Era de desmonte no ensino público superior deve vigorar caso seja aprovada a PEC 55 no Senado, dizem reitores e especialistas em educação. Universidades voltarão ao patamar que imperava na década de 1990, com estruturas sucateadas e escassez de vagas
Cida de Oliveira, RBA
A população de Chapecó (SC), Realeza e Laranjeiras do Sul (PR), Cerro Largo, Erechim e Passo Fundo (RS) viu sua reivindicação começar a ser atendida entre 2011 e 2014, quando foram construídos 35 prédios da tão esperada Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Com R$ 280 milhões de investimentos, em quatro anos foram postos em funcionamento 43 cursos de graduação e 12 de mestrado para 8.500 alunos com as melhores notas no Enem. São em sua maioria filhos de agricultores, egressos da escola pública, moradores de uma região que recebia recursos federais apenas para obras nas fronteiras. A vocação agropecuária e a busca por desenvolvimento regional sustentado são contempladas em cursos de engenharia, na ênfase à agroecologia na produção de alimentos e no cooperativismo. E o de medicina, com foco preventivo, é o primeiro criado no país no âmbito do programa Mais Médicos.
A UFFS é um dos símbolos do processo de ampliação e desenvolvimento da rede federal de ensino superior iniciado em 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seguiu interior adentro, abrindo portas para os filhos de trabalhadores, tirando o atraso e diminuindo as desigualdades regionais. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), ao longo de 83 anos, entre 1919 e 2002, foram construídas 45 universidades federais nas capitais ou grandes cidades. E nos últimos 11 anos, outras 19, porém no interior do país, ajudando a reduzir a demanda reprimida por ensino superior gratuito.
A necessidade de ampliação da rede, em atendimento ao Plano Nacional de Educação (PNE) do período, fez com que essas primeiras 45 construíssem novas unidades em regiões carentes. O resultado, segundo balando do MEC, é que entre 2003 e 2014 o número de campi passou de 148 para 321, o número de cursos de graduação presencial foi ampliado de 2.047 para 4.867 e as vagas, de 113.263 para 245.983. As matrículas subiram de 500.459 para 932.263, principalmente no Norte, com 76% de aumento na oferta, e no Nordeste, com 94%. A democratização do acesso foi acompanhada por políticas de auxílio à permanência do estudante na universidade.
O vice-reitor da UFFS, Antônio Andrioli, conta que desde que a instituição começou a funcionar, há sete anos, 90% dos alunos são egressos da escola pública, que necessitam de auxílio para moradia, transporte e alimentação inclusive no curso de Medicina. Ao contrário da lógica nacional, ali a ampla maioria dos estudantes não é de filhos de médicos, mas de trabalhadores da agricultura. Por isso, recebem até R$ 520 mensais, um investimento que totaliza R$ 9 milhões ao ano.
“Demandas futuras, como a inclusão da população indígena para além das cotas, vai exigir mais recursos porque aqui essa população tem auxílio especial, que pode chegar a R$ 900. E queremos também ampliar auxílio de apoio pedagógico e incluir quilombolas e outras populações tradicionais da nossa região que ainda não conseguem acesso ao ensino superior. Tanto que estávamos propondo um campus dentro de uma comunidade indígena”, conta Andrioli.
Assim como toda a rede federal de ensino superior, a UFFS viu sua situação financeira enfrentar cortes orçamentários no ano passado, e a situação poderá se agravar com o fantasma da PEC 55, se o Senado confirmar a aprovação da Câmara. “Antes tínhamos os recursos e as empresas demoravam para entregar as obras. Agora são elas que nos cobram e por isso atrasam. Falta terminar o hospital universitário em Realeza, um bloco de salas de aulas em Chapecó e um em Passo Fundo”, diz.
Mesmo assim, Andrioli avalia que sua situação é melhor do que a de muitos outros reitores. Dos 38 prédios planejados, falta concluir apenas três. Mas um projeto de 2009, de um prédio exclusivo para a reitoria, deve ser engavetado, assim como os planos de ampliar cinco cursos por campus e, depois, construir cinco novos campi, juntando neles todas as áreas do conhecimento.
De volta aos 90
“Vínhamos de um contexto em que o Brasil assegurou recursos para que atingíssemos uma meta, que considero moderada, de ter 20% dos jovens de 18 a 24 anos na universidade até 2020. E achávamos que seria possível com os recursos do pré-sal. Agora, vivemos outro cenário, sem conseguirmos ampliar as vagas. O desafio agora é manter os cursos, concluir os concursos, decidir internamente sobre os cursos abertos com financiamento de outros programas federais agora extintos”, relata Andrioli. “O cenário que visualizamos é que dificilmente os estudantes terão acesso à universidade pública. Estamos voltando à política que imperou no país na década de 1990. À frente do MEC estão as mesmas pessoas de antes, que sucatearam a educação nos anos 1990.”
O tom se repete com a diretora de Universidades Públicas da União Nacional dos Estudantes (UNE), Graziele Monteiro. “Era um tempo em que as universidades estavam sucateadas. Faltava dinheiro para coisas básicas, como pagar luz e água”, conta. De acordo com ela, superado o sucateamento, políticas de apoio à permanência ganharam a dimensão principal. “A nova universidade que construímos corre risco de acabar. Há ameaça de cortes de vagas principalmente em cursos de licenciatura, mais populares, na extensão. Com o congelamento do orçamento trazido pela PEC, é a volta a uma era de desmonte da universidade pública. O risco é de fim da popularização da educação pública de qualidade no país.”
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) defende justamente a consolidação da expansão universitária federal. Em aula magna na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), no final de setembro, a presidenta da entidade, Ângela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destacou o aumento de cursos noturnos, a revisão da estrutura dos programas e a atualização dos projetos pedagógicos e das políticas de democratização do acesso e de assistência estudantil. Segundo ela, “a cara da universidade federal passou a ser a cara do Brasil”. Segundo um estudo recente da Andifes, 66,19% dos alunos matriculados têm origem em famílias com renda média de até 1,5 salário mínimo. Se consideradas apenas as regiões Norte e Nordeste, esse percentual atinge 76%.
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Os docentes, com queixas sobre as dificuldades de trabalhar numa rede em expansão com suas mais variadas implicações, temem agora a total precarização do trabalho. “Já estava difícil. Estamos com salários defasados, perdas em torno de 20%, e muitos professores ainda contratados temporariamente”, avalia o primeiro-secretário do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Francisco Jacob Paiva da Silva. E vai piorar, segundo ele, quando os cursos começarem a ser extintos e a infraestrutura e laboratórios sucatearem. “Defendemos mais investimentos, melhores condições, mais vagas, e recebemos a PEC. Temos de pressionar contra porque se trata do desmonte, da estagnação, da desesperança.”
Na mira da PEC
A partir de 2003, foram abertas 19 novas universidades, com 173 campi, permitindo 431.804 novas matrículas. A proporção da democratização do acesso: 66,19% dos alunos matriculados são de família com renda média de até 1,5 salário mínimo, que devem deixar de estudar depois da PEC 55. Além das 45 universidades mais antigas, estão na mira a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e outras 18 criadas recentemente
Norte
Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unidesspa)
Nordeste
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)
Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa)
Centro-Oeste
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Universidade Federal do Tocantins (UFTO)
Sudeste
Universidade Federal de Alfenas (Unifal)
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Sul
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
Universidade Federal do Pampa (Unipampa)
Universidade Federal de Ciências da Saúde e Porto Alegre (UFCSPA)
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