Redação Pragmatismo
Juristas 30/Set/2016 às 12:50 COMENTÁRIOS
Juristas

13 a 1: o voto corajoso de um desembargador contra Sergio Moro

Publicado em 30 Set, 2016 às 12h50

É pior que 7 a 1. Na Justiça, a lei perde de 13 a 1. Confira a íntegra do voto corajoso do desembargador que não abaixou a cabeça para Sergio Moro

Rogerio Favreto desembargador sergio moro
Rogerio Favreto, desembargador federal (reprodução)

Fernando Brito, Tijolaço

Não é possível, e em escala muito mais grave, esconder o sentimento de vergonha ao ver um tribunal referendar, por 13 votos a um, a ação ilegal de um magistrado, como foi a de Sergio Moro ao divulgar as escutas ilegais que recebeu da Polícia Federal, onde não apenas extrapolou aquilo que tinha autorizado , mas coonestou a escuta ilegal do telefone da então Presidenta da república, Dilma Rousseff.

No entanto, foi o que fizeram os desembargadores federais do TRF-4, dando licença para que, a critério de Moro, este possa decidir agir ilegalmente quando achar que isso é para “o bem” da Lava Jato. Ou, melhor dizendo, para o bem dos seus inescondíveis desejos políticos.

Ao menos, embora de pouco consolo sirva, houve o “gol de honra” – honra, mesmo – de um único desembargador, que não se vergou à ditadura linchatória que parece ter se instalado no Judiciário. O desembargador federal Rogério Favreto, único membro da Corte Especial daquele tribunal a votar pela abertura de processo disciplinar contra o juiz Sergio Moro, merece, por isso, ter trechos do seu voto solitário transcritos, com grifos meus.

Para que, pelo menos, a gente possa achar que ainda há juízes no Brasil. Leia abaixo.

O magistrado [Sergio Moro], como se vê, defende posição contrária à proibição em abstrato da divulgação de dados colhidos em investigações. Todavia, essa tese, conquanto possa ser sustentada em sede doutrinária, não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio no tocante a conversas telefônicas interceptadas, cuja publicização é vedada expressamente pelos arts. 8º e 9º da Lei 9.296/1996.

O debate doutrinário é saudável. Todavia, não pode, porém, converter em decisão judicial, com todos os drásticos efeitos que dela decorrem, uma tese que não encontra fundamento na legislação nacional.

Ao assim agir deliberadamente, pode o magistrado ter transgredido o art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Outrossim, a tentativa de justificar os atos processuais com base na relevância excepcional do tema investigado na comentada operação, para submeter a atuação da Administração Pública e de seus agentes ao escrutínio público, também se afasta do objeto e objetivos da investigação criminal, mormente porque decisão judicial deve obediência aos preceitos legais, e não ao propósito de satisfazer a opinião pública.

Um segundo fator externo ao processo e estranho ao procedimento hermenêutico que pode ter motivado a decisão tem índole política. Mesmo sem juízo definitivo, posto que se está diante de elementos iniciais para abertura de procedimento disciplinar, entendo que seria precipitado descartar de plano a possibilidade de que o magistrado tenha agido instigado pelo contexto socio­político da época em que proferida a decisão de levantamento do sigilo de conversas telefônicas interceptadas.

São conhecidas as participações do magistrado em eventos públicos liderados pelo Sr. João Dória Junior, atual candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB e opositor notável ao governo da ex-­Presidente Dilma Rousseff.

Vale rememorar, ainda, que a decisão foi prolatada no dia 16 de março, três dias após grandes mobilizações populares e no mesmo dia em que o ex­-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi nomeado para o cargo de Ministro da Casa Civil.

Além disso, a decisão, no quadro em que proferida, teve o condão de convulsionar a sociedade brasileira e suas disputas políticas. Aliás, no dia dos protestos contra o Governo da Ex-­Presidente Dilma (13/03/2016), o próprio magistrado enviou carta pessoal à Rede Globo e postou nota no seu blog, manifestando ter ficado “tocado” pelas manifestações da população e destacando ser “importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas”.

Ora, esse comportamento denota parcialidade, na medida em que se posiciona politicamente em manifestações contrários ao Governo Federal e, ao mesmo tempo, capta e divulga ilegalmente conversas telefônicas de autoridades estranhas à sua competência jurisdicional. O Poder Judiciário, ao qual é própria a função de pacificar as relações sociais, converteu-­se em catalizador de conflitos.

Não é atributo do Poder Judiciário avaliar o relevo social e político de conversas captadas em interceptação e submetê-­las ao escrutínio popular. Ao fazê-­lo, o Judiciário abdica da imparcialidade, despe-­se da toga e veste-­se de militante político.

Com efeito, o resultado da divulgação dos diálogos ­ possibilitada sobretudo pela retirada do segredo de Justiça dos autos, ­ foi a submissão dos interlocutores a um escrutínio político e a uma indevida exposição da intimidade e privacidade. Mais ainda, quando em curso processo de impedimento da Presidenta da República, gerando efeitos políticos junto ao Legislativo que apreciava o seu afastamento.

Penso que não é esse o papel do Poder Judiciário, que deve, ao contrário, resguardar a intimidade e a dignidade das pessoas, velando pela imprescindível serenidade.

Leia também:
TRF-4 cria nova leitura da ordem jurídica após abrir exceção para Sergio Moro
Desembargador arquiva processo contra o juiz Sergio Moro
Juristas apontam série de erros na decisão de Moro que decretou prisão de Palocci
Jurista Lenio Streck tira Sergio Moro da zona de conforto

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook

Recomendações

COMENTÁRIOS