Caminhos traçados por políticos e empresários da Suécia revelam que "reformas trabalhistas" preconizadas por Michel Temer devem levar o Brasil de volta à Idade da Pedra Lascada
Claudia Wallin*, DCM
Estranhamente, e na contramão das reformas trabalhistas preconizadas pelo visionário governo interino do Brasil, parece que nem os políticos e nem os empresários da Suécia estão interessados em levar seu país de volta à Idade da Pedra Lascada.
“Não soa mais certo, em pleno 2016, trabalhar de 8 da manhã às 5 da tarde. Especialmente quando se sabe que grande parte deste tempo é desperdiçado na jornada”, diz Maria Westling, diretora da startup Brath – uma das várias empresas e municipalidades da Suécia que resolveram testar a jornada de seis horas de trabalho, na esteira da bem-sucedida experiência adotada desde 2002 pela fábrica da montadora Toyota na cidade de Gotemburgo.
“Trabalhamos três horas, almoçamos, e trabalhamos mais três horas. Seis horas por dia, com salário integral. Acredito que as pessoas trabalham de forma mais eficaz quando não se sentem esgotadas”, completa Maria, neste país que não por acaso aparece de forma consistente entre os primeiros do mundo no ranking de qualidade de vida – e também de competitividade.
O experimento sueco da jornada de 6 horas é um dos vários e agudos contrastes entre a realidade de um trabalhador na Suécia e no Brasil, onde o governo não eleito de Michel Temer prepara uma triunfante marcha a ré na evolução dos direitos sociais e trabalhistas conquistados ao longo da história do país.
O projeto Temer tem três frentes: a reforma trabalhista, para flexibilizar a CLT (empregadores e sindicatos poderão colocar em negociação, por exemplo, o parcelamento do 13° salário e a redução do intervalo de almoço de uma para meia hora); a reforma previdenciária (para aumentar a idade mínima de aposentadoria até o trabalhador estar prestes a pôr o pé na cova), e a regulamentação do processo de terceirização no país. E por que não, conforme chegou a sugerir o presidente da CNI, aumentar a atual jornada semanal de 44 horas para até 80 horas de trabalho.
Tudo a ser votado por quem não tem nada a perder, nem agora e nem na velhice: além das regalias de praxe garantidas aos políticos que batem ponto no Congresso Nacional, até ex-deputado tem direito a plano de saúde vitalício e ilimitado. No Senado, o dinheiro público chega a pagar a implantação de próteses dentárias com ouro: bancado exclusivamente pelo contribuinte, o plano de saúde cinco estrelas cobre todas as despesas médicas de senadores, ex-senadores e dependentes como filhos, enteados e cônjuges. Sem precisar fazer nenhuma contribuição – basta que tenha exercido o cargo de senador por 180 dias ininterruptos. Após a morte do titular, o cônjuge continua usando a carteirinha.
Pausa para regurgitar.
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Mas é tudo em nome de uma suposta dinamização da economia, argumenta-se. Bem, os suecos – por exemplo – iriam discordar.
Um sueco trabalha em média cerca de 38 horas por semana. Apenas 1% dos suecos trabalham mais do que 50 horas por semana – o que representa um dos mais baixos índices entre os países da OECD, onde esta taxa é de 13%.
Apesar disso, a Suécia aparece na sexta posição no Índice Global de Competitividade. Com um modelo de desenvolvimento e bem-estar social que converteu o país em uma das mais sofisticadas nações industrializadas do mundo: lembre-se que há pouco mais de cem anos, a Suécia era um dos países mais pobres da Europa.
Hoje, a experiência da jornada de seis horas é apenas mais um aspecto da obsessão nacional sueca com o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.
Por lei, cada trabalhador sueco tem direito a cinco semanas de férias por ano e 16 feriados públicos. Férias adicionais podem ser negociadas com o empregador.
“Se uma pessoa fica doente durante as férias, ela pode tanto estender o período de férias como tirar os dias em que ficou de cama em outra ocasião”, diz a brasileira Cynara Isacsson, que trabalha como assistente do departamento de economia de uma empresa sueca em Estocolmo.
Os salários são negociados através de cerca de 600 acordos coletivos, a maioria dos quais inclui um salário mínimo que é relativamente alto em comparação ao resto da Europa. Em casos de desacordo, a autoridade sueca de Mediação Nacional é responsável por mediar negociações entre sindicatos de patrões e empregados. A maioria dos trabalhadores suecos é filiada a sindicatos. No Brasil, menos de um décimo dos trabalhadores brasileiros sao sindicalizados.
O pagamento de horas extras também é regulamentado pelos acordos coletivos, e geralmente varia a uma taxa de 50 a 100% a mais do que o valor do salário normal.
Mais: a rede de proteção social e trabalhista é garantida por aquele que ainda é um dos mais generosos sistemas de bem-estar social.
Quando uma criança nasce na Suécia, os pais têm direito a uma licença parental remunerada de 480 dias. Deste total, 60 dias devem ser usados exclusivamente pelo pai, e outros 60 dias exclusivamente pela mãe.
As creches pré-escolares são largamente subsidiadas pelo governo, e os pais pagam apenas oito por cento do custo mensal.
A partir do momento em que nasce, cada criança recebe um subsídio mensal do governo no valor de 1.050 coroas suecas (aproximadamente 400 reais), até completar 16 anos de idade.
Após completar 16 anos de idade, cada criança passa a receber um subsídio mensal do governo no valor equivalente a 400 reais mensais, como assistência financeira enquanto completa seu período de estudos.
O tratamento dentário é gratuito para crianças e adolescentes até os 18 anos de idade. Eles também podem ter aparelhos dentários financiados pelo governo regional: quando os especialistas julgam necessária a correção dos dentes, o paciente recebe um “cheque saúde dos dentes” para custear os gastos com o ortodontista de sua escolha.
Quando as crianças têm problemas graves de visão, também é o governo regional que paga os óculos de grau. Para famílias com uma situação econômica extrema, os pais de crianças com deficiências de visão mais comuns podem contactar os serviços sociais, que então financiam os óculos.
O sistema de educação é financiado majoritariamente pela arrecadação de impostos, e a Suécia é um dos países que mais gastam neste setor.
Não existem mensalidades escolares. A partir dos seis anos de idade, todas as crianças têm acesso gratuito à educação, que é obrigatória até o último ano do ensino médio. As escolas fornecem ainda todo o material escolar. A merenda escolar também é gratuita, e consiste em geral de um bufê que inclui dois pratos quentes e uma opção vegetariana, além de saladas, legumes, pães e frutas.
Se decidem cursar a universidade – que também é gratuita – os estudantes suecos têm direito a uma assistência financeira mensal, até completar os estudos. Esta assistência é composta por um subsídio de 3.066 coroas suecas (cerca de 1,2 mil reais) por mês, além de um empréstimo no valor de 6.710 coroas suecas (cerca de 2,6 mil reais) mensais. O prazo para o reembolso do empréstimo é o dia em que o ex-estudante completa 60 anos de idade.
O sistema de saúde é também amplamente subsidiado, e a taxa de internação em um hospital é de 80 coroas suecas (cerca de 30 reais) por dia. Existe ainda um teto semelhante para as despesas com medicamentos – o que significa que ninguém gasta mais de 1,8 mil coroas com despesas de saúde no período de um ano (cerca de 680 reais).
O sistema de seguro social sueco também inclui subsídios de auxílio-doença. Durante os primeiros 14 dias de afastamento do funcionário, cabe aos empregadores pagar o benefício. Nos casos de enfermidades com tratamento mais longo, o sistema paga o auxílio-doença durante um período máximo de 364 dias, no valor de 80 por cento da renda do funcionário. Após este prazo, o paciente tem direito a receber o auxílio-doença por um período adicional de 550 dias, num valor correspondente a 75 por cento de seus rendimentos.
Pais de crianças doentes também têm direito a receber subsídios a fim de permanecer em casa para cuidar dos filhos.
Portadores de deficiência têm direito a assistência pessoal e gratuita, incluindo transporte em táxis ou veículos especialmente adaptados. Para os idosos, também é oferecida assistência social a domicílio – com taxas cobradas de acordo com a possibilidade de cada um de pagar. Para idosos com recursos limitados, o serviço pode ser gratuito.
O sistema de aposentadoria sueco é constituído por três partes – uma pensão nacional, uma pensão trabalhista que é financiada pelo empregador, e um plano de previdência privada. Um total de 18,5 por cento do salário e outros benefícios tributáveis do trabalhador são destinados à sua aposentadoria pública. Deste total, 16 por cento vão para a conta de aposentadoria pública, cujo valor cresce de acordo com a evolução dos rendimentos e do desempenho da economia na Suécia. Os 2,5 por cento restantes vão para a chamada pensão premium, que varia segundo o desempenho dos fundos nos quais o trabalhador escolhe investir.
Para pessoas que tiveram pouco ou nenhum rendimento em suas vidas, há uma parcela menor da aposentadoria nacional, chamada de aposentadoria garantida. A finalidade é garantir a estas pessoas uma quantia mínima todo mês.
Já o seguro-desemprego é voluntário – ou seja, o trabalhador deve se inscrever em instituições específicas para ter direito ao benefício, e pagar uma mensalidade. Estas instituições são conhecidas como “A-Kassa” (Arbetslöshetskassor), e muitas são administradas por sindicatos. No pacote básico, a mensalidade é de 90 coroas suecas mensais (cerca de 34 reais).
Quando perde o emprego, um trabalhador pode receber o salário-desemprego por até 300 dias úteis. Nos primeiros 200 dias, o benefício é equivalente a 80 por cento do valor do antigo salário – a um teto máximo, porém, de cerca de 100 dólares por dia. Nos demais 100 dias, esta porcentagem cai para 70 por cento. Os trabalhadores que perdem o emprego e não são afiliados à A-Kassa podem, ainda assim, obter benefícios – mas somente a um nível básico, e não superior a cerca de 48 dólares por dia útil.
Para famílias mais pobres ou com problemas econômicos temporários, os governos municipais prestam assistência sob a forma de apoio financeiro com base em avaliações individuais. Este apoio inclui recursos para despesas básicas, com a finalidade de garantir um padrão de vida razoável para uma vida digna.
E ninguém fala em acabar com a educação gratuita – um dos alicerces fundamentais do salto dado pela sociedade sueca há um século.
*Claudia Wallin é radicada em Estocolmo e autora do livro Um país sem excelências e mordomias
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