Em qualquer país sério, a corte suprema invalidaria o impeachment depois de uma gravação como a de Romero Jucá. Ali, temos ninguém menos que o segundo vice-presidente do Senado dizendo: "Tem que ter impeachment, mudar o governo para parar as investigações. Não tem saída"
Raymundo Gomes, DCM
Em qualquer país sério, a corte suprema invalidaria o impeachment depois de uma gravação como a divulgada nesta segunda-feira (23) pela Folha de S. Paulo.
Ali, temos ninguém menos que o segundo vice-presidente do Senado dizendo: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”. E ainda: “Tem que ter impeachment. Não tem saída”.
Não há “contextualização”, não há outra interpretação possível. É o senador Romero Jucá conspirando para derrubar a presidente da República num golpe parlamentar. Se, no já célebre grampo da conversa com Lula, a expressão “em caso de necessidade” foi usada contra Dilma para arguir uma suposta obstrução de Justiça, o que dizer do diálogo infinitamente menos ambíguo que o de Jucá e Sérgio Machado?
Já é escandaloso o suficiente que Romero Jucá tenha votado a favor da admissão do impeachment na manhã de 12 de maio e, na tarde do mesmo dia, assumido o Ministério do Planejamento. Seria necessária total suspensão de julgamento para acreditar que não é viciado um processo onde um dos votantes tem interesse no resultado da votação, e negocia cargos condicionados a seu voto.
Agora, tem-se a prova cabal, para quem ainda não fosse capaz de enxergar, de que Jucá via no impeachment de Dilma a salvação para si mesmo e outros políticos. Pedalada fiscal uma pinoia. Só os incautos ainda discutem se a contabilidade orçamentária é a causa real do golpe branco que vitimou Dilma Rousseff.
A operação, agora, será de contenção de danos. Tentar-se-á isolar Jucá, fazer de conta que a conversa gravada foi um caso isolado. Mais uma vez, só os muito ingênuos podem acreditar que o senador por Roraima, um dos maiores articuladores da política nacional, não manobrou para derrubar Dilma, entrar no governo e sufocar a Lava Jato, viciando todo o processo de impeachment.
Uma questão secundária, mas não menos importante, é saber por que a Procuradoria Geral da República, se dispunha de um áudio que poderia mudar o curso do golpe, sentou em cima da gravação e só a divulgou onze dias depois do afastamento de Dilma Rousseff. Aí, também, muitas explicações a dar em relação a mais um vazamento oportuno demais.
A primeira grande crise do governo golpista ilustra um problema criado por aqueles que apostaram na Lava Jato como arma contra o PT: acharam que, depois de aberta a caixa de Pandora, seria possível fechá-la selecionando aquilo que dela escaparia e aquilo que nunca poderia sair. Quem conhece a lenda sabe que, quando Pandora tentou fechar a caixa, só restou uma coisa dentro dela: a esperança.
Num país sério, Dilma seria restabelecida como presidente diante de um processo de impeachment irremediavelmente viciado.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook