Professor de direito penal da UERJ citado em mais de 100 acórdãos no STF, ex-interlocutor de Sergio Moro afirma que a Lava Jato vive deslumbramento: “Acham que são os salvadores da pátria. É uma visão ingênua. Aí, os fins justificam os meios”. Acadêmico explica ainda por que rompeu com Moro e quando o juiz perdeu a imparcialidade
“Às vezes, Sergio Moro passa uma imagem de severíssimo, mas os empresários estão presos em suas casas, suas mansões. Brinco dizendo que talvez estejam com tornozeleiras eletrônicas douradas, cravejadas de diamantes”
De consultor informal da Lava Jato a atroz crítico da operação. A conduta adotada por um dos principais juristas da área processual do Brasil, Afrânio Silva Jardim, de 66 anos, demonstra o tamanho da decepção de parte do meio acadêmico com os últimos passos da principal “ação anticorrupção” da história do país.
Há pouco mais de dois anos, Jardim começou a trocar impressões com o juiz Sergio Moro, o responsável pela operação na primeira instância. Apoiava seus atos. Elogiava a importância das apurações. Mas as últimas ações da força-tarefa fizeram com que ele rompesse com o magistrado e se tornasse um dos principais críticos dos trabalhos que estão sendo conduzidos em Curitiba.
Não porque Jardim seja contrário ao combate à corrupção, mas por entender que boa parte do que tem sido feito não respeita as normas. Cita, por exemplo, a condução coercitiva de investigados, a prisão domiciliar de grandes empresários, a divulgação da gravação envolvendo os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, assim como a última denúncia apresentada contra o líder petista nesta semana. “Não é justo o que estão fazendo”, sintetizou o especialista. As informações são do EL PAÍS.
Autor de quatro livros, promotor de Justiça aposentado, livre-docente, professor de direito processual penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), jurista citado em mais de uma centena de acórdãos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, Afrânio Jardim diz que os procuradores da Lava Jato parecem viver um deslumbramento.
“O que vejo é que os colegas mais novos da Lava Jato estão meio deslumbrados. Agem messianicamente, acham que são os salvadores da pátria. É uma visão ingênua. Aí, os fins justificam os meios”, avalia.
O rompimento com Moro e o descontentamento com os rumos da Lava Jato deram-se exatamente quando interceptações telefônicas de Lula e Dilma foram divulgadas extemporaneamente em meados de março. Na ocasião, Jardim disse ao juiz que ali, ele havia perdido a imparcialidade que os magistrados precisam ter.
“Eu disse para ele que estava agastado, que ele estava me decepcionando. Ele respondeu que lamentava muito, que ficava triste. Não nos falamos mais, não trocamos mais e-mails”.
O curioso é que Moro, ao lado de outros 50 operadores de direito, é autor de um dos artigos que compõem a obra Tributo a Afrânio Silva Jardim, escritos e estudos, livro que terá sua terceira edição publicada até outubro. “Agora, ele deve estar constrangido. E eu também estou”, diz o homenageado.
Ainda com relação à atuação do juiz, Jardim afirma que estranhou a série de prisões domiciliares autorizadas por ele. A maioria dos empreiteiros que está detida responde a crimes cujo as penas são superiores a dez anos de prisão. A legislação, contudo, prevê que esse tipo de benefício domiciliar só pode ser concedido caso a punição seja inferior a quatro anos de reclusão ou se o processo já tiver sido julgado em todas as instâncias e a lei assim o autorizar, o que ainda não ocorreu em nenhum caso da Lava Jato.
“Às vezes, Sergio Moro passa uma imagem de severíssimo, mas os empresários estão presos em suas casas, suas mansões. Brinco dizendo que talvez estejam com tornozeleiras eletrônicas douradas, cravejadas de diamantes”.
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