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Corrupção 30/Set/2016 às 17:12 COMENTÁRIOS
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Cerveró nega que Lula tenha tentado obstruir Lava Jato

Publicado em 30 Set, 2016 às 17h12

Nestor Cerveró nega que tenha recebido dinheiro a mando de Lula para desistir de delação premiada. Ex-diretor da Petrobras revela que ex-senador Delcidio do Amaral resolveu jogar no colo de Lula a responsabilidade pela tentativa de comprar seu silêncio

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Nestor Cuñat Cerveró (reprodução)

Cíntia Alves, Jornal GGN

Delcídio do Amaral é um dos principais delatores na ação em que Lula é acusado de tentativa de obstruir a operação Lava Jato. Após passar uma temporada na prisão por ter caído num grampo que comprova que ele ofereceu dinheiro e uma rota de fuga para Nestor Cerveró, Delcídio decidiu jogar no colo de Lula a responsabilidade pela tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras.

Para deixar a prisão e fechar um acordo de cooperação, Delcídio confessou à Lava Jato que pagou cerca de R$ 250 mil ao advogado Edson Ribeiro, que fazia a defesa de Cerveró. Esse montante saiu do bolso de Maurício Bumlai, filho de José Carlos Bumlai, que teria sido procurado pelo próprio Delcídio para “colaborar” com a operação cala-a-boca. O papel de Lula teria sido o de pedir a Delcídio que algo fosse feito para evitar que Bumlai caísse na delação de Cerveró.

Mas o depoimento de Cerveró à força-tarefa mostra algumas incongruências nessa denúncia. A começar pela teoria que ainda não ganhou espaço na imprensa tradicional, talvez por favorecer a defesa de Lula: a de que Delcídio estaria pagando o advogado Edson Ribeiro para impedir Cerveró de fechar qualquer acordo com a Lava Jato – principalmente se fosse para implicar o ex-senador.

A teoria tem base na gravação do depoimento de Cerveró, feita pela operação Lava Jato e entregue ao Estadão para publicação.

A partir dos 23 minutos, o ex-diretor da Petrobras comentou o caso de tentativa de obstrução deixando claro que nunca recebeu dinheiro para não fazer delação, ao contrário de seu advogado. Ele também negou que Lula tenha participado da operação de Delcídio.

É uma histórica cumprida. Durou um ano e tanto, desde que fui preso, em novembro de 2015. Meu advogado [Edson Ribeiro] sempre insistiu que eu não deveria fazer delação. Como com Delcídio sempre tive amizade, falei para meu filho [Bernardo Cerveró] que iria procurar Delcídio e outros, mas na época ele estava com expressão grande, era líder do governo… Delcídio disse que iria resolver. Ofereceu ao meu filho algumas parcelas que nunca foram entregues, a não ser a primeira, que foi paga diretamente por Delcídio a meu filho, que repassou ao Edson, 50 mil reais.”

Cerveró contou que durante todo o tempo em que ficou preso, não via possibilidade de acordo com a força-tarefa de Curitiba, nem seu advogado teria feito qualquer esforço para conseguir algo com a Procuradoria Geral da República.

Após ser condenado pelo juiz de primeira instância, Sergio Moro, ele contratou outro escritório que passou a fazer as tratativas com um procurador identificado como “Miller”, que pode ser Marcello Paranhos de Oliveira Miller, membro da força-tarefa em Brasília.

“A gente assinou um acordo de confidencialidade, mas os procuradores diziam que as informações que eu trazia já eram de conhecimento. Ao mesmo tempo, Edson insistia que não poderia entregar o Delcídio. Porque o meu filho apresentou o Delcídio ao Edson, e o Edson ficou muito entusiasmado com essa proximidade de governo. Ficou especulando acordos e me trazendo essa informação de que não deveria envolver o Delcídio nas delações porque eles conseguiriam me soltar. Só que o negócio não acontecia.”

Então, o escritório que assumiu a defesa orientou Bernardo Cerveró a gravar uma conversa com Delcídio para oferecer à Lava Jato como moeda de troca. “Ele se armou de vários gravadores. Eu falei para o Edson que precisava falar com o Delcídio, que eu precisava de uma solução. Edson marcou a reunião com Delcídio, e meu filho gravou.”

Na conversa, Delcídio se complicou: ofereceu dinheiro, uma rota de fuga cinematrográfica e influência junto a ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para conseguir um habeas corpus para Cerveró.

“Mas eu nunca cogitei fugir. Tudo isso foi fruto da gravação do Bernardo, porque isso nunca me foi dito. Nunca me foi oferecido dinheiro para ficar quieto. Isso foi oferecido nessa reunião [entre Delcídio, Edson Ribeiro, Bernardo Cerveró e um assessor do ex-senador, Diogo Ferreira].”

Cerveró apontou que o favorecido pela espécie de suborno oferecida por Delcídio foi o advogado. “Na verdade, o dinheiro foi oferecido para o meu advogado. Ele iria receber 4 milhões e minha família, uma mesada de 50 mil reais”, disse Cerveró, que ainda acrescentou: “O Bernardo nunca recebeu dinheiro. Houve pagamento para o meu advogado, do Maurício [Bumlai], mas isso nunca me foi dito.”

E seguiu o diálogo até que Cerveró disse que nunca chegou a ele que Lula estaria mexendo os pauzinhos por trás das ações de Delcídio para ajudar Bumlai ou quem quer que seja:

Lava Jato: Qual o interesse de Delcídio que o senhor não celebrasse o acordo de colaboração?

Cerveró: Para não colocar o nome dele. Isso é o que consta, e não só isso, mas ao longo do processo o Edson disse várias vezes que eu não deveria citar o Delcídio.

Lava Jato: E qual o interesse do ex-presidente Lula?

Cerveró: Eu não tenho… Nunca foi mencionado nada do Lula comigo, nem com o Bernardo.

Lava Jato: E o interesse do Bumlai?

Cerveró: Do Bumlai, eu não sei. (…) Também estive compartilhando a cela com Bumlai e nunca houve uma manifestação explícita sobre isso.

O passado de Delcídio

No final das contas, Delcídio foi pego em fragrante tentativa de obstruir a Justiça e decidiu colaborar com a força-tarefa atribuindo a Lula o comando do chamado Petrolão e pela compra do silêncio de Cerveró. Qual o interesse de Delcídio em responsabilizar o ex-presidente por um crime que ele confessou ter cometido? A resposta é: todos.

Delcídio foi diretor na Petrobras durante o governo FHC. Cerveró, que destacou “amizade” com o ex-senador, disse que foi seu “subordinado” desde 1999. Ele afirmou que Delcídio usava o cargo para forjar caixa dois de campanha em benefício próprio.

Quando Lula foi eleito, em 2002, “coincidentemente” Delcídio conquistou uma cadeira no Senado pelo Mato Grosso do Sul, onde o PT também passou a governar com Zeca, mais conhecido como Zeca do PT.

Delcídio, então, disse a Cerveró que eles poderiam usar o prestígio que o governador Zeca conquistou dentro do PT para pedir apadrinhamento para um cargo no primeiro escalão da Petrobras. Cerveró acabou na Diretoria Internacional, que era o “patinho feio” da estatal, com orçamento de 15 bilhões de dólares para cinco anos de trabalho.

No primeiro vídeo do depoimento, Cerveró disse que Delcídio foi o primeiro e único petista que lhe pediu diretamente desvio de recursos da Petrobras para bancar sua campanha. Acompanhe por volta dos 27 minutos e 30 segundos:

Lava Jato: Sua nomeação para a diretoria visava a obtenção de vantagens. Como se davam essas arrecadações, como elas funcionavam? Trace uma linha desde 2003 até o final…

Cerveró: Não tinha termo estabelecido em termos de percentuais ou arrecadação. Como falei, meu patrocinador, o Zeca, nunca me pediu nada. (…) O primeiro pedido de arrecadação surge na eleição de 2006. (…) O Delcídio já vinha fazendo caixa. Ele foi candidato ao governo do Mato Grosso do Sul em 2006. Ele me pediu, que eu deveria contribuir para a formação desse caixa. (…) Eu acertei com ele, no final de 2005, que poderia contribuir com 2,5 milhões de dólares. Foi a primeira arrecadação de, vamos chamar assim, apoio partidário e político. Desses 2,5 milhões, 1,5 milhão foi parte da propina de Pasadena, sacrificando a minha parte. Depois a gente complementou com outras arrecadações até 2006. Outras arrecadações são as que constam em meus depoimentos, a principal é a Sonda Petrobras 10.000- sendo que aí a principal contribuição não foi mais para Delcídio. (Leia mais aqui)

Por volta dos 15 minutos e 30 segundos, a Lava Jato tentou fincar o conhecimento de Lula sobre os desvios praticados por alguns diretores da Petrobras desde o início de seu mandato. Foi quando Cerveró deixou claro que isso acontece desde o governo FHC, pelo menos, quando Delcídio também era diretor.

Lava Jato: Já na origem das nomeações, havia essa ideia de que os diretores seriam nomeados para arrecadar, então?

Cerveró: Isso é histórico na Petrobras e nas outras estatais. Isso não é um fenômeno surgido com Lula. Isso é uma tradição.

Lava Jato: Isso já vinha?

Cerveró: Sempre existiu. Não só na Petrobras, como na Eletrobras. Furnas temos o caso amplamente citado do Dimas [Toledo], que abastecia todos os partidos…

Lava Jato: Então o senhor já sabia que se fosse nomeado diretor de Gás ou da área Internacional, o senhor tinha que arrecadar para alguém?

Cerveró: (…) embora tenha sido Delcídio que tenha articulado minha nomeação, o responsável, o patrocinador final, o governador Zeca do PT, que nunca me pediu nada. (…) A não ser pedido para receber aliados políticos, nunca houve pedido explícito de apoio de campanha, vantagem indevida, nada por parte do Zeca.

Aos 17 minutos e quarenta segundos, outro diálogo com Lula no alvo. Aqui, Cerveró abriu para a interpretação de que Delcídio não tinha ponte direta com o ex-presidente. Precisou, além do patrocínio oficial do governador Zeca do PT, criar canais com ajuda de peemdebistas como José Sarney – que ganhou prestígio por ter ajudado Lula na relação com o PMDB – e José Dirceu.

Lava Jato: Em 2003, o senhor assumiu a Diretoria internacional. Qual foi o papel do Lula na nomeação do senhor?

Cerveró: O papel de referendar a escolha feita pelos assessores dele. O principal homem do governo, todo mundo sabe, era o ministro José Dirceu.

Lava Jato: O senhor disse que teve contato com Delcídio do Amaral, o governador Zeca do PT. Com quem mais o senhor teria mantido contato para que essa nomeação saísse?

Cerveró: Só com Delcídio. Não, agora lembrando, conversei com José Sarney. O Delcídio me recomendou. Ele disse que Sarney era um homem que Lula escutava muito. Ele disse que iria fazer uma recomendação para o Zé Dirceu. Mas foi uma gentileza, ele nunca foi meu patrocinador. Foi só uma sugestão do Delcídio conversar com Sarney.

O homem do PMDB

Por volta dos oito minutos e quarenta segundos do terceiro vídeo, Cerveró apontou que Delcídio começou a perder “prestígio” com o PT quando comandou a CPI que levou o partido a enfrentar o desgaste do Mensalão. Naquela época, o governo Lula teve de abrir as portas para aliados como PMDB e PP.

Em 2006, Ceveró foi procurado por um ministro do PMDB para mudar de patrocinador na Petrobras. Aí é que o esquema de desvios com vistas a abastecer caixa dois de campanha foi “institucionalizado”.

O mensalão mudou o cenário do poder. Delcídio ficou muito desgastado com o PT por ter sido o presidente da CPI. Nessa época, Dirceu já tinha sido afastado. Dilma tinha passado para a Casa Civil, e Silas Rondeau, para Minas Energia. (…) Eu fui procurado por ele em 2006, me dizendo o seguinte: que se eu quisesse continuar na Diretoria Internacional, eu passaria a ser um homem do PMDB também. Ou seja, não que eu tivesse que romper relações com Delcídio… (…) mas ele me disse que eu passaria a ser um patrocínio do PMDB no Senado. (…) Não só eu, mas o Paulo Roberto Costa [que foi indicado em 2004 para a Diretoria de Abastecimento pelo PP] também foi cooptado pelo PMDB.”

Lava Jato: (…) O senhor até então operava para o PT. A partir dali, era para arrecadar tanto para um quanto para outro. Quem deu o ok para isso?

Cerveró: Esse ok é negociado com a Presidência. (…) A partir do mensalão, PMDB passa a ser fundamental no governo Lula, então essa ‘sharing’, essa repartição no patrocínio, evidentemente era negociado a nível de Presidência.

Lava Jato: E essa repartição de arrecadação de propina fazia parte da política de arrecadação?

Cerveró: Isso se materializa no jantar que houve na casa de Jader Barbalho, com Renan Calheiros, eu, Paulo Roberto e Sergio Machado, que era homem do Jader e do Renan. (…) Ficaram definidos os montantes de apoio à eleição de 2006. Eu me comprometi e foi encaminhado ao PMDB no Senado a quantia de 6 milhões de dólares.

No quarto vídeo, a história caminhou para a saída de Cerveró da Petrobras, que passou pelo enfraquecimento do PMDB no Senado com o envolvimento de Renan Calheiros num escândalo envolvendo a Mendes Junior.

Cerveró contou a partir dos 13 minutos que ao mesmo tempo em que o PMDB no Senado perdia potencia, Lula tinha de levar à Câmara a questão da CMPF. Foi quando a bancada peemedebista na Casa então presidida por Michel Temer decidiu barganhar a Diretoria Internacional.

Menção a Temer

Cerveró, que já havia resolvido uma dívida do PT com o grupo Schahin com os contratos da sonda 10000 da Petrobras, conseguiu ajuda de Bumlai para conversar com Temer. Mas o hoje presidente da República disse que não podia deixar de atender a demanda da bancada que queria a substituição de Cerveró na Diretoria Internacional.

Quem anunciou a Cerveró a mudança foi o ex-ministro Edson Lobão, que teria dito que o acordo entre ele e Jader Barbalho para abastecer o PMDB no Senado chegara ao fim e que Lula estava de acordo com a alternância. Cerveró passou a trabalhar na BR Distribuidora sob influência do PP.

Ao longo do depoimento, Cerveró ainda disse que Lula tinha uma “visão internacionalista” da Petrobras e, por isso, acompanha de perto os investimentos da estatal.

Foi o suficiente para a operação Lava Jato assegurar que Lula sabia de todos os esquemas de corrupção, embora Cerveró tenha afirmado que, de sua parte, só conversou com o ex-presidente duas vezes: quando foi elogiado por ter aberto um escritório da Petrobras em Cuba e, outra, quando repreendido por ter fechado essa mesma sede.

Afinal, o que depreende-se do depoimento de Cerveró é que Delcídio tinha motivação clara para tangenciar a Lava Jato e jogar a bomba dos crimes que confessou no colo de Lula.

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