Saullo Diniz
Colunista
PT 15/Jun/2016 às 14:00 COMENTÁRIOS
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Ascensão e queda de um partido popular (A revolução dos bichos)

Saullo Diniz Saullo Diniz
Publicado em 15 Jun, 2016 às 14h00

É necessário superar o PT, a esquerda precisa ir além do PT. A esquerda precisa voltar as suas bases de luta, entender que política não é emprego, é instrumento de transformação social, instrumento de luta. A esquerda precisa mobilizar as massas em prol das massas, para as massas, junto das massas

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Ato popular em apoio a Dilma Rousseff – PT (reprodução)

Saullo Diniz*, Pragmatismo Político

George Orwell, em 1945, lançou um célebre livro intitulado “A Revolução dos Bichos” (nome em português). O livro que era uma clara – e brilhante – crítica ao Stalinismo marcou época e até hoje é extremamente popular, inclusive no Brasil (eu mesmo, já o vi vendendo até nessas lojinhas de conveniência de postos de gasolina). A sátira criada por Orwell se passava numa fazenda onde os personagens principais são os animais que eram explorados pelos homens (uma alusão ao sistema capitalista, sendo – numa linguagem extremamente marxista – os homens, os burgueses e os animais, o proletariado). A partir desse contexto, os animais planejam um movimento para expulsar os humanos da fazenda e eles mesmos controlarem aquele local. Não é que eles conseguem? Então essa foi a Revolução dos Bichos, a fazenda foi tomada e agora o sonho de igualdade e de um futuro melhor prosperam entre os animais já que não tinham mais os homens que os controlavam e exploravam. A grande questão do livro não está no ato revolucionário em si, mas em como essa revolução se perdeu.

Os lideres da revolução dos bichos foram os porcos: Bola de Neve e Napoleão. Napoleão, seduzido pelo poder, conseguiu aos poucos ir deturpando a revolução transformando a fazenda numa ditadura tão autoritária quanto os velhos tempos em que os homens dominavam a fazenda. Aos poucos – após expulsar Bola de Neve – Napoleão e os outros porcos se apossaram da casa onde antes viviam os humanos, assim como seus bens e também modificaram as leis antes criadas em assembléia com os animais.

Os animais, por não ter uma memória muito boa, começam a não se lembrar certamente se os tempos de dominação humana eram piores que os atuais, mas o que eles percebiam cada vez mais era a condição de vida piorando, tinham que trabalhar mais e receber menos. Até que no fim da sátira, os outros animais, ao observar a casa onde os humanos viviam, viram os porcos sentados na mesma mesa em que dois humanos da redondeza, jogando cartas e comemorando a colheita. Os animais já não conseguiam distinguir entre os porcos – que já estavam andando com apenas duas pernas – e os humanos. Assim, o sonho da Revolução dos Bichos se perdeu.

A história recente do Brasil e do Partido dos Trabalhadores é bem diferente – afinal, não houve nenhuma revolução no Brasil e também nunca foi esse o interesse do partido -, mas temos alguns pontos em comum, principalmente o fim (não que o PT tenha chegado ao fim, mas, de fato, é o fim de uma era). Na verdade, prefiro, por algumas questões, começar pela sua fundação. Numa época em que a esquerda se dividia, basicamente, em dois grupos bem distintos, os intelectuais e os sindicalistas, o PT surgiu de um grupo (extremamente) heterogêneo de intelectuais, artistas, sindicalistas, políticos opositores a ditadura e católicos ligados a Teologia da Libertação. Só pra se ter uma noção, dentre os fundadores do partido estavam Lula e Luiz Gushiken que eram líderes sindicais e José Dirceu, que foi líder do movimento estudantil. A ficha de número dois foi assinada por Mário Pedrosa, que era crítico de arte, a número três foi pelo crítico literário Antônio Candido e a de número quatro pelo (importantíssimo) historiador Sérgio Buarque de Hollanda (pai de Chico). Mais heterogêneo que isso é quase impossível de se pensar.

Fica claro, portanto, que as bases do PT, à época de seu surgimento, além dos intelectuais eram os movimentos sociais – tanto que até o fim organizações como a CUT, MST e MTST mantiveram apoio ao partido. Zuenir Ventura, quando escreve seu belíssimo livro intitulado “1968, O ano que não acabou” destaca em como grande parte dos opositores da ditadura foi vendo no Partido dos Trabalhadores uma ferramenta para as mudanças sociais que eles almejavam. O próprio Cazuza, em entrevista ao Jô em 1988, fala sobre como o partido conseguia mobilizar os jovens com as propostas de mudança. Tanto que, há quem diga – inclusive cresci ouvindo isso de meu pai, um petista extremamente saudosista e nostálgico – que a eleição de Lula em 1989 foi marcada pelas bases, foi marcada pelas mobilizações sociais, pela juventude nas ruas. Seja nos orçamentos participativos de Belo Horizonte, mas principalmente Porto Alegre (que virou exemplo mundial de gestão democrática a ponto de ser reconhecida como por David Harvey e Cornelius Castoriads) ou no belíssimo governo na cidade de São Paulo que tinha como Secretário de Educação ninguém menos que Paulo Freire, as prefeituras de políticos filiados ao PT nos anos 90 mostraram que a chama ainda estava acesa.

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Mas, assim como Napoleão (o personagem de Owrell), o Partido dos Trabalhadores também foi desviando de seus caminhos quando, por exemplo, Lula – a pedido de Dirceu – aceitou como vice de sua chapa em 2002, José Alencar com o intuito de conquistar a confiança do empresariado (ao contrário de 1998 quando seu vice foi ninguém menos que Leonel Brizola, um símbolo da luta por democracia). A carta ao povo brasileiro, escrita e amplamente divulgada ainda em 2002, foi o marco de uma aliança – não cumprida – de transformações sociais ao mesmo tempo em que se comprometia, queira ou não, em continuar a política econômica iniciada nos anos FHC. Em 2003 a Reforma da Previdência – e conseqüente expulsão dos “radicais – marcou o início do fim.

Não vou ficar aqui fazer uma lista dos equívocos do partido, mas é necessário que se entenda que as bases sociais foram perdidas. Tendo como apoio Miro Teixeira, o homem da Globo, Paulo Maluf e Sarney – que dispensa legendas -, o ideal foi se corroendo. Não nego, de forma alguma, as claras e inúmeras transformações sociais ocorridas nos anos de governo, pelo contrário, reconheço por demais a sua importância nem tampouco fecho os olhos para as alianças mais que espúrias do governo Dilma. Colocar por base o PMDB, liderado por Michel Temer e toda sua corja, não tem explicação. Os últimos dias foram tristes, dependendo de alianças dos políticos mais esdrúxulos, aceitando esmolas das mais venenosas para se manter no poder. O PT pagou porque largou os ideais, largou as bases. E nem estou falando da tímida reforma agrária, ou de ter sancionado a lei que criminaliza os movimentos sociais e muito menos de ter se calado frente aos genocídios do povo negro e indígena. Apenas falo de alianças. O PT foi cassado por quem mais se beneficiou de seu governo, foi traído por quem mais se beneficiou de seu governo. Mesmo entendendo o golpe como uma jogada política das mais patéticas, queira ou não, o argumento da direita está correto, quem colocou o Temer lá foi o próprio PT em troca de uma “governabilidade” que nunca existiu.

A quinta-feira do dia 12 de maio de 2016 foi um dia triste pra mim, foi o dia que vi cair o que meus companheiros de luta mais antigos sempre lutaram e sonharam. Foi a queda de um partido popular, muito provavelmente do maior partido de esquerda da América Latina – quiçá do mundo ocidental. Mas, como já foi dito algumas vezes, é necessário superar o PT, a esquerda precisa ir além do PT. A esquerda precisa voltar as suas bases de luta, entender que política não é emprego, é instrumento de transformação social, instrumento de luta. A esquerda precisa mobilizar as massas em prol da mesma, para as mesmas, junto das mesmas. A lição foi dada, fico triste, mas a esperança permanece. Conseguimos melhorar muitas coisas, mas há muito a ser feito. É preciso ir além do PT, propor avanços onde o PT parou. Citando Emicida, “quando os caminhos se confundem, é necessário voltar ao começo”.

Um partido que levantou pela esquerda e caiu pela direita. Assim como na Revolução dos Bichos, no fim, não se percebia mais quem eram os porcos e quem eram os humanos. Na fazenda, os animais só conseguiam ver humanos, agora eu só consigo ver os porcos.

*Saullo Diniz é graduando em Geografia pela UFRJ e colunista em Pragmatismo Político

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