Redação Pragmatismo
Justiça 23/Set/2016 às 13:01 COMENTÁRIOS
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Manipulação do interrogatório de Delcídio revela como a Lava Jato forma 'convicção'

Publicado em 23 Set, 2016 às 13h01

Interrogatório de Delcídio mostra como a Lava Jato forma sua convicção. Vídeo divulgado da delação premiada do ex-senador serve como um bom exemplo de como a força-tarefa usa a "teoria do fato" para colocar Lula no topo da pirâmide de toda a corrupção existente no Brasil

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Delcídio do Amaral (reprodução)

Cintia Alves, Jornal GGN

Em ‘Xadrez do não temos provas, mas temos convicções‘, artigo de Luis Nassif, consta a seguinte definição da teoria: “Antes de começar a investigar os investigadores montam uma hipótese de partida, e apegam-se a ela como se fosse matéria de fé. Julgam que qualquer correção da rota inicial poderá ser interpretada como erro. Insistindo na narrativa inicial, acabam forçando a barra, minimizando informações que não a confirmem, e forçando a busca de evidências que a reforcem.”

No caso de Delcídio – principal delator da Lava Jato contra Lula – essa ‘forçada de barra’ está estampada na maneira como o representante do Ministério Público Federal conduz o interrogatório.

Em diversos momentos, o interrogador não aprofunda denúncias que fujam de Lula – inclusive as que remetem ao governo FHC – e, quando faz perguntas sobre o ex-presidente, é sempre com a intenção de confirmar que ele sabia de tudo o que o ocorria na Petrobras, desde o início, e que a distribuições de cargos tinha um objetivo claro: arrecadar dinheiro para partidos.

De acordo com o Estadão, o depoimento ocorreu em parceria com a Procuradoria Geral da República, onde há investigações sobre organização criminosa e obstrução de Justiça envolvendo Lula.

Delcídio chamava o procurador constantemente de “doutor Januário”, que pode ser Januário Paludo. Segundo o portal do Ministério Público Federal, ele integrou a equipe da Lava Jato em Curitiba, coordenada por Deltan Dallagnol, e agora atua como “colaborador”.

O interrogatório

A primeira coisa que doutor Januário quis saber de Delcídio, dado seu protagonismo nos anos Lula e Dilma, foi a maneira como o governo foi configurado para acomodar aliados políticos a partir de 2003. Foi quando o ex-senador tentou explicar o impacto do mensalão (AP 470) no processo.

Segundo Delcídio, para facilitar a compreensão, o governo Lula precisava ser dividido em ‘duas etapas’. “Primeiro, quando começa o governo, o PT e partidos que apoiaram Lula desde o início – PL, PDT, PCdoB – eles, nos primeiros dois, três anos de governo Lula, tiveram protagonismo grande dentro da estrutura de cargos não só da Petrobras como de todo o governo. No caso específico da Petrobras, existia à época dois diretos, Renato Duque e depois o Nestor Cerveró. O Rogério Manso, que era diretor de abastecimento de Fernando Henrique Cardozo, continuou [mexendo com refinarias, oleodutos, comercialização de combustíveis]. Aparentemente era estranho que um diretor de abastecimento do governo FHC continuasse no governo Lula, mas houve acordo na época, com Antonio Palocci, no sentido de que Manso fosse mantido.”

O doutor Januário não quis saber detalhes do acordo para manter o ex-diretor de FHC na Petrobras. Prosseguiu questionando se já nos idos de 2003, os partidos que recebiam diretorias na estatal sabiam que podiam usá-los com ‘objetivos arrecadatórios’. É quando Delcídio volta a insistir na divisão do governo Lula em períodos antes e pós-mensalão, e deixa dois pontos bem claros:

1. A corrupção passou a ser “sistêmica” quando o PMDB entrou na jogada, para dar sustentação ao governo na crise do mensalão.

2. O esquema de pagamento de propina de empresários interessados em obter contratos vultosos já existia antes da chegada do PT ao poder.

Disse Delcídio: “Há duas etapas muito claras. Na primeira fase do governo, não havia essa movimentação ou essa operação do ponto de vista de estrutura de campanha. Podiam existir situações episódicas, mas não era operação sistêmica. Isso aconteceu de 2005 para cá, aí sim os diretores passaram a exercer protagonismo político e gerencial muito mais intenso que na primeira etapa. E porquê eu faço esse registro, se o senhor me permitir…”

Neste trecho, Delcídio foi interrompido pelo procurador, que sentenciou: “Mas era sabido, desde o início do governo, que os diretores nomeados deveriam arrecadar dinheiro para os partidos que sustentavam a base. Isso era sabido por quem? Essa é a pergunta.”

Delcídio respondeu e, a partir daí, passou a colocar suas falas nos trilhos que levam a Lava Jato a Lula.

“Nesse início”, comentou, “isso [o esquema na Petrobras com fins arrecadatórios era muito restrito. Era um grupo muito pequeno que tinha conhecimento ou ação sobre esse processo. O senhor viu que pela configuração que praticamente toda a diretoria da Petrobras [no início do governo Lula era puro-sangue, do PT. Era muito restrito à estrutura maior partidária e evidentemente à própria presidência da República e à presidente Dilma, que era ministra de Minas e Energia. Tudo passava por ela também. Quando houve esse movimento…”

O procurador novamente interrompeu para saber “quem fazia parte desse grupo restrito?” que tinha conhecimento de que o PT usava a Petrobras para formação de caixa dois de campanha.

No caso do PT, era o presidente do partido à época, e o tesoureiro, que era o Delúbio [Soares]. Lula participou ativamente dessas definições todas. A ação de Lula na Petrobras foi mais intensa, não só sob o ponto de vista da arrecadação, mas porque a Petrobras foi usada na agenda de desenvolvimento.”

Depois de listar Dilma, Lula, Delúbio e José Genoíno (que assumiu a presidência do PT após José Eduardo Dutra ser alçado ao comando da Petrobras), Delcídio ficou alguns segundos em silêncio e se corrigiu sobre Dilma: “Não sei se Dilma participou ativamente das indicações [dos cargos], não posso garantir, mas ela poderia presumir o que estaria por trás das indicações. Mas não sei se ela tinha total ciência da amplitude das ações dos diretores nomeados. Acredito que ela presumia.”

Havia então essa indicação, já no início do governo, de intuito arrecadatório. Assim: propina, é isso?Lula, então, sabia do que acontecia desde o início, questionou mais uma vez o procurador.

Delcídio, então, tentou concluir sua tese a respeito do impacto do mensalão no governo Lula. Disse que somente após a crise é que Lula admitiu que a ideia de José Dirceu de levar o PMDB para a base aliada do governo seria essencial a sobrevivência do mesmo. Inclusive para evitar um processo de impeachment. Quando PMDB e PP ganharam espaços antes ocupados por indicados do PT é que se ‘escancarou’ a corrupção na estatal.

Aí a máquina opera para atender partidos importantes da base para garantir a dita governabilidade. As coisas ficam mais escrachadas“, disse.

Mas emendou, em seguida, que “essa questão de arrecadação na Petrobras não vem desse governo. Vem de outros. Esse governo sistematizou e colocou as diretorias a serviço de partidos da base para garantir a sustentabilidade política do governo. Por que chegou a esse nível? Não só por razões políticas, mas porque a Petrobras foi usada como vetor de desenvolvimento do País. Entra o discurso do pré-sal, do modelo de partilha, do discurso do petróleo é nosso, não à privatização, do conteúdo nacional, das construções de estaleiros. Criaram um volume de projetos na companhia que ela se tornou a grande arrecadadora.”

Em suma, é pela importância dessa agenda para o sucesso do governo que Delcídio supõe que o ex-presidente sabia de tudo o que ocorria na Petrobras. “A Petrobras no governo Lula era espécie de ícone na estrutura de governo. Então merecia atenção especial e atuação particular dele no processo.”

E seguiu assim o diálogo:

Procurador: De que forma Lula comandava esse processo. Através de quem?

Delcídio: Na verdade, ele conversava com certa frequência com os diretores e o presidente. Eu tive muito pouco contato, estive em poucas reuniões. Mas quem fala com o presidente da República é o presidente da Petrobras, que não responde ao Ministério de Minas e Energia.

Procurador: E como se dava o processo arrecadatório de propina?

Delcídio: Isso era o partido que executava. Evidente que ele [Lula], como conversava com outros partidos, tinha acompanhamento em tempo real de como os partidos agiam na Petrobras. Ele tinha ciência. Não entrava na execução, mas ele sabia o que estava acontecendo.

Para sustentar sua tese, em outra passagem, Delcídio disse que as substituições na Petrobras ocorriam quando as lideranças partidárias informavam seus interesses ao chefe da Casa Civil. “Este agendava reunião com Lula para discutir os temas. Petrobras não tem como não passar pelo presidente.”

Tanto que “Lula tinha conhecimento de quanto cada diretor arrecadava“, aponta Delcídio, no caso do PT. “Dos outros partidos, uma ideia dos valores, até porque ele conversava com os empresários. Ele tinha uma noção pelo tamanho dos negócios, mesmo não tendo detalhes.”

Delcídio, nesse depoimento, também qualificou o Petrolão como um esquema com o objetivo de “perpetuar o PT no poder“, exatamente como fizeram os procuradores da Lava Jato na denúncia contra Lula no caso do triplex.

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O procurador só se deu por ‘satisfeito’ quando Delcídio comentou os episódios do mensalão, da ameaça do impeachment de Lula e estendeu a corrupção sistêmica do PT e aliados para outros setores, como o de energia, com o PMDB reina desde que chegou à base aliada. O mesmo argumento foi usado pelo MPF quando da criação da “propinocracia“.

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