Depois de ser atacada por Bolsonaro e por policiais militares, Fátima Bernardes se pronunciou sobre a questão polêmica fomentada em seu programa e diz que até seus filhos foram envolvidos. Teólogo com pesquisa na área de Direito Penal afirma que escolha entre policial e traficante é 'falso dilema de resposta fácil'
Nos últimos dias, cidadãos de todo o país têm discutido preferências diante de policiais e bandidos feridos com necessidade de atendimento emergencial.
Para divulgar o filme Sob Pressão e o dilema vivido por médicos de pronto-socorros, foi feita uma pergunta aos convidados no programa Encontro com Fátima Bernardes. Quem eles preferiam salvar: um policial levemente ferido ou um traficante em estado grave?
No trecho exibido do filme, um dos médicos responde que “vai operar quem está morrendo na nossa frente”. No programa de Fátima, a maioria dos participantes também optou por salvar o traficante.
A repercussão na internet foi intensa e as opiniões ficaram divididas. Diversas páginas de batalhões da polícia militar criticaram a apresentadora e criaram a hashtag #EuEscolhoSalvaroPolicial.
Por outro lado, milhares de internautas subiram a palavra #SomosTodosFatimaBernardes para defender Fátima do turbilhão de críticas que recebeu por abrir espaço em seu programa para a questão. A hashtag de apoio à apresentadora global chegou ao topo do Twitter.
Bolsonaro
Até o deputado federal Jair Bolsonaro decidiu entrar na discussão fomentada pelo filme Sob Pressão e pelo programa da Rede Globo. O político conservador usou as redes para criticar a abordagem de Fátima.
“Como chegamos a esse estado de coisas?”, indagou o parlamentar a seus seguidores. “O motivo? Podemos identificar alguns: uma mídia completamente parcial, haja visto a questão agora de Fátima Bernardes, que prefere conduzir seu programa dando mais atenção a um traficante ferido do que a um policial, um herói a serviço nosso nas ruas”.
Fátima se pronuncia
Atacada por Bolsonaro e por policiais militares, Fátima resolveu se explicar em seu próprio programa nesta terça-feira (22), ao vivo, na TV Globo.
“Eu gostaria de esclarecer que a matéria mostrava um dilema específico da área médica. Em momento nenhum, eu optei pelo traficante. A gente queria apenas mostrar o enredo do filme “Sob Pressão”. Eu nunca usaria este espaço para apoiar alguém que está fora da lei”, disse a jornalista.
Fátima contou ainda que seus filhos trigêmeos foram envolvidos na polêmica. “Uma pessoa nas redes sociais perguntou o que eu faria se fosse um dos meus filhos e um traficante baleado, se eu escolheria o traficante também. É engraçado porque no dia da enquete eu nem dei a minha opinião. Mas quero deixar claro que entre o traficante e o policial, eu escolheria o policial”, afirmou.
Falso Dilema
Em artigo publicado no portal Justificando, o teólogo Wagner Francesco, que tem pesquisas em áreas de Direito Penal e Processual Penal, afirma que a escolha entre traficante em estado grave e policial levemente ferido é um falso dilema, mas de resposta fácil. Leia a íntegra de sua síntese abaixo:
Por Wagner Francesco
“Quem salvar primeiro? Traficante em estado grave ou policial levemente ferido?”
Essa foi a pergunta que inundou a timeline do meu Facebook. E para a minha surpresa, a maioria optaria pelo policial e deixaria “o traficando se fu…. pra lá”. Para a minha surpresa, porque a maioria da galera que inunda a minha timeline é composta por cristãos. Por incrível que pareça, esse dilema é muito fácil de resolver. Eu nem diria, na verdade, que é um dilema.
Simples, em duas questões:
Primeiro: salvaria quem estivesse gravemente ferido: fazer o bem sem olhar a quem. Ou como dizia Jesus: Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos igualmente assim? (Mateus 5:46).
Segundo: qual a lógica de escolher o policial e deixar o traficante morrendo? Como saber se o traficante é realmente traficante ou se o policial não é mais um envolvido na milícia e que lucra com o tráfico de drogas?
E eu vi pessoas da área da saúde, médicos, enfermeiros e tal, dizendo que salvaria o policial levemente ferido. Um absurdo! Existe, claramente, um dever legal desses profissionais da saúde de defenderem a saúde de qualquer um, sem preconceito ou ideologia.
Existe, aliás, um parâmetro para definir quem ajudar primeiro: Emergência > Urgência. Um policial levemente ferido ou um traficante gravemente ferido? A emergência é atender o traficante. Dizemos isso porque somos comunistas e odiamos policiais? Claro que não! Parem com isso! É porque uma pessoa gravemente ferida é caso de emergência em comparação a alguém levemente ferido.
Como eu disse, é simples demais. Deveríamos optar pelo policial gravemente ferido e não pelo traficante levemente ferido. Ou pelo desconhecido gravemente ferido e não pelo conhecido levemente ferido. É questão de bom senso e inteligência.
Então a resposta correta ao dilema é:
O mais sensato é escolher o mais ferido. O mais inteligente é, na hora de ajudar alguém, não fazer acepção de pessoa. O triste é que, num país que se diz cristão, a gente precise ainda ensinar o óbvio! O que vocês andam aprendendo na igreja?
Essa coisa de que você deveria optar pelo menos ferido, porque é policial, e deixar o mais ferido, porque é traficante, é parte da ideologia de uma galera que quer jogar mais lenha na fogueira em um país onde policiais e traficantes são vítimas do mesmo inimigo: o Estado Moderno, esse comitê instituído para gerenciar os interesses da burguesia.
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