Categories: Contra o Preconceito

O intrigante caso das “gêmeas silenciosas” e por que uma teve que morrer

Share

Preconceito, ostracismo, trauma, catatonia e hospitalização: o inquietante caso das gêmeas idênticas silenciosas e por que uma delas "precisou" morrer

June e Jennifer Gibbons (reprodução)

Metamorfose Digital

Com apenas três anos de idade, as gêmeas idênticas Gibbons começaram a recusar a comunicação e socialização com outras pessoas, desenvolvendo uma linguagem própria que era incompreensível até mesmo para seus pais. Unidas por um mundo estranho, bizarro e cheio de segredos, as meninas cresceram sob grande deboche e assédio escolar, o que contribuiu ainda mais a seu isolamento. Só seus diários e obras literárias perturbadoras ligavam as meninas de alguma forma com a realidade.

Durante a adolescência, as gêmeas deram rédea solta a sua frustração através de uma corrente de atos de vandalismo e incêndios provocados que acabaram com sua prisão. A imprensa as apelidou de “as gêmeas silenciosas” devido a sua estranha forma de comunicação.

Condenadas e encerradas em um centro psiquiátrico, sua vida deu uma guinada quando uma delas morreu em estranhas circunstâncias para libertar assim a outra de sua prisão e isolamento. Toda uma história apaixonante, insólita e extremamente inquietante que foi recolhida pela jornalista Marjorie Wallace, que nós contamos a seguir.

As gêmeas silenciosas

June e Jennifer Gibbons nasceram em 11 de abril de 1963 na ilha caribenha de Barbados. Seu pai, técnico da Força Aérea britânica, foi destinado a Gales logo depois que elas nasceram. A família passou a ser uma novidade exótica em Haverfordwest, um pequeno povoado do condado de Pembrokeshire, onde nunca havia morado uma pessoa negra.

Talvez por sua estreita relação, as gêmeas demoraram para começar a falar, brincando sempre entre elas. Com três anos de idade mal construíam frases curtas ou falavam com os adultos, mas seus pais não se preocuparam já que pareciam saudáveis e felizes. Quando as gêmeas foram à escola aos cinco anos, foram qualificadas como muito tímidas e um pouco excêntricas.

Sua união parecia impenetrável. Empenhavam-se em imitar e sincronizar seus movimentos, e sua linguagem adquiriu uma velocidade e fluidez tão surpreendente que deixou de ser compreensível pelo restante dos adultos. Só sua irmã menor, Rose, conseguia penetrar em seu mundo.

O terapeuta do colégio, Cathy Arthur, ficou fascinado por seu comportamento. Convencido de que a imitação entre elas chegava ao extremo.

– “Se uma caía a outra se atirava ao solo. Se uma não falava, a outra também ficava quieta“.

Apesar disso, e de forma muito sucinta e pontual, as gêmeas se comunicavam com outros meninos da escola e eram aceitas e até queridas por suas extravagâncias pelos colegas.

Mas tudo mudou quando as pequenas tiveram que mudar de colégio aos nove anos. Seu pai foi destinado a servir em Brauton, um vilarejo ainda menor em Devon, Inglaterra. Ali as crianças da nova escola acharam que o comportamento das gêmeas era assustador e começaram a debochar delas com verdadeira sanha.

Alvo de todas as gozações

Elas eram as únicas meninas negras do colégio, não falavam com os outros, se imitavam o tempo todo e só se entendiam entre elas. Razões suficientes para que as crianças debochassem, maltratassem e intimidassem as gêmeas constantemente.

O assédio era tal, que a diretora recomendou que as gêmeas saíssem antes da aula para evitar coincidir com outras crianças durante a saída. Esta hostilidade contribuiu a que elas se isolassem ainda mais em seu pequeno mundo.

Aos 14 anos, os terapeutas recomendaram separá-las em diferentes escolas para tentar obrigá-las a socializar, mas cada vez que se afastavam uma da outra, entravam em estado catatônico no qual permaneciam imóveis durante horas.

Foi então quando June tentou se suicidar e as pequenas começaram a receber educação em casa, encontrando consolo na leitura e, sobretudo, na escrita.

Desenvolveram rituais próprios nos quais decidiam qual delas acordaria primeiro pela manhã, e respiraria primeiro enquanto a outra devia esperar segurando o ar.

Brincavam com bonecas durante horas e inventavam histórias de teatro que depois representavam. Inspiradas por uma novela que sua mãe lhes presenteou, as meninas começaram a escrever seus próprios diários. Foi então quando uma janela a seu mundo interno se abriu com um resultado muito inquietante.

– “Ninguém sofre como eu, não com uma irmã“, escreveu June em seu diário. – “Com um marido, sim; com uma mulher, sim; com um filho, sim; mas esta minha irmã é uma sombra negra que está me roubando a luz do sol, é meu único tormento“.

Por sua vez, Jennifer escrevia sobre suas inquietações.

– “Ela quer que sejamos iguais. Há um brilho assassino em seus olhos. Querido Deus, tenho medo dela. Não é normal… alguém está deixando minha irmã louca. Sou eu“.

Narrativa violenta

Animados por seu interesse literário, os pais inscreveram as meninas em 1979 em um curso de escrita criativa. Assim nasceram suas primeiras novelas.

Todas as histórias aconteciam em Malibu, Califórnia, uma terra que em sua mente se desenhava como exótica e romântica. No entanto, suas histórias versavam sobre jovens, violência, sexo, tabus e comportamentos criminosos.

No livro de June, “Viciado em Pepsi-Cola” o garoto mais popular da classe é sodomizado por um professor e depois condenado a um reformatório onde acabará sendo objeto dos abusos sexuais de um guarda.

No de Jennifer “A Boxeadora”, um médico salva a vida de seu filho matando o cão da família e transplantando seu coração. Ainda que o jovem se salve, o espírito do cão vive nele e cobra uma sangrenta vingança.

Também de Jennifer foi a obra “Discomania” onde uma mulher jovem descobre que o ambiente de uma discoteca local incita os clientes a cometer atos violentos.

Da ficção à realidade

Ainda que tenham tentado publicar suas obras literárias, não conseguiram porque as histórias, ainda que com a intensidade hitchcockiana, eram tão brutais que fariam Tarantino corar de vergonha. Então, o seguinte passo foi torná-las realidade colocando elas mesmas em prática.

Assim começaram a cometer roubos, ataques e incêndios. Mas o mais inquietante é que começaram a tentar se matar uma a outra. Apesar do que, sempre se perdoavam e continuavam inseparáveis.

Com 18 anos e depois de tentar queimar um bar, foram presas e condenadas a 14 anos de internamento em um centro psiquiátrico de alta segurança.

À beira da loucura

Presas junto a criminosos malucos violentos, violadores, psicopatas e sob a influência de muitos medicamentos e sedativos, as gêmeas deixaram de escrever novelas. Mas continuaram escrevendo seus diários onde registraram seu declive psicológico.

– “Convertemo-nos em inimigas mortais“, assegura Jennifer em seu diário. – “Sentimos os incômodos raios mortais emitidos por nossos corpos, golpeando a pele de outros. Pergunto a mim mesma se posso me desfazer de minha própria sombra, se é possível ou impossível. Sem minha sombra, morrerei? Sem minha sombra, obterei uma vida? Serei livre ou me deixarão morrer? Sem minha sombra, que identifico com uma cara da miséria, engano e do assassinato“.

Pouco a pouco desenvolveram uma grande animadversão entre si, se convencendo entre elas de que nenhuma poderia ser normal e feliz enquanto a outra vivesse. Se estavam separadas, sentiam falta em silêncio e em estado catatônico, mas, mal se viam, começavam a se atacar violentamente tentando se matar.

Durante esses anos começaram a falar com outros pacientes e enfermeiros, bem como com a jornalista Marjorie Wallace, que escreveu toda sua história. Sua relação seguia sem resolver, ainda que durante as terapias chegavam a falar com certa tranquilidade. De repente, Jennifer, a irmã 10 minutos mais jovem, confessou o seguinte a Marjorie:

– “Marjorie, Marjorie, vou ter que morrer“, e quando a jornalista perguntou o porquê, se limitou a explicar: – “Porque foi o que decidimos“.

Segundo confessaram mais tarde, fazia tempo que as gêmeas tinham chegado a um acordo pelo qual se uma delas morresse a outra deveria começar a falar e levar uma vida normal. Convenceram-se assim de que uma teria que se sacrificar, e Jennifer foi a escolhida.

Sozinha no mundo e livre ao fim

Em março de 1993, as gêmeas, depois de exames positivos, foram transladadas a um hospital de segurança mínima. Ambas entraram rindo na ambulância, mas ao chegar ao destino, Jennifer estava morta.

A autópsia revelou que não houve nenhum tipo de violência, nem lesões ou envenenamento. A morte aconteceu devido a uma miocardite aguda. June declarou que Jennifer tombou a cabeça sobre seu ombro, respirou e disse:

– “Por fim estamos livres“. Foram suas últimas palavras.

Alguns dias depois, durante a visita de Marjorie Wallace, esta lhe disse:

– “Por fim sou livre. Ao final Jennifer deu sua vida por mim“.

Jennifer foi enterrada e June cumpriu sua promessa de viver normalmente. Hoje fala com as pessoas, relaciona-se em comunidade e, no ano 2000, foi diagnosticada sem nenhuma desordem psiquiátrica.

A morte de Jennifer segue sendo um mistério, e em sua lápide é possível ler o poema escrito por sua irmã.

Uma vez fomos duas,
as duas éramos uma.
Não somos mais duas,
senão uma através da vida.
Descanse em paz.”

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook