Redação Pragmatismo
Juristas 14/Set/2016 às 16:29 COMENTÁRIOS
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A ignorância linguística e social de Cármen Lúcia

Publicado em 14 Set, 2016 às 16h29

A compulsão de aparecer bem em manchetes da grande mídia estimulou Carmen Lúcia a proferir uma significativa pérola. Ao assumir a presidência do STF, a ministra demonstrou ignorância linguística e, principalmente, profundo desconhecimento em relação às lutas sociais

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Wedencley Alves*, Jornal GGN

A ministra Carmem Lúcia representa aquele tipo de magistrado que, ao entender razoavelmente de Direito, dispensou-se de se preparar melhor intelectualmente para compreender a complexidade histórica e social dos novos tempos. Aliás, se é que isso serve de atenuante, esta parece ser uma marca não muito exclusiva dela no nosso STF.

Dada a frases de efeito, com o intuito de aparecer bem em manchetes, Carmem Lúcia saiu-se, recentemente, com um sofisma envolvendo as palavras “esperança” e “medo”. Regina Duarte, na sua alienação interessada, fez melhor. A ministra foi esperta. Sabia que o destempero contra o PT seria contemplado com boas citações na mídia. Foi o que aconteceu. Mas Carmem não se deu por satisfeita.

Esta dependência da mídia, própria de alguns juízes, é típica de uma sociedade da exposição, mas no Brasil esta patologia institucional se alça a níveis compulsivos. O prêmio Faz a Diferença, do Globo, do qual Carmem Lúcia foi “merecedora”, é o seu emblema.

Logo depois de ser confirmada para o cargo de presidenta do STF, Carmem Lúcia nos presenteou com sua maior pérola. Dizendo-se conhecedora da língua mátria, respondeu a uma repórter que preferia ser tratada como “presidente” – e não “presidenta” – por “ter estudado a língua portuguesa”.

Em alguns anos, Carmem Lúcia vai entender que cometeu, com isso, ao menos três deslizes. O primeiro contra a própria língua, que prevê o uso há mais de um século; o segundo, linguístico, porque, mesmo que nunca tivesse sido utilizada, ainda assim “presidenta” seria morfologicamente possível, além do que a neologização é um fenômeno – constitutivo – próprio das línguas; e o terceiro, possivelmente o pior deles, a demonstração de profundo desconhecimento em relação às lutas sociais de gênero.

A compulsão de aparecer bem na vitrine midiática das grandes corporações, lançando mão de provocação comezinha contra Dilma, prova de enorme desrespeito e desonestidade sofística, fez Carmem Lúcia não somente não admitir os dois usos – “presidente” e “presidenta” – mas simplesmente sugerir que Dilma não conhecia da língua. Enganou-se. Comparativamente, Dilma tem mais conhecimento vocabular, mais expertise linguística, e, principalmente, mais sensibilidade social.

Na composição do seu ministério, as mulheres foram contempladas – um avanço civilizacional importante para um país tradicionalmente machista – e tiveram papel condutor das políticas de gênero. Por tudo isso, Dilma foi uma integrante – ainda rara – da política nacional sensível à causa feminina e feminista. Trunfo que passa longe dos talentos de Carmem Lúcia.

Antes de assumir um cargo de tal importância, simplesmente, o de maior relevância jurídica no país, a ministra – ou ela preferiria ser chamado de “ministro” e ser bem prestigiada pelo chefe do Executivo que deplora as mulheres? – poderia passar por uma reciclagem em língua portuguesa, em conhecimento linguístico, e, talvez o mais importante, por um preparatório para entender os novos tempos, com ênfase em causas sociais que não podem mais ser ignoradas.

Tristes tempos estes que fazem coincidir sujeitos de discursos machistas à frente dos três poderes. É muita coincidência. Ou sintoma.

*Wedencley Alves é professor de pós-graduação da UFJF, doutor em Linguística pela UNICAMP e pós-doutor pela EHESS (Paris)

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