto, são suprimidas por um mar pantanoso de deboche.
A Casa do Povo se transformou em circo onde o dono está preso na jaula e o mico apresenta o espetáculo. É uma inversão total de papeis e valores, tanto quanto um achincalhe contra todos os brasileiros. Causa espécie que uma coalizão de corruptos esteja a poucos passos de derrubar uma presidente da República de caráter ilibado e que não se contaminou com os crimes aos quais seus algozes são acusados.
O STF vai assistir ao processo do seu camarote. Verá as páginas da Constituição Federal serem rasgadas e queimadas em público para desespero dos democratas e de todos aqueles que lutaram com sangue e suor pela conquista da liberdade e contra os golpes de Estado. O que se perpetra de injustiça em Brasília, ainda que com os vernizes constitucionais, representa uma aberração extemporânea, um monstro deformado criado dentro das alas do nosso judiciário.
Leia aqui todos os textos de Mailson Ramos
A legalidade resiste, mas não na Suprema Corte, onde impera agora o silêncio das forças hegemônicas. E onde fica a cidadania defendida pelo STF? Restaurará daqui a dez anos a inocência que a Dilma hoje tem?
Por quantos dias mais esperaremos a queda de Eduardo Cunha, um homem de crimes em esfera internacional?
Por quanto tempo mais aceitaremos esta Câmara de deputados que deitam e acordam pensando em lobby?
A alternativa de poder agora não representa os brasileiros. Sobretudo porque são golpistas, traidores e engendram um plano para entregar o Brasil de volta à trágica utopia do neoliberalismo. E quem vai sofrer com isso?
Onde está a defesa da cidadania, da democracia, da Constituição?
Não deveria estar na salvaguarda dos supremos ministros?
Ou somos uma nação à deriva que se permite golpes de Estado de tempos em tempos?
Os resultados históricos serão uma punição. O maquiavélico silêncio de agora retornará em consequências desastrosas para a sociedade. Do alto do seu camarote, o STF vai assistir à queima do livro constitucional. Já não haverá tempo para apartes e tomadas de palavras. Também a retórica do direito constitucional estará relativizada. Será tarde demais para dizer que no Brasil se engendrou um golpe de Estado paraguaio.
A sociedade seduzida pelo apelo midiático e pela insatisfação econômica vai derreando lentamente para um poço onde, mais tarde, rangerá os dentes por descontentamento. É sempre assim. Da cegueira coletiva que rechaça até a democracia, poderá nascer um comando tipificado pela criminalidade. E aqueles que tanto reclamam da corrupção verão nascer corrupto um governo antipovo.
É de novo a recriação do golpe a solapar as instituições de dentro para fora, mas desta feita numa metafórica representação de autofagia criminosa, presente especialmente no sistema judiciário. Em vez de proteger a Constituição e salvaguardar a democracia, estão nos impingindo mais um golpe de Estado tramado sob o lamacento acorde de forças hegemônicas. O povo mais uma vez terá o seu papel reduzido na sociedade e aqueles que ora se mobilizam em favor dos golpistas serão os mesmos a reclamar das liberdades cerceadas.
E nisso tudo tem culpa o STF. Será cobrado no devido momento, pelo povo ou pela história. E a Constituição Federal, depois desta manobra contra a presidenta da República, terá seu valor subestimado por estas forças que conseguiram dobrá-la e coloca-la no bolso. Chefes do executivo terão paz para governar? Oposições flertarão frequentemente com a possibilidade de impedi-los? Convulsão social e desordem administrativa?
Tudo será resultado deste silêncio maquiavélico do STF.
*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do blog Nossa Política. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook