Não entendeu a vitória de Rodrigo Maia? Cientista político explica o que houve
Não viu lógica nenhuma na eleição da Câmara que levou Rosso e Maia para o segundo turno e consagrou o candidato do DEM como vitorioso? Cientista político e pesquisador explica o que ocorreu
A eleição do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na madrugada da última quinta-feira (14), pôs do mesmo lado partidos e políticos que, até então, davam a entender que estavam em posições distantes e irreconciliáveis.
Depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, muitos esperavam que o ressentimento entre os que apoiam e os que se opõem ao impeachment fosse aflorar, premiando ou penalizando candidatos em função do alinhamento com esse assunto tão presente na agenda parlamentar e no debate público. Mas não foi o que aconteceu.
Parte dos parlamentares do PT de Dilma preferiu votar no primeiro turno em Marcelo Castro, que era candidato pelo PMDB do presidente interino Michel Temer, a apoiar nomes como o de Luiza Erundina (PSOL-SP) ou Orlando Silva (PCdoB-SP).
E no segundo turno petistas e integrantes do PCdoB depositaram votos em Rodrigo Maia, do DEM, partido até então chamado de “golpista” pelos apoiadores de Dilma.
Houve outros movimentos parecidos. Parte dos parlamentares do PMDB do presidente interino Michel Temer, por exemplo, preferiu votar no candidato do DEM a apoiar o peemedebista Castro.
Para tentar explicar a lógica do que ocorreu na Câmara, o jornal Nexo fez quatro perguntas ao cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para ele, “o embate foi entre a política tradicional e esse centrão amorfo representado pelo Eduardo Cunha”, e não entre direita e esquerda ou governo e oposição.
Por que o PMDB de Temer não apoiou o candidato de seu próprio partido na eleição da Câmara?
[Marcelo] Castro tem uma biografia. No começo desta legislatura ele foi indicado para ser relator da comissão de reforma política e foi se afastando do [então presidente da Câmara, Eduardo] Cunha e tomando posições autônomas. Depois ele aceitou ser ministro [da Saúde] do governo Dilma, e sua bancada votou a favor do impedimento de Dilma, mas ele mesmo, não. Castro se colocou à esquerda do PMDB. Com isso ele inviabilizou o apoio da própria bancada. Ele tem uma posição que destoa da bancada. Ele não representa a bancada atual. Por isso, não recebeu esses votos.
Por que parte do PT apoiou um candidato do DEM, chamado de golpista por eles?
O corte dessa votação não foi direita contra esquerda, nem de Dilma x anti-Dilma. O movimento foi muito mais de resgatar uma certa normalidade no interior do Legislativo, que havia sido perdida com a ascensão do Cunha e desse novo “centrão” suprapartidário que levou a Câmara a um desprestígio muito grande. O [Rogério] Rosso [deputado do PSD-DF derrotado no segundo turno por Maia] representava a continuidade disso. A minha impressão é a de que uma parte da esquerda viu no deputado Rodrigo Maia a possibilidade de resgatar a velha forma de operar politicamente dentro da Câmara, com os partidos tendo um pouco mais de importância, de forma que a política tradicional tivesse passagem. Então foi muito mais uma disputa desse tipo do que uma disputa entre “golpistas” e “não golpistas”. Foi outro alinhamento que se desenhou.
Por que partidos identificados com o campo de esquerda não se uniram em torno de Erundina?
É uma candidatura que não consegue avançar para além do nicho do próprio partido, talvez porque a Erundina esteja à esquerda do plenário. Ela até consegue um apoio ou outro, mas a esquerda ficou muito fragmentada – uma parte com o Marcelo Castro, outra com o candidato do PCdoB [Orlando Silva]. Além disso, há uma questão também de circunstância, pois ela lançou a candidatura fora de hora. Se tivesse feito uma articulação com mais tempo … então é a circunstância também. Ela acabou repetindo o problema do PSOL, que é um partido muito marcado no campo da esquerda, que não consegue transbordar para outros segmentos.
Explique a lógica que rege alianças numa eleição parlamentar e a lógica de oposição a um governo.
É preciso começar falando sobre o número de candidatos, 14, o que mostra a fragilidade dos partidos. Se você tem partidos fortes, que operam de maneira mais regular, faz acordos por cima e sai com, no máximo, três candidatos. Esse enorme número de postulantes mostra que essa é uma legislatura na qual os partidos perderam muita força.
O conflito esquerda x direita, golpistas x não golpistas parece que acabou superado por uma aliança diferente, que é a da política tradicional contra o “centrão”, sendo a política tradicional representada por aquela velha elite política que acha que controla o parlamento, que acha que o Congresso deve estar em mãos mais tradicionais; é, enfim, uma linhagem dos mais antigos.
O Cunha veio com um grupo suprapartidário que jogou com a emergência do “centrão” – que nós, antes, chamávamos de baixo clero -, que é essa geleia. Desde Temer, passando pela Dilma, pelo Lula e por lideranças partidárias, todos perceberam que era hora de dar um freio.
Não dá mais para continuar tendo uma Casa como a Câmara presidida por essa geleia que é uma confederação transpartidária que fazia muito mal à previsibilidade não apenas do trabalho legislativo, mas também da relação do Legislativo com o Executivo. Foram dois anos de desorganização. A minha impressão é a de que o embate foi entre a política tradicional e esse “centrão” amorfo representado pelo Cunha. Além disso, muitos ficaram com medo do que poderia significar um aliado de Cunha [Rosso] presidir a Câmara numa hora dessas.