Temer, mídia e crise: o Brasil de papel
Nos últimos tempos, crise foi palavra indispensável nas manchetes da mídia e na boca dos algozes da presidenta Dilma. Agora, no poder, eles querem esquecer que ela existe.
Mailson Ramos*
Durante longos dois anos, a mídia brasileira só falou sobre duas coisas: crise e Lava Jato. No desfecho desta história, quando o discurso foi intensificado, ninguém sabia que país era este, mas sabia que aqui só interessava falar da grave crise e dos desdobramentos da Lava Jato. Os especialistas econômicos, levados às redações para dar entrevistas, eram quase que pressionados a falar que o Brasil estava à beira do abismo.
O discurso da crise (ou do apesar da crise, quando as notícias eram positivas) estampou tantas matérias quantas foram necessárias para desestabilizar o governo e produzir sentido sobre uma massa descontente. Aos poucos, o aspecto da crise se enraizou de tal maneira no imaginário popular que a palavra passou a ser utilizada cotidianamente. A mídia, por sua vez, usufruía de todo o poder para amplificar o sentimento de desolação.
Muitos dados positivos foram suprimidos diante da divulgação de dados negativos, a perfeita criação de uma atmosfera caótica em que tudo parecia ser culpa do governo. Dilma Rousseff seria afastada pelo ônus da crise econômica, ainda em meio ao discurso de que o Brasil estava destruído. A mídia alça em suas novas capas e manchetes o presidente interino Michel Temer que apresenta o seu governo e faz um pedido especial:
“A partir de agora não podemos mais falar de crise.”
As palavras de Temer não são simplesmente retóricas. É como se ele enviasse um aviso à mídia que o apoiou em sua ascensão para acabar com esta história de crise. Ou seja, o discurso que foi preponderante para destruir o governo anterior e apontar os “novos rumos”, não pode sequer ser proferido. Em seu lugar de fala, tentando impor a legitimidade que boa parte dos brasileiros questiona Temer define o que é importante discutir neste momento.
A mídia pode até seguir as diretrizes discursivas de Temer e sufocar o assunto em suas publicações, mas isso não amainará a crise que se estabeleceu fatalmente além da narrativa. Por outro lado, é possível pensar também que o presidente interino definiu o status de sua relação com a imprensa e, portanto, com todos os brasileiros. Este governo conservador não oferecerá alternativas que não as pautas que lhe interessam. Por isso querem colocar em desuso a palavra que eles mesmos adotaram.
Até mesmo o juiz Sérgio Moro conclamou os brasileiros a encontrar a reconciliação e o diálogo em meio à crise política. É muito sintomático que Moro, responsável por enviar áudios de conversa entre Dilma e Lula para a TV Globo, provocando quase uma conflagração entre brasileiros, venha agora pregar o diálogo. É como se do dia para a noite quisessem transformar o Brasil imaginado por eles mesmos em desconjuntada moldura numa peça irretocável.
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Michel Temer talvez queira suprimir a palavra crise para evitar que se comente sobre o seu ministério de políticos investigados na Operação Lava Jato; a palavra crise deve ser evitada certamente porque o próprio Temer foi condenado pelo TRE-SP e se tornou inelegível por oito anos, segundo promotora eleitoral. Não evitar a palavra crise a estas alturas é certamente uma temeridade.
*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do blog Nossa Política. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político.