Se a Justiça fosse cega, não precisaria de venda nos olhos.
Cada magistrado, cada advogado, promotor e procurador vê o que quer, como qualquer de nós outros, nas fatias de realidade ante os seus olhos. Mas têm à sua disposição uma vantagem decisiva: no Direito há bases teóricas para todos os gostos e todos os lados. E a escolha entre elas, por mais que os seus usuários apregoem um caráter científico do Direito, sempre traz a marca indelével do critério pessoal. Nele incluída a dose individual de ética.
Tudo na atual crise tem envolvimento jurídico, seja ou não predominante. A divergência manifesta-se em cada ponto, decorrendo tanto da variedade de conceitos como das influência íntimas ao adotá-los, tantas delas bem conhecidas. Mas às vezes a influência tem sido mais forte do que os conceitos. Ou assim parece. E o resultado não é bom para o que importa à Justiça com ou sem venda.
Vários ministros do Supremo, por exemplo, como Celso de Mello, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, pronunciaram-se sobre impeachment de modo muito semelhante. As palavras do último representam muito bem as dos demais: “Impeachment não é golpe. É um mecanismo previsto na Constituição para afastamento de um presidente da República. Mas com respeito à Constituição e às normas“. E, dirigindo-se a parlamentares: “O que os senhores decidirem vai prevalecer. O Supremo não tem pretensão de fazer juízo de mérito nessa matéria“.
Logo, impeachment pode ser golpe, sim. O que determinará se é ou não será o processo que a ele conduza. Collor deu muitos motivos para ser pretendido o seu impeachment, mas o adotado foi o mais simplório por ser o que, até àquela altura, menos suscitava questionamentos de adequação “às normas e à Constituição”: o uso doméstico de um modesto Fiat Elba presenteado pela fábrica.
No caso atual, todo ministro do Supremo conhece as manobras e os vícios do processo de impeachment. Entre eles, nada menos do que sua instauração na Câmara como represália pessoal aos votos governistas, no Conselho de Ética da Casa, para o processo contra o deputado denunciado ao próprio Supremo por delinquências várias. Tudo fora das “normas e da Constituição”.
O pedido de impeachment ora discutido não é documento jurídico, é ataque raivoso. O novo pedido, da OAB, foi dado pelos signatários como “técnico”. Na forma, admite-se. Mas se valer, e tanto, de uma delação premiada (ainda) não submetida a investigação alguma, de um acusado que se desastrou exatamente por prática de mentiras e fantasias, e agora ansioso por transbordar acusações como Roberto Jefferson para embrulhar sua situação –a OAB não encontrou nada melhor do que a delação premiada de Delcídio do Amaral?
A menos que possa assegurar que os votos do novo ministro Marcelo Navarro no STJ, pela libertação de Marcelo Odebrecht e Otávio de Azevedo, presos há nove meses por que não fizeram delação premiada, não foram votos por convicção, mas por má-fé. Disso, porém, o documento da OAB não dá sequer indício aceitável, baseando-se na mesma delação de Delcídio.
Nas explicações cobradas pelo ministro Teori Zavascki, o juiz Sergio Moro dá o seu motivo para liberar as gravações telefônicas de Lula, Dilma e outros: “Era a melhor maneira de prevenir novas condutas ou tentativas de obstrução ou intimidação da Justiça“. Mudou. A explicação que deu no dia era “o direito dos governados de saberem como agem os governantes“. Mudou, mas não para melhor. Porque a ideia de Justiça intimidada já é extravagante, quanto mais por um telefonema privado de pessoas sitiadas.
As oftalmologias têm avançado muito.
Janio de Freitas, Folhapress
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