Livro aponta sucessão de erros da operação Lava Jato. Obra revela as muitas articulações que levaram ao poder um programa de governo que não recebeu apoio das urnas
Hylda Cavalcanti, RBA
Mesmo tendo obedecido aos trâmites – os constitucionais e alguns outros, impostos pelo Judiciário – e sido aprovado pelo Congresso, o processo de impeachment que levou à deposição da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rousseff (PT), continua sendo alvo de protestos no país. As manobras de bastidores do grupo opositor para a concretização do impeachment, além de ter sido parte de uma ampla estratégia traçada para levar ao poder um governo mais comprometido com forças conservadoras e grupos econômicos, sem a aprovação das urnas, continuam a provocar debates e manifestações públicas contra o presidente Michel Temer. Em uma edição ampliada de seu livro, A Outra História da Lava-Jato, o jornalista Paulo Moreira Leite contribui para o esclarecimento dos fatos, sobretudo de como se deu a articulação entre políticos e empresários para derrubar Dilma.
Os relatos estão abrigados sob o título de ‘O Golpe’. Nele, num preciso trabalho de investigação e análise, o autor identifica os primeiros sinais das ofensivas contra a democracia brasileira já em 2005, quando das primeiras denúncias acerca do que passou para a história como o caso do Mensalão, sobre o qual também produziu um livro reportagem – A Outra História do Mensalão.
Paulo Moreira Leite destaca as massivas e seletivas campanhas midiáticas, uma das principais forças que forjaram o golpe, e que, desde as manifestações de junho de 2013, de forma seletiva, “implantaram no imaginário das pessoas que esse processo teria o objetivo de ‘limpar’ a República“.
Ele destaca também a ação seletiva e politizada da força tarefa da Operação Lava Jato e aborda fragilidades jurídicas da operação que, a seu ver e na opinião de muitos juristas e especialistas, “se transformou em uma operação contra a democracia“.
“A Lava Jato funcionou como um golpe de misericórdia num tripé socioeconômico que deu sustentação aos processos ocorridos em 2005 e 2015. Este pacto triangular reuniu o governo, as empresas e as grandes massas de trabalhadores, em especial as camadas superexploradas de assalariados“, avalia.
“O Golpe” se encerra com a conclusão, pelo jornalista de “já evidentes sinais de fraqueza do governo Michel Temer” que, a partir de sua posse, submete o Estado a um regime que pode ser chamado de ‘golpismo de coalizão’. Um sistema que, “apresenta todos os defeitos do presidencialismo do mesmo nome, acrescentando-se um traço grave e fundamental – o desrespeito à soberania popular“.
De acordo com Moreira Leite, diretor do site Brasil 247, o objetivo da obra é analisar e compreender os fatos que levaram ao agravamento da crise política e ao aprofundamento da recessão econômica que o país atravessa.
“Paulo Moreira Leite faz uma reflexão indispensável sobre a jurisdição no Brasil“, afirma o jurista e acadêmico Pedro Estevam Serrano, ao falar sobre o livro. Serrano destaca, em artigo recente publicado na revista Carta Capital, que a possibilidade de realizar uma análise crítica da atividade de todas as instituições que regem a vida em sociedade e, sobretudo, das decisões adotadas no âmbito da Justiça, é, sem dúvida, “aspecto fundamental de uma vida verdadeiramente democrática no mundo contemporâneo“.
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“A eficiência do combate à criminalidade é sempre relativa e, em seu nome, muitas injustiças são produzidas. Assim, a obra de Paulo Moreira Leite avança para contribuir com a percepção e denúncia dos mecanismos de exceção que têm sido empregados no interior das democracias ocidentais e, sobretudo, da América Latina, respaldadas ou até mesmo protagonizadas pelo Judiciário“, completa Serrano.
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