Documentos do governo dos EUA vazados pelo Wikileaks revelam o treinamento de Sergio Moro e mostram como os trabalhos do juiz federal e da Lava Jato sofrem influência daquele país. O informe cita ainda assessoria externa em 'tempo real' para os brasileiros
O WikiLeaks revelou um documento do governo dos EUA que mostra como a Lava Jato e os trabalhos do juiz federal Sergio Moro sofreram influência de agentes daquele País, que capacitam profissionais para o combate a “crimes financeiros e terrorismo”. O informe diz que os agentes norte-americanos influenciariam brasileiros a criar uma força-tarefa para trabalhar em um caso factual, que receberia assessoria externa em “tempo real”.
Segundo o comunicado, após o sucesso de um seminário sobre “crimes financeiros ilícitos” promovido pelo “Projeto Pontes” (bancado com recursos dos EUA), cursos de formação em São Paulo e Curitiba foram solicitados por juizes, promotores e policiais brasileiros interessados em aprofundar o conhecimento sobre como, por exemplo, arrancar, de maneira prática, revelações de acusados de lavagem de dinheiro e outras testemunhas.
Sergio Moro participou do seminário na condição de palestrante, em outubro de 2009, expondo de acordo com o telegrama recebido pelos governo dos EUA, as “15 questões mais frequentes nos casos de lavagem de dinheiro nas cortes brasileiras”.
Antes de Moro, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, também fez uma apresentação que “ofereceu um paronama da história legislativa e política da legislação brasileira para lavagem de dinheiro e atividade de finanças ilícitas”.
Dipp foi contratado, posteriormente, pelo escritório que defende executivos da Galvão Engenheira na Lava Jato para contestar no Supremo Tribunal Federal a validade da delação premiada de Alberto Youssef, posto que o doleiro já havia firmado acordo de cooperação no âmbito da Operação Banestado, e descumprido as regras impostas praticando novos crimes.
O treinamento
“Apresentadores norte-americanos discutiram vários aspectos relacionados à investigação e ao processo de casos de finança ilícita e lavagem de dinheiro, incluindo cooperação internacional formal e informal, ocultação e desvio de patrimônio, métodos de prova, esquemas pirâmide, delação premiada, uso de interrogatório direto como ferramenta e sugestões de como lidar com ONGs que se suspeite que sejam usadas para financiamentos ilegais”, descreve o documento após citar a participação dos magistrados brasileiros no seminário.
Um dos pontos altos do treinamento foi a “simulação de preparação de testemunha e interrogatório direto”, que contou com partipação majoritária de brasileiros que operam“exclusivamente na vara federal especializada em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro criada em 1998, em conjunção com uma lei sobre lavagem de dinheiro. Procuradores e investigadores especializados levam seus casos de lavagem de dinheiro àquelas varas, que têm sido mais efetivas que muitas e têm enfrentado alguns dos casos mais significativos envolvendo corrupção e indivíduos de alto nível.”
Força-tarefa
O sucesso do seminário, segundo a visão dos estadunidenses, foi medido pelo pleito dos profissionais brasileiros por novos treinamentos.
“Os participantes elogiaram a ajuda em treinamento e solicitaram mais treinamento para coleta de provas, interrogatório e entrevista, habilidades em situação de tribunal e o modelo de força-tarefa. (…) vários comentaram que desejavam aprender mais sobre o modelo proativo de força-tarefa; desenvolver melhor cooperação entre procuradores e polícia e ganhar experiência direta no trabalho sobre casos financeiros complexos de longo prazo.”
Para os agentes do EUA envolvidos no projeto, “(…) há necessidade continuada de assegurar treinamento a juízes federais e estaduais no Brasil, e autoridades policiais para enfrentar o financiamento ilícito de conduta criminosa. (…) Idealmente, o treinamento deve ser de longo prazo e coincidir com a formação de forças-tarefa de treinamento. Dois grandes centros urbanos com suporte judicial comprovado para casos de financiamento ilícito, especialmente São Paulo, Campo Grande ou Curitiba, devem ser selecionados como locação para esse tipo de treinamento.”
As anotações vazadas pelo WikiLeaks indicam, ainda, que os agentes americanos pretendiam não só ensinar como se daria a formação de uma força-tarefa para um caso específico, mas incentivar que esse caso fosse transformado em “investigação real”, com “acesso” aos treinadores.
“Assim sendo, as forças-tarefas podem ser formadas e uma investigação real poderá ser usada como base para o treinamento que sequencialmente evoluirá da investigação à apresentação em tribunal e à conclusão do caso. Com isso, os brasileiros terão experiência em campo do trabalho de uma força tarefa proativa num caso de finanças ilícitas e darão acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio em tempo real.”
A delação premiada
Em matéria publicada pelo Consultor Jurídico (leia aqui), em maio 2009, antes do encontro do Projeto Pontes no Brasil, Sergio Moro compartilhou o que já aprendera, àquela altura, com juizes dos Estados Unidos sobre delação premiada:
“A primeira dica é nunca confiar em um criminoso. Para o juiz, é preciso lembrar que o delator tem um interesse próprio.”
“É importante também, segundo Moro, que promotores e juízes tenham uma relação transparente e honesta com o delator.”
“O acordo tem de seguir a lógica: ‘Acordo com peixe pequeno é para pegar peixe grande; com peixe grande é para pegar outros peixes grandes’, explica. Segundo Moro, nos Estados Unidos entende-se como acordo precioso aquele que tem efeito dominó.”
“(…) Sugestão de juiz dos Estados Unidos, citado por Moro, é pedir uma amostra ao delator com o compromisso de não utilizá-la, a não ser que haja acordo.”
“[Moro] afirmou que pode acontecer de o Ministério Público fazer uma ‘sondagem’ com o Judiciário para saber se o acordo seria validado. O juiz acredita que isso é válido, pois dá mais segurança.”
“Outra experiência que o juiz contou é de que, nos Estados Unidos, foi levada à Suprema Corte um caso em que delator grava declarações do investigado. Alguns sustentaram que isso era vedado, por entender que era autoincriminação. Os EUA, diz Moro, entenderam que o devido processo legal não protege quem confia na pessoa errada e que a autoincriminação só ocorre quando é feita diante de autoridade pública.”
A Agência Pública coleciona uma série de reportagens sobre os documentos do WikiLeaks que revelam os interesses dos EUA com cooperações técnicas em temas relacionados a segurança pública no Brasil. Há relatos que vão de doações de materiais para centros em São Paulo e Curitiba, à solicitação de recursos ao governo americano, para custear treinamento a brasileiros.
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