A Veja perdeu mais uma oportunidade de ficar calada. Em tentativa retrógrada, machista e quase desconcertante, tamanha a vergonha alheia, a revista tenta vender Marcela Temer como a primeira-dama perfeita
Nathali Macedo, DCM
A revista Veja perdeu mais uma oportunidade de ficar calada.
Numa tentativa óbvia – quase desconcertante, tamanha a vergonha alheia – de colocar Marcela Temer, esposa de Michel Temer, como a primeira-dama perfeita, a revista deu mais um show de machismo e atraso.
Na matéria, Marcela é colocada como “bela, recatada e do lar” – nada mais conveniente para a sociedade patriarcal. Afinal, uma mulher bela, recatada e do lar – tal qual a mulher idealizada da literatura romântica do século XIX – não pisa no calo do machismo.
Ela se contenta com o lugar de inferioridade que lhe foi imposto com uma consciência de subalternidade preocupante.
Como Marcela, ela se satisfaz em ser “o braço direito do seu homem” – porque os seus braços, os seu corpo e a sua mente estão, de fato, unicamente direcionados aos interesses do homem que “a assumiu”. Eis o papel que o patriarcado lhe conferiu.
O tom de admiração e satisfação diante de uma mulher subalterna empregado na matéria é repugnante. Marcela, a mulher linda, elegante, discreta e subserviente é o sonho de consumo da Veja e dos golpistas conservadores.
É a mulher que encontra conforto num casamento tradicional, que precisa de um homem que a proteja e dê significado à sua vida pública – e quando falo em vida pública, refiro-me a tudo aquilo que extrapola os limites do papel de “mulher do lar”.
A Veja quer mulheres que não sustentem, sozinhas, suas próprias vidas, suas próprias lutas, sua própria existência. Que estejam – e se contentem em estar – à sombra de seus homens. Que dependem deles para existirem socialmente e que mantenham a fragilidade que só eles podem alimentar: as princesas perfeitas a espera de um homem forte e corajoso que, finalmente, legitime a sua existência (talvez os editores da Veja estejam lendo muitas histórias da Disney).
Essa mulher – agora representada pela aspirante a primeira-dama do Brasil – é justamente a figura idealizada do Brasil do século XIX (ao ler a matéria, sinto-me em 1850): a mulher pudica, que sempre pede “luzes finíssimas”, que não se atreve a ascender intelectualmente (segundo a matéria, Marcela é bacharél em direito, mas trabalhou pouco e tem um currículo lattes sucinto), que se casa com o primeiro namorado e jamais expressa uma postura libertária.
Marcela Temer é a figura do retrocesso feminista e a Veja parece ter orgasmos com sua mera existência.
A matéria serve para que tenhamos uma noção clara – embora já o saibamos há algum tempo – do que, de fato, tanto incomoda a direita ao ver uma mulher como Dilma Roussef na presidência.
Ao contrário de Marcela, Dilma é tudo que o patriarcado não quer: não obedece aos padrões de beleza estabelecidos, não se curva diante da exigência de subserviência feminina que ainda persiste, não cultiva a delicadeza tradicionalmente feminina (afinal, não somos obrigadas!), luta com as próprias mãos, derrama o próprio suor, e o que é pior: é a mulher mais poderosa do país.
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No bom e velho nordestinês: uma mulher de grelo duro.
A Veja, a direita e os golpistas (agora sendo redundante, já que se resumem à mesma coisa) não querem as mulheres poderosas.
Eles querem mais Marcelas e menos Dilmas. Mas continuarão só querendo.
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