Ex-globeleza fala de depressão que sofreu após ser vítima de sucessivos ataques racistas e diz que se sentiu usada pela TV Globo
A escolha de Nayara Justino como Globeleza, no final de 2013, e sua retirada do posto meses formam um dos episódios mais emblemáticos de racismo velado e declarado na história recente da TV brasileira.
Racismo declarado porque Nayara foi considerada “negra demais” para ocupar o posto de musa do Carnaval da TV Globo. Assim que foi eleita, recebeu uma enxurrada de ataques racistas pela internet. Já o racismo velado mora na dispensa da atriz de seu posto sem uma justificativa da emissora.
Nayara, que fez uma participação especial no primeiro capítulo de Escrava Mãe, nova novela da Record, deu uma entrevista ao Programa do Gugu – exibido nesta quarta (1º) – e revelou detalhes de como o episódio a afetou profissional e psicologicamente.
“Eu me senti usada. Quando eu apareci, eu meio que dei uma levantada no título [de Globoleza], e depois me tiraram do posto. Não tenho revolta por terem me tirado, mas o problema é que eu não pude me defender das ofensas que recebi.”
E não foram poucos as ofensas racistas que a atriz recebeu assim que passou a estrelar famosa vinheta da Globo.
“Eu sofri muitos ataques pela internet. Muita gente fazia comparações com personagens que não eram legais. Me chamavam de macaco, Zé Pequeno, e por aí vai. Eu já tinha sofrido isso, mas não nessa proporção. Eu não tinha como me defender.”
Durante a entrevista, ela não demonstrou arrependimento de ter ocupado o posto de musa do Carnaval na TV – título que a tornou conhecida pelo grande público. No entanto, revelou que os ataques gratuitos deste mesmo público afetaram sua saúde mental.
“Eu não queria sair, não queria falar com as pessoas, chorava muito. Até hoje eu choro. Foi uma coisa que me marcou muito.”
Além de um quadro que a atriz define como depressão profunda, o episódio resultou também em problemas em sua carreira profissional.
“Antes de a minha vinheta ir ao ar, eu recebia muitos telefonemas de empresários. Depois, todos sumiram. As pessoas ouviam o que os outros diziam, mas não procuravam saber da verdade. A Nayara da Globeleza ficou um pouco diferente do que eu era. Não parecia a Nayara ali (na vinheta). Até hoje eu sinto que perdi muitos trabalhos por isso.”
Na conversa, a atriz disse ainda não ter ficado chateada por não recebido apoio ou ter sido tema de uma mobilização virtual, como ocorreu nos casos de ataques racistas com Maju e Taís Araújo.
“Teve o movimento “Somos todos Maju”, “Somos todos Taís Araújo”, mas não teve o movimento “Somos todos Nayara”. Mas isso aí não tem nada a ver com elas, eu admiro a coragem delas de expor o problema e lutar pelo racismo.”
Colorismo
O caso de Nayara, considerada “negra demais” para ser uma Globeleza, é exemplo de um tipo de discriminação que vai além do racismo. Baseada na rejeição de uma pessoa basicamente pelo tom da pele dela, essa discriminação é chamada de Colorismo (ou Pigmentocracia).
De forma direta, o termo carrega consigo a definição de que, quanto mais escura for a pele da pessoa negra, mais exclusão e discriminação ela irá sofrer em sua trajetória.
No vídeo abaixo (do canal Preta Pariu) e neste texto de Aline Djokic você confere mais detalhes sobre o que é o Colorismo e como ele se manifesta na sociedade brasileira.
Repercussão internacional
Em fevereiro deste ano, esse capítulo da vida de Nayara Justino ganhou repercussão internacional após uma reportagem especial em vídeo feita pelo jornal The Guardian, que você acompanha no player abaixo:
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A reportagem chegou ao conhecimento da atriz vencedora do Oscar, Lupita Nyong’o, que tem sido um ícone de representatividade negra em Hollywood. A atriz fez uma homenagem à brasileira em seu Instagram.
Além de divulgar a reportagem acompanhada de uma foto da ex-Globeleza, Lupita publicou um poema de Edgar Albert Guest, que tem uma mensagem de incentivo para que as pessoas sigam em frente apesar dos desafios do percurso.
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A seguir, você lê uma tradução do poema:
“Isso não podia ser feito:
Alguém disse que não poderia ser feito, mas ele respondeu com uma risada.
Que ‘talvez ele não poderia’, mas ele seria aquele que não diria isso até que ele tivesse tentado.
Assim, ele se dobrou à direita com o traço de um sorriso no rosto. Ele se preocupava que ele escondeu.
Começou a cantar, como se fosse a única coisa que não poderia ser feito, e ele fez isso!
Alguém zombou: ‘Oh, você nunca vai fazer isso;
Pelo menos ninguém nunca fez isso’;
Mas ele tirou o casaco e tirou o chapéu e a primeira coisa que sabia que ele tinha começado.
Com um elevador de seu queixo e um pouco de um sorriso, Sem qualquer dúvida,
Ele começou a cantar como ele abordou a única coisa que não poderia ser feito, e ele fez isso.
Há milhares de pessoas a dizer-lhe que não pode ser feito, há milhares que profetizam o fracasso,
Há milhares de recordar-lhe um por um, os perigos que esperam para atacar você.
Mas só com um pouco de um sorriso, apenas tire o casaco e vá para ela;
Basta começar a cantar como você pode lidar com a única coisa que ‘não pode ser feito’, e você vai fazê-lo.”
Amauri Terto, HuffPost Brasil
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