Dicas para debater política sem baixar o nível
Em tempos de ânimos aflorados e intensa polarização, é possível discutir política sem descer o nível? Confira algumas dicas para debater com elegância e preservar as amizades
Camilo Rocha, Jornal Nexo
Com um país marcado pela polarização, discussões sobre política e visões de sociedade se espalharam por inúmeras esferas de nossas vidas. Navegar pelas conversas do Facebook mostra o quão obsoleto ficou o antigo dito popular de que “futebol, religião e política não se discute”. Nas reuniões em família e encontros entre amigos, então, fala-se de política como nunca. E muitas vezes laços afetivos de anos se desgastam por conta das divergências.
O problema é que parte considerável dos embates entre ideias diferentes se caracteriza quase sempre por dois monólogos andando em paralelo, com o reconhecimento da outra parte ocorrendo apenas através de ofensas ou sarcasmo. Muito se fala, e pouco se ouve. Muito se prega, pouco se debate. E quando há troca, esta acontece menos como debate e mais como disputa, sempre com cada lado buscando ter a última palavra e “vencer”.
Ao contrário do que muitos imaginam, bons debates servem para construir conhecimento e não disputar. São oportunidades para que fatos e ideias circulem e sejam colocadas à prova. O filósofo grego Aristóteles descreveu a prática como “encontros dialéticos entre pessoas que participam de argumentos não com o propósito de competir, mas para testes e investigação”.
“Em todos os debates, deixe a verdade ser seu objetivo, não a vitória ou um interesse injusto”, disse com otimismo o filósofo e colono norte-americano William Penn.
É fácil encontrar por aí aconselhamento de como “vencer” um debate (incluindo aí o clássico e sarcástico “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, do filósofo Arthur Schopenhauer), mas não é o que propomos aqui. Em vez disso, apresentamos dicas para encarar um debate em que o aspecto competitivo é menos importante do que a circulação de ideias. Convencer o outro lado de que há razão em seus pontos pode ser uma das consequências. Assim como a preservação de amizades e relações familiares.
Avalie a situação. Você quer debater com essa pessoa?
Aquela frase que “deu raiva” pode provocar uma resposta inconsequente e quando você se dá conta lá se foram 20 minutos perdidos em uma conversa que não resulta em nada. O autor americano Grenville Kleiser, que escreveu dezenas de livros sobre sucesso pessoal e oratória no começo do século 20, listou tipos com quem não se deve perder tempo debatendo em “How to argue and win”. Estes incluem o “dogmático” (“que resiste a prova mais evidente da verdade”), o “imperioso” (“que gosta de impor seus sentimentos sobre os outros”), o “egoísta” (“que se deleita em ouvir a si mesmo falar”) e o “rabugento” (“que se ressente da contradição, e rapidamente se ofende”).
Você entende desse assunto o suficiente?
Óbvio, mas frequentemente ignorado. Existem dois cenários possíveis no caso de você entrar em uma conversa sem entender muito sobre seu objeto. No primeiro, o “outro lado” é também desinformado e vocês dois correrão então o risco de ficar trocando pontos superficiais (quando não equivocados) sobre o tema. No seu segundo cenário, o outro debatedor é bem informado sobre o tema, ou pelo menos mais bem informado do que você. Perigo de vexame à vista. E, se o debate for online, não pense que “googlar” rapidamente em outra aba enquanto responde é uma maneira aceitável de participar. O risco de ser desmascarado permanece.
Prefira fatos, não opiniões
O que é mais fácil? Convencer alguém dizendo “a economia do país vai mal” ou mostrar índices de desemprego ou retração econômica? Seu interlocutor tende a acreditar mais em você ou no IBGE? De certa forma, viramos todos pequenos órgãos de mídia na rede social, selecionando e divulgando informações. Vale então reproduzir as boas práticas do jornalismo, que usa dados, números, estudos e pesquisas para embasar seu conteúdo. Para além dos números, seus pontos devem ser baseados em fatos e não achismos. Dito tudo isso, há que se lembrar das armadilhas dos “fatos duros”, pois números e estatísticas também se prestam a interpretações. Um exemplo simples: se o PIB sobe 2% isto pode ser uma boa notícia. Mas se no ano anterior, ele tinha caído 4%, a perspectiva muda. E pode mudar outra vez se o país vizinho registrou uma alta de 5% em seu PIB.
Cheque seus fatos
A procedência das informações compartilhadas tem que ser um ponto sagrado. A profusão de notícias falsas é um fenômeno gigantesco e real. Segundo pesquisa do American Press Institute, notícias falsas costumam circular três vezes mais que as verdadeiras na internet. Fique atento ao veículo que está publicando e a detalhes como erros de grafia, uso de CAIXA ALTA no meio do texto, local e data do fato citados e confiabilidade das fontes. Compartilhar notícias inverídicas como “argumento” sabota sua credibilidade como debatedor, dentro e fora da rede.
Não recorra a falácias ou sofismas
Além das informações falsas, existem também as falácias e os sofismas, que são argumentos falsos com aparência de verdade. Um exemplo comum é quando se diz que um artista é de boa qualidade porque vende muito, equivalendo êxito comercial com qualidade artística. Uma falácia conhecida de quem acompanha debates eleitorais é quando um participante desqualifica o autor em vez do conteúdo: “Como podemos levar a sério a proposta de um homem que deixou o Estado endividado?”. Esta falácia é chamada de “argumentum ad hominem”.
Fuja das generalizações
Todos conhecem bem esse tipo de frase: “todo político é corrupto”, “todo esquerdista defende o comunismo” ou “São Paulo, terra de coxinhas”. Ao se utilizar de um expediente assim, seu discurso fica com cara de superficial e perde força. Por outro lado, se um debatedor se utilizar de uma generalização assim, abre espaço para que você o rebata com sucesso. Em “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, Schopenhauer aconselha, “encontre uma instância que demonstre o contrário”. “Basta uma contradição válida para derrubar a proposição do seu oponente”, escreveu.
Pesquise melhor sobre “o outro lado”
É comum imaginar a argumentação alheia dentro de um conjunto de clichês baseado na percepção que se tem de como o “outro lado” pensa. Se você tem um pensamento político do centro para a esquerda, pode ter ideias pré-concebidas sobre como pensam as pessoas que habitam o lado oposto do seu espectro político. E vice-versa. É um erro estratégico. O blogueiro de política americano Kevin Drum recentemente criticou artigos que dão dicas de como falar sobre política na família pois partem de estereótipos irreais. Drum, que se intitula “liberal” (o que nos Estados Unidos significa “mais à esquerda”), sugere ir mais longe e se colocar no lugar do outro para “pensar em respostas que podem realmente persuadir alguém que é conservador”. Entre a “lição de casa” para este caso, Drum sugere assistir ao [canal conservador] Fox News por um tempo, ouvir comentaristas de rádio e ler algumas correntes de email.
Seja gentil, seja educado
Pode haver satisfação em atacar com agressividade um interlocutor que acaba de dizer uma grande bobagem contra ou a favor do Bolsa-Família. Deixar a emoção teclar no lugar da razão talvez seja catártico por alguns segundos, mas não constrói nada e geralmente leva a conversa para uma direção indesejada. Então, deixe de lado o sarcasmo, a ironia, o deboche, o xingamento, o famigerado CAPS LOCK, e as muitas exclamações e interjeições, se sua intenção é debater em alto nível.
E bom debate!
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