A sonegação de impostos é um problema comum a praticamente todos os lugares do mundo. Haveria uma forma de evitar que isso acontecesse? Qual será a melhor estratégia para impedir que as pessoas sonegassem tantos impostos? Confira a lição dada pela Noruega
A sonegação de impostos é um problema comum a praticamente todos os lugares do mundo. Pessoas físicas ou empresas por diversas vezes tentam achar brechas e oportunidades para evitar pagar o que os governos consideram justo.
Até mesmo alguns dos jogadores de futebol mais ricos do mundo, como Neymar e Messi, enfrentam problemas na Justiça por suspeita de evasão fiscal.
Mas haveria uma forma de evitar que isso acontecesse? Qual será a melhor estratégia para impedir que as pessoas sonegassem tantos impostos?
O Brasil, por exemplo, é o segundo país onde as pessoas mais sonegam impostos, segundo uma pesquisa da Tax Justice Network (rede de justiça fiscal, em tradução livre, organização internacional independente londrina que analisa e divulga dados sobre movimentação de impostos e paraísos fiscais).
De acordo com o estudo, só em 2010 o país somou US$ 280 bilhões em dinheiro não arrecadado por causa de evasão fiscal.
A Noruega tem uma lição sobre isso. A “tática” do país nórdico é a transparência total de seus contribuintes. Lá, todos têm acesso a informações sobre o quanto qualquer cidadão do país recebe de salário e o quanto paga de imposto. Seria uma forma de usar a própria sociedade para fiscalizá-la.
A prática, porém, não é replicada em muitos países e gera críticas principalmente sobre a questão da segurança – se todos conseguem saber quem são os mais ricos de um país, esses podem ser um alvo fácil da criminalidade.
Sem segredos
Em Oslo ou em qualquer cidade da Noruega, antes mesmo da era digital já era possível saber detalhes sobre as finanças de outros cidadãos. As pessoas podiam solicitar informações na prefeitura e obtinham respostas em pouco tempo.
Hoje é ainda mais fácil para noruegueses descobrir quanto seus colegas ganham. Basta acessar o sistema na internet.
“Eu já chequei quanto ganham meus colegas e meu chefe”, disse à BBC Vera Lazanbatuna, jovem filipina que trabalha em uma empresa de tecnologia em Oslo.
Vera conta que, no início, ela estranhou ser possível fazer isso – no país de origem dela seria algo impensável. A jovem afirma, no entanto, que essa simples possibilidade traz “uma sensação de poder, porque te permite entender o quanto você pode ganhar.”
Isso ajuda a explicar por que a diferença salarial entre homens e mulheres na Noruega é uma das menores do mundo.
Há outras medidas que colaboram com a igualdade de gênero em termos de salário, mas a transparência é um fator de peso. Até porque há casos em que mulheres se deram conta de que ganhavam menos que homens para desempenhar a mesma função e descobriram isso checando essas informações no sistema.
Os próprios sindicatos publicam listas detalhadas dos valores pagos a cada empregado(a), evidenciando eventuais distinções de gênero.
“Nas duas vezes em que me dei conta de que estavam pagando menos para mim do que para um homem na mesma função, falei com meus chefes e eles mudaram isso.”
Quando eles se tornaram tão ‘cristalinos’?
Na Biblioteca Nacional de Oslo é possível encontrar um livro de capa dura cuja primeira página está cheia de publicidade.
É o registro de toda a informação básica tributária de todas as pessoas que viviam na região de Oslo em 1918: nomes, endereços, renda anual e quantidade de impostos pagos.
Como disse Einar Lie, professor de História Econômica da Universidade de Oslo, essa prática é tão antiga quanto a história do país.
“O primeiro imposto estatal que tivemos foi um pouco depois de a Noruega ter sido fundada como nação. Antes, ela era parte da Dinamarca, até a guerra de Napoleão”, explicou Lie.
Em 1814, a Noruega ganhou sua própria Constituição, Parlamento, governo, finanças estatais e, portanto, seus próprios impostos.
“O primeiro imposto arrecadado foi para fundar o Banco Central da Noruega, e a lista com detalhes dos pagamentos das pessoas foi publicada. Na segunda metade do século 19, a prática foi regulamentada: por lei, assustos tributários precisariam ser públicos”, afirmou Lie.
Por que revelar algo que tantos ocultam?
A motivação para ser transparente era gerar confiança das autoridades no país nascente.
“Nas primeiras décadas, recomendava-se que a informação fosse anunciada em voz alta, porque muita gente não sabia ler e escrever. Então a pessoa responsável lia as informações financeiras de cada habitante na praça.”
Se a ideia original era evitar que se desse um tratamento especial aos ricos e que funcionários do governo se corrompessem, a estratégia parece ter dado resultado: a Noruega é um dos países menos corruptos do mundo.
Lie opinou: “Isso deve ter influenciado nos valores que temos sobre igualdade de salários. A Noruega é um país onde as diferenças sociais são muito pequenas e acho que a transparência nas informações deve ter sido importante para isso.”
“Debatemos intensamente os salários dos executivos, que devem ser justificados, e são mais baixos na Noruega que em qualquer outro país europeu”, indicou.
O que dizem os chefes?
É difícil imaginar que muitos executivos ou donos de empresas queiram que seus empregados tenham acesso total a dados sobre seus lucros e rendimentos.
Para recorrer à opinião de personagens mais ricos, bem-sucedidos e mais bem pagos, a BBC foi à Conferência Anual das maiores organizações empresariais da Noruega.
Aqui está uma amostra de três das respostas da grande maioria dos representantes presentes sobre a pergunta: você acha que é uma boa ideia a divulgação pública de registros de rendimento e impostos em seu país?
– Eu gosto da transparência. Realmente, acho que pagar impostos é a coisa mais importante que uma pessoa pode fazer para a sociedade.
– Acho que a transparência é algo bom. Evita que os salários dos gerentes cheguem a níveis absurdos. Mas o lado ruim é que ajuda os criminosos a escolher as famílias mais ricas como vítimas, e temos visto um pouco disso.
– Isso evita que haja pessoas que recebam salários astronómicos. Se há uma discrepância de 50 ou 100 ou 150 vezes entre o salário mais alto e o mais baixo, isso é absurdo. E se você está recebendo esse salário astronómico e acha que está tudo bem, terá de ser capaz de admiti-lo e justificá-lo. É algo que me parece justo.
Um modelo replicável?
Se isso que você está lendo te deixa um pouco surpreso, talvez a pergunta que esteja fazendo seja: será que todos os países do mundo poderiam replicar a ideia que tem dado certo na Noruega?
Para o professor de Antropologia da Universidade de Oslo Thomas Eriksen, a chave está em questões que estão muito arraigadas na cultura.
“Tem a ver com a igualdade, que é algo muito forte na Noruega por razões históricas e também com a influência profunda do luteranismo: a ideia de que tudo deve ser aberto, que não pode haver segredos, porque se você tem segredos, é porque tem algo que quer esconder.”
Segundo ele, um dos aspectos negativos dessa liberdade de informações é que ela fez a Noruega ser um país menos propenso a riscos, onde se sobressair aos outros é considerado um problema. Na opinião de Eriksen, “há um certo desdém das pessoas pelo sucesso dos outros, uma certa cultura de ‘inveja'”.
Talvez – mas também o país tem muito de “invejável”.
E quão viável é para outros países mudar seus costumes? Isso vai depender provavelmente de quão distantes eles estão culturalmente de uma sociedade como a norueguesa e quão profunda precisaria ser a mudança de caráter.
Jonty Bloom e Ruth Alexander, In Business, BBC
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