O isolamento de Michel Temer no encontro dos BRICS
Isolamento de Michel Temer nos BRICS chama atenção da imprensa internacional. Presidente do Brasil foi o único a não ser recebido por Putin em Goa
A julgar pelas declarações à imprensa brasileira feitas na noite de terça-feira, 18, horário local, em Tóquio, no Japão, o presidente Michel Temer teve um caloroso encontro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante a cúpula dos BRICS realizada no fim de semana em Goa, na Índia.
Mas a realidade foi diferente: o brasileiro foi preterido pelo russo, sendo o único dos chefes de Estado e de governo do grupo a não ter tido um encontro bilateral com o chefe do Kremlin. As informações são da Agência Estado e de agências internacionais.
Em diplomacia, a reunião bilateral é uma deferência política ou um gesto de proximidade e, não raro, de simpatia entre dois dirigentes políticos.
O russo se reuniu em Goa com o presidente da China, Xi Jinping, com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e com Jacob Zuma, presidente da África do Sul, mas não concedeu seu tempo a Temer durante os dias de permanência dos dois líderes na cidade indiana.
“Estranho no ninho”
Segundo o principal canal de comunicação da Rússia, o RT, a escolha de não se reunir com Temer seria por não se aproximar do presidente brasileiro após a “mudança brusca”, como se referiram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Ainda de acordo com o canal, os líderes dos Brics prestam “muita atenção” em Temer para tentar entender quais serão os rumos políticos do Brasil a partir de agora.
O jornalista brasileiro Pepe Escobar, da RT, escreveu que Putin deu um sinal claro ao manter Temer longe da reunião. “Eles conversaram brevemente sobre as ‘reformas’ econômicas do Brasil — sinônimo do choque neoliberal em curso”. Temer deu provas de estar “alinhado com Washington”, afirma Escobar.
Mentira
Apesar de ter sido desprezado por Putin, ao falar com jornalistas brasileiros Michel Temer sugeriu que teve momentos de boa aproximação com o presidente russo.
Leia o que escreveu o enviado especial do Estadão ao encontro dos BRICS:
“Em seu primeiro pronunciamento aos jornalistas brasileiros, Temer não se referiu à falta de encontro com Putin, mas insinuou, ao contrário, uma certa aproximação com o líder russo. Ao ser questionado sobre como os líderes estrangeiros haviam reagido em relação à aproximação da PEC sobre o limite de gastos do orçamento, Temer afirmou: “Não só o ministro indiano se interessou, como durante um almoço o ministro Putin… o presidente Putin se interessou vivamente, tanto que eu dei explicações as mais variadas sobre o nosso projeto”, disse ele. Instantes depois o presidente brasileiro se referiu ao almoço como “um jantar”
O jornalista Kiko Nogueira diz que a mentira de Temer sobre a reunião inexistente com Putin é assombrosa.
“Michel Temer merece um lugar especial na vasta galeria de políticos mentirosos. Elevou esse traço ao estado de arte e atualmente excursiona pelo mundo exibindo suas trampolinagens. Assombroso é ele achar que ninguém checaria a história [do suposto encontro com Putin]. Patologia? Desespero? Desfaçatez? Certamente, se for confrontado, tentará alguma manobra diversionista do tipo ‘me entenderam mal'”, afirma Nogueira.
Em recente discurso na ONU, Michel Temer já havia dado um vexame internacional ao inflar o número de refugiados haitianos no Brasil de 8.800 para “mais de 95.000”.
BRICS pode virar RICS?
Para a jornalista e ex-presidente da EBC Tereza Cruvinel, a posição do Brasil — sob o comando de Temer e com Serra nas Relações Exteriores — pelo retorno à orbita dos Estados Unidos em posição subalterna pode nos render um prejuízo sem precedentes diante dos BRICS.
Tereza lembra que a soma do PIB dos cinco países dos BRICS alcança US$ 13 trilhões, o equivalente a 18% do PIB global de 2011. Em paridade de poder de compra, o PIB do grupo já supera, hoje, o dos EUA ou o da União Européia.
Leia a íntegra da análise abaixo:
No início eram os Bric. Depois, com o ingresso da África do Sul, viraram os Brics. Agora, com o Brasil na contramão da proposta que deu origem ao agrupamento político-econômico mais expressivo na busca de reformas na ordem internacional e de um mundo multipolar, surgem os sinais de que se transformarão nos RICS.
Nada mais simbólico do que a foto acima, de Danish Siddqui, da Reuters, em que os presidentes da Índia, Rússia, China e África do Sul aparecem de mãos dadas, e apenas Temer está com a mão esquerda livre, ao lado de Putin.
Pior para o Brasil, que está optando pelo retorno à orbita dos Estados Unidos em posição subalterna, à compressão de seu mercado interno por um ajuste fiscal tenebroso, à entrega de seus ativos mais invejados, como o pré-sal. Assim passaremos de país emergente a decadente.
Nos últimos 15 anos, os BRICS foram tema de projeções extremamente otimistas que tiveram seu ponto alto em 2010, quando os resultados econômicos dos cinco países foram surpreendentes. O Brasil cresceu mais de 7% naquele último ano da era Lula, o que hoje soa nostálgico diante da recessão que se aprofunda.
Seus líderes haviam adotado maior agressividade na cena global e tomado iniciativas importantes, como a criação do banco de fomento do grupo, para o qual o Brasil aportou US$ 20 bilhões, e o fundo contingente de reservas, para o socorro recíproco, dispensando-se de humilhações diante do FMI..
A partir do final de 2011 as economias dos países do bloco foram afetadas pela crise internacional, por problemas internas e as turbulências na zona do euro. Até mesmo a galopante China teve seu crescimento moderado.
O desempenho do Brasil, entretanto, foi o mais desalentador nos anos seguintes, e com uma crise política meio, chegamos aonde estamos. Mas foi com a posse de Temer e a guinada na política externa e econômica que o Brasil foi se colocando na contramão dos BRICS, o que lhe rendeu o inegável isolamento de seu atual presidente na reunião de GOA.
Há grandes diferenças políticas, econômicas e culturais entre os cinco países mas todos entendem a importância de conviver com elas, e de superá-las, em nome do objetivo maior: garantir uma melhor distribuição do poder no mundo, quebrar a unipolaridade americana e garantir a representação da multipolaridade na governança global.
Antes que Temer e Serra concluam que não vale à pena integrar os BRICS, vale a pena recordar alguns números sobre a importância do bloco:
— 40% da população mundial, ou 2,8 bilhões de pessoas, vivem nos cinco países que formam os BRICS, assim como mais da metade dos pobres do mundo.
— A área geográfica somada dos cinco países corresponde a 30% da superfície terrestre.
— A soma do PIB dos cinco países do grupo alcança US$ 13 trilhões, o equivalente a 18% do PIB global de 2011.
— Há estimativas de que o PIB dos BRICS supere o do G7 por volta de 2032.
–Em paridade de poder de compra, o PIB dos BRICS já supera, hoje, o dos EUA ou o da União Européia.
— A força de trabalho somada dos cinco países é de 1,5 bilhões de pessoas.
–O bloco responde por 6% de toda a ajuda financeira oficial concedida no mundo.
— Nos cinco países, as políticas públicas têm obtido avanços na redução da pobreza e na ampliação do acesso aos bens de consumo. Ressalva: isso valia para o Brasil até antes da opção pelo desmonte delas.
— Os BRICS respondem por 58% da demanda mundial de petróleo e por 20% da produção mundial.
Se o B de Brics deixar a sigla, o Brasil terá perdido seu melhor assento na cena internacional, ao lado dos países que têm lugar assegurado no futuro. Eles seguirão sendo RICS. Só o Brasil perderá.