Por que Eduardo Cunha ainda não foi cassado e condenado? Será que as manobras, artifícios, pressões, lobbies e todos os mecanismos de defesa que o mantiveram imune, até agora, serão suficientes? Até quando? Saiba o que seria necessário fazer para mudar o cenário favorável em relação ao presidente da Câmara
Patricia Faermann, Jornal GGN
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiu sair vitorioso neste domingo (17). Dentro dos limites legislativos que poderia transitar, mobilizou um país em favor de seus interesses, usando as fracas sustentações de pedaladas fiscais, para a derrubada de um presidente da República. Para chegar a este ponto, não mediu ações em manobras sequenciais, em regras determinadas de última hora, a seu critério e sem consenso parlamentar, e o uso de todas as brechas de uma lei que o Brasil não esperava usar em seu início de democracia.
Por outro lado, foram essas mesmas artimanhas que o fizeram segurar sua cadeira na Presidência da Câmara, mesmo carregando a pressão de ser o primeiro político réu da Operação Lava Jato, com uma denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dois inquéritos que investigam outros desdobramentos do mesmo caso que indica um benefício de, pelo menos, R$ 5 milhões em corrupção da Petrobras, e outras apurações em andamento na Procuradoria-Geral da República.
A ousadia de se vender como inocente em uma ação penal, que logo na primeira instância já prendeu e condenou três de seus coautores no esquema montado entre a estatal e ele – Eduardo Cunha (dizem os autos da PGR e também de Sergio Moro, da Federal de Curitiba), foi a mesma que o fez simplesmente ignorar um pedido do Supremo de esclarecimentos e afirmar que todas as suas respostas já foram proferidas na CPI da Petrobras, em março de 2015. Aquela, em que seus companheiros de Câmara o aplaudiram veementemente e a bancada governista temeu enfrentá-lo com indagações. Deixou de prestar mais informações porque, afinal, estava ocupado com a sessão de impeachment contra Dilma Rousseff que ocorreria duas semanas depois.
A confirmação, com provas, do Ministério Público suíço de que Cunha mentiu naquela Comissão Parlamentar e que, sim, mantinha contas secretas em paraísos fiscais em seu nome, de sua esposa e de sua filha, não mudou tanto o cenário de aplausos daquela CPI para a votação deste domingo. Diversos votos pró-impeachment proclamaram Cunha o herói responsável pela queda de Dilma.
Mas será que as manobras, artifícios, pressões, lobbies e todos os mecanismos de defesa que o mantiveram imune, até agora, serão suficientes? Até quando? A Constituição, que teve seus trechos considerados suficientes para impedir Dilma Rousseff do comando do país na visão dos deputados, não garante também o afastamento de Cunha?
Eduardo Cunha pode ser retirado da presidência da Câmara por duas vias. Por decisão da maioria do plenário da Câmara ou por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). No momento atual, os dois casos apresentam pontos favoráveis ao peemedebista.
Afastamento pela Câmara
A primeira das opções deve partir de um processo de cassação contra o parlamentar. Hoje, tramita no Conselho de Ética da Casa um processo solicitado por 46 deputados do PSOL, Rede, PT, PSB e PROS. Acontece que grande parte das manobras feitas por Cunha e seus aliados foram justamente nessa Comissão, com vistas a adiar e a favorecer para que, sequer, ocorra a abertura da cassação.
No meio da semana turbulenta do processo de impedimento, Cunha revezava-se entre as estratégias para que a Comissão do Impeachment liberasse o parecer, que as sessões com discursos de deputados fossem cumpridas em tempo hábil e que a votação final coincidisse com o planejado, para o domingo, ao mesmo tempo em que mantinha as vistas no processo que tramita contra ele.
Foi na última quarta-feira (13) que o deputado Fausto Pinato (PP-SP) renunciou ao seu posto no Conselho de Ética da Câmara. Pinato votava pela admissibilidade da cassação contra Cunha. Chegou a ser o primeiro relator do caso, sendo destituído em manobra de aliados do peemedebista. A sua saída foi justificada pela pressão do PRB. O antigo partido de Fausto Pinato é que o havia indicado para o Conselho, e alegava querer a representatividade na Comissão.
Curiosamente, a bancada de 22 deputados do PRB votou com unanimidade a favor do impeachment de Dilma. Entre os que pressionaram Pinato a deixar o posto foi a deputada Tia Eron (PRB-BA) que, momentos depois, foi anunciada como substituta no Conselho. No dia seguinte ao anúncio, ela declarou que a Câmara “produziu como nunca” com o comando de Eduardo Cunha na Casa. “Claro que eu tenho de comemorar, isso é um grande ganho político para a população brasileira“, afirmou, referindo-se ao seu voto por Cunha à Presidência, em 2015.
Com a entrada de Tia Eron no Conselho de Ética, Cunha já pode ter alcançado maioria no colegiado. Na primeira fase de apreciação do relatório que elencava motivos para o afastar, o peemedebista foi derrotado por uma margem apertadíssima – 11 votos a 10, após o chamado voto de minerva do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), porque o resultado antes implicava um empate ao deputado.
Com a garantia da aliada de Cunha no Conselho, o placar possivelmente virará a favor do presidente da Câmara, vencendo por 11 votos a 9, não cabendo o voto de desempate de Araújo. O caso, assim, morreria antes mesmo de ir ao Plenário da Câmara.
Afastamento pelo Supremo
Está nas mãos do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, três inquéritos contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em um deles, o parlamentar já é réu, porque o Supremo aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República de prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Outro é uma denúncia apresentada pelo MPF e um terceiro inquérito está em fase de apuração.
O primeiro trata-se da ação penal que indica o recebimento de, pelo menos, 5 milhões de dólares para viabilizar a construção de dois navios-sonda da Petrobras, sem licitação. O processo é o mesmo que condenou, em agosto de 2015, Nestor Cerveró, Fernando Baiano e Julio Camargo, pela Justiça Federal do Paraná. A sentença afirma que os três, condenados à prisão e multa, pagaram o montante de propina a Eduardo Cunha.
Entretanto, as provas trazidas contra o deputado o incriminam em ações a partir de 2010. A denúncia enviada pelo MPF também incluía práticas de corrupção em 2006 e 2007, anos em que os investigadores ainda não conseguiram trazer provas do envolvimento. Por isso, a ação foi aceita parcialmente pelos ministros da Corte.
“A denúncia trouxe reforço narrativo lógico e elementos sólidos que apontam ter ambos os denunciados, Eduardo Cunha e Solange Almeida, aderido à exigência de recursos ilícitos nesse segundo momento, entre 2010 e 2011“, disse Zavascki, no início de março deste ano.
Com o acolhimento da denúncia, o Supremo abriu prazos para a PGR e a PF seguirem com as investigações, na tentativa de levantarem as provas para os anos de 2006 e 2007, e também para Cunha se defender. Foram nessas solicitações que o presidente da Câmara foi intimado a depor e preferiu não prestar esclarecimentos, afirmando que já havia quitado todas as informações durante a CPI da Petrobras de 2015.
Também tramita nas mãos de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, os autos sobre as contas secretas mantidas por Cunha no exterior, em paraísos fiscais, e que, segundo os investigadores, foram usadas para o parlamentar receber as propinas de contratos da estatal.
Em um desses casos, a PGR já enviou denúncia ao Supremo informando que o deputado praticou evasão de divisas, corrupção passiva e lavagem de dinheiro por manter contas na Suíça. De acordo com Janot, Cunha tem pelo menos US$ 1,31 milhão em uma dessas contas, quantia recebida como propina por intermediar a aquisição de um campo de petróleo em Benin, na África, pela Petrobras.
No mesmo processo, Janot aponta que o peemedebista praticou crime de falsidade ideológica e eleitoral, por omitir esses rendimentos na prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em resposta, a PGR pediu ao Supremo que Eduardo Cunha perca o mandato parlamentar e pague R$ 10,5 milhões, duas vezes o valor encontrado na Suíça, como forma de reparar danos materiais e morais.
O segundo processo, ainda em fase de inquérito, sem denúncia apresentada, é o que apontou, também na última semana, que Cunha recebeu R$ 52 milhões em 36 parcelas de propina pelo consórcio formado pela OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia, na aquisição dos Certificados de Potencial de Área Construtiva para as obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, em 2011. As parcelas foram depositadas em diversas contas do peemedebista no exterior.
No total, são dois processos já nas mãos de Teori Zavascki, aguardando o prosseguimento natural de defesa e acusações, além do posicionamento dos ministros do STF, e um dos processos encontra-se na Procuradoria-Geral da República, onde ainda precisa avançar nas buscas e apurações.
Apesar de tantos indícios, a Eduardo Cunha foi garantido o princípio da presunção da inocência e, por isso, pode ser que ele não seja afastado do cargo. O que está em análise é um quarto pedido de Janot, com base em todas essas investigações, solicitando o afastamento do peemedebista da Presidência da Casa.
Aí é que entram as divergências. Há quem defenda que Cunha pode ser obrigado a deixar a cadeira pelo STF, com base no Decreto Lei 201, que trata do afastamento de prefeitos e chefes do Legislativo. De acordo com o decreto, representantes eleitos pelo voto popular só podem ser afastados após a instauração de processo por crime comum ou de responsabilidade – que o peemedebista tem de sobra.
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Entretanto, alguns juristas entendem que o afastamento de um presidente da Câmara é questão exclusiva do Legislativo e que a interferência do Judiciário seria um desacato ao princípio de autonomia e independência entre os Três Poderes. Por isso, seguindo essa linha, não caberia ao Supremo afastar Cunha. Essas duas linhas de discussão deverão estar presentes quando o processo do peemedebista for discutido pelo Plenário do STF.
Independentemente disso, o Supremo, contudo, tem a sua agenda de processos prioritários e de emergência ocupada, neste momento, por possíveis liminares, medidas cautelares e recursos do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Todo esse andamento fez com que Eduardo Cunha, de forma consciente e estrategista, avançasse no processo que incide sobre Dilma, ao mesmo tempo que garantisse o atraso, ou até mesmo a paralisação, das possibilidades que recaem sobre o seu próprio afastamento.
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