André Falcão*
Às vezes me pego pensando se é tudo mesmo fruto da manipulação midiática. Claro que me refiro apenas à influência daquela àqueles que a gente compreende como inocentes úteis. Aí não se incluem, naturalmente, os corruptos empedernidos, que necessitavam apear do poder os primeiros governos que lhe causaram embaraços, nem grande parcela da classe média, que finalmente pôde expor, sem o mais mínimo constrangimento, todo o preconceito, racismo, misoginia, fascismo, elitismo e ignorância que compõem sua alma pequena, tampouco os da classe alta, pelas mesmas razões. Penso que manipulados genuínos são somente aqueles que, agora, podem perceber a furada onde se efetivamente se meteram e pela qual são co-responsáveis.
Como se esquecer de manifestações hipocritamente irresignadas, forjadas em teses jurídicas e políticas construídas para fundamentar a “legítima” insurgência contra a nomeação de Lula para o ministério? Desde aquela que ele estaria sob investigação na Operação Lava-Jato (principal instrumento da direita togada contra os governos populares que teimavam, atrevidamente, em ser eleitos a cada eleição) — pela suposta propriedade de um sítio em Atibaia, um apartamento no Guarujá, dois pedalinhos e uma canoa —, até a de que estaria a pretender-se livrá-lo da espada da justiça, como se o STF fosse outra coisa (verdade que o STF é uma decepção em si mesmo, quando sob sua empáfia, covardia e parcialidade estaria o Lula).
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Entretanto, consumado temporariamente o golpe, eis que o presidente em exercício, entre outras ainda mais terríveis e sugestivas ações do porvir (e do que já se põe), nomeia pelo menos sete ministros sob investigação na mesma Lava Jato, sob suspeitas graves de desvio de dinheiro público, para enriquecimento pessoal, inclusive. Os pretensiosamente (ou cinicamente) autodenominados homens e mulheres de bem da nossa sociedade, defensores da moral, da ética e dos bons costumes, mosqueteiros anticorrupção, com suas camisas verde-amarelas da CBF a cobrir-lhes o peito patriótico, hoje já de volta à naftalina chique de seus armários, porém, silenciam. Suas panelas permanecem nas mãos das criadas, legítimas posseiras, seus patos amarelos resistem, murchos, aguardando o momento do avanço irresistível sobre o erário, e esses tratam de lustrar sua cara de pau com o velho óleo de peroba, sob o olhar estupefato e envergonhado dos verdadeiros manipulados que lhe serviram de cavalo. De tróia.
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político
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