Corrupção

Quem realmente ganha com a corrupção?

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Ywri Cortez Ferreira*, Pragmatismo Político

Todos nós sabemos que a corrupção é um câncer e precisa ser combatido. É também de entendimento geral que o dinheiro desviado da corrupção afeta diretamente os cofres públicos. Quem nunca se indignou com a corrupção? Tenho certeza que todos aqueles que trabalham, vivem uma vida honesta e se esforçam para ter uma vida melhor compartilham desse sentimento de indignação.

Quando vem à tona a quantidade de dinheiro desviado em corrupção fico pensando: quantas benesses poderiam ser feitas com esse dinheiro. “Com esse dinheiro poderia construir tantas casas para os sem-teto; poderia asfaltar aquela rua de lama; poderia construir tantas escolas e por aí vai”.

Mas algumas perguntas precisam ser esclarecidas quando o tema é corrupção. Sabemos que essa temática é sensível aos brasileiros e está sendo a mais discutida entre nós, como exemplo a operação lava jato, manchete diária. Temos que indagar “por que a corrupção é sistêmica no Brasil? Por que nunca se combate radicalmente ela? Quem realmente ganha com a corrupção?” Neste momento o caro leitor deve ter a resposta na ponta da língua. Deve estar pensando: “ora, quem mais ganha com a corrupção no Brasil são os políticos!”.

Entendo a resposta do nosso caro leitor, afinal é isso que se passa nas mídias. Eduardo Cunha foi preso por um contrato fraudulento na Petrobrás. O PT/PMDB/PP e o esquema do “Petrolão”, licitação fraudulenta para beneficiar a Odebrecht. PSDB favorecendo contrato a empresas de metrô.

É bem verdade que os políticos ganham com a corrupção, mas não somente eles e, sobretudo, não são os que mais ganham. No nosso país a corrupção sempre foi vista, intencionalmente, como um problema da esfera pública, como se existisse apenas nas empresas estatais, órgãos públicos, em suma, no Estado.

QUEM NÃO APARECE NOS ESCÂNDALOS?

Neste momento peço ao leitor pegar sua lupa e aproximar o problema da corrupção. Ora, quem mais se beneficiou do esquema de corrupção na Petrobrás? foi o PT? o PP, o PMDB? Até mesmo Eduardo Cunha? Não! Quem mais se beneficiaram foram as empreiteiras, Odebrecht e cia. Mas a questão é que a narrativa liberal escamoteia esses fatos, quer deixar a entender que o mercado é eficiente, honesto, meritocrático. Afinal, se pegarmos os casos de escândalo percebemos que é estrutural, é parte do jogo, uma estrutura que se reproduz. O mercado se apossa no Estado para continuar vivo. Ele é dependente do Estado. Aqui não existe aquele capitalismo de tipo ideal, em que os mais fortes sobrevivem graças a concorrência. A narrativa liberal esconde que o mercado se apropria dos recursos escassos do Estado. Vide por exemplo a farra que é a nossa dívida pública que sequer uma auditória é feita para ver a sua veracidade. Aliás, já foi demonstrado que já fora paga demasiadamente.

Peguemos, por exemplo, um trecho de uma matéria que saiu no jornal “O Globo”, em 01 de julho de 2016: (…) “o ministro Teori Zavascki cita trecho de depoimento de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF). Nele, Cleto cita como era feita a partilha da corrupção. Segundo Cleto, Lúcio Funaro acertou os detalhes dos pagamentos e informou que o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ficaria com 80% da propina em todos os contratos. Funaro ficaria com os 12% restantes. Cleto disse que recebia 4% e o empresário Alexandre Margotto outros 4%. Segundo Cleto, o valor da propina representava 1% do valor dos contratos com recursos do Fundo de Investimento do FGTS.”.

Percebam o último trecho onde diz que o valor da propina representava, apenas, 1% do valor dos contratos com recursos do Fundo de Investimento do FGTS. Mas quem abarganhou os 99% desses contratos? Certamente foram algumas, ou apenas uma, empresas, ou melhor, o mercado. Veja essa outra matéria, agora vinculada no site do Ministério Público Federal, a respeito da corrupção na Petrobras: (…) “grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados”. Novamente a pergunta: “quanto e quais empreiteiras ganharam com esses contratos. Qual punição sofreram e quanto devolveram ao erário público?”.

A corrupção é, portanto, estrutural. Os partidos buscam financiamento para suas campanhas, as empresas “doam”, ou melhor, investem naqueles que tem grandes chances de ganhar as eleições e depois de eleito o que será que essas empresas que gastaram quantias generosas para campanhas políticas vão querer em troca? Ou doaram apenas por afinidade política ideológica? Se assim fosse, por que Ricardo Pessoa, proprietário da UTC, doou milhões para Dilma e, também, para Aécio Neves na campanha presidencial de 2014?

É evidente que o mercado está enraizado na corrupção e que é o principal beneficiário. Mas, infelizmente, a narrativa que temos é que a esfera pública é corrupta, logo, ineficiente. Já o mercado é o reino da eficiência, é justo, meritocrático e não precisa do Estado, que só atrapalha a concorrência, para sobreviver. Essa narrativa nos faz de tolos pois, como vimos, a relação Estado-Mercado é uma simbiose da corrupção.

COMO ESSA NARRATIVA FOI CONSTRUÍDA?

O pensamento social brasileiro acabou, intencionalmente ou não, dando fundamentos pseudocientíficos a tal narrativa. Os norte americanos, através dos teóricos da modernização, articularam uma ideia de que a sociedade norte americana é um tipo ideal. É uma sociedade eficiente, moderna e impessoal. Uma sociedade em que se tem a confiança. Em contraste com o arcaico, pessoal, corrupto, patrimonial, atribuído, sobretudo, aos países “em desenvolvimento”.

De acordo com o sociólogo Jesse Souza, esse pensamento preconceituoso impregnou nos teóricos brasileiros, Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro. Buarque por exemplo trabalha a noção de homem cordial, sendo aquele que se aposso dos recursos públicos em benefício próprio ou de familiares e amigos, tendo como conduta as ações interpessoais, de favores, o famoso “jeitinho brasileiro”. Apesar de parecer uma denuncia, o sociólogo ressalta que na verdade o homem cordial de Buarque, apesar de estar em todas as instâncias da vida, “sua atenção se concentra apenas no “homem cordial” no Estado”. Logo, o Estado é impregnado por esse “homem cordial”.

Seria então a singularidade cultural brasileira a verdadeira culpada pelo patrimonialismo no país, uma vez que aqui a prática de confundir os interesses privados dominados por agentes, neste caso um estamento burocrático, que se apropriam da esfera estatal, do poder público deixando de lado o interesse do conjunto da sociedade e colocando assim uma falsa oposição entre estado (corrupto) e mercado (eficiente). O Homem cordial só é percebido na esfera pública. Não existe assim o homem cordial proveniente da esfera privada, do mercado. O homem cordial, o político corrupto, não tem, assim, história, não tem classe social. Ele caiu do céu, não representa grupos de interesse e age sozinho. Uma falácia construída para escamotear quem está por trás da corrupção, quem são os agentes (e não uma pessoal individualmente) e a classe social envolvida.

No livro “A tolice da inteligência brasileira” Jessé Souza cita também o teórico do “patrimonialismo”, Raymundo Faoro, em que trata da noção de estamento: “uma suposta “elite” incrustada no Estado, que seria o suporte social do patrimonialismo. O tal “estamento” é composto, afinal, por quem? Pelos juízes, pelo presidente, pelos burocratas? O que dizer do empresariado brasileiro, especialmente o paulista, que foi, no caso brasileiro, o principal beneficiário do processo de industrialização nacional financiado pelo Estado interventor desde Vargas? Ele também é parte do “estamento” estatal? Deveria ser, pois foi quem econômica e socialmente mais ganhou com o suposto “Estado patrimonial” brasileiro”. (…). (SOUZA, 2015, pag. 66-67).

No Brasil não existiu apenas uma elite estatal que se apropria dos recursos escassos, como se o Estado fosse controlado unicamente por uma elite política, desqualificando o Estado e exaltando o mercado, como se o mercado operasse de modo eficiente e que o aparelho estatal seria um enclave ao livre desenvolvimento. O patrimonialismo no Brasil se configura como uma elite empresarial se apossando dos recursos públicos, faz isso se apropriando do Estado, ainda segundo o autor, uma “luta de classes silenciosa”.

O SENSO COMUM E A CORRUPÇÃO

Essa narrativa trás como solução no combate à corrupção elementos trágicos, ideológicos. A suposta solução, já que o Estado está repleto de, apenas, políticos corruptos, então precisamos “enxugar” a máquina, combater nossos inimigos, os agentes públicos. Segundo esse entendimento o Estado teria de ser mínimo. Mas mínimo para quem? Ora, se o Estado é, também, a instituição de arrecadação e distribuição de recursos e sabemos que esses recursos são escassos, então esse “Estado mínimo” enxugaria os recursos públicos para destinar mais recursos à iniciativa privada. É o que os golpistas estão propondo com a PEC 241 justamente com esse discurso de ineficiência do Estado.

A corrupção foi apenas dos agentes públicos da Petrobrás, como se as empreiteiras (diga-se: “o mercado”) não fosse as maiores beneficiadas, a solução é… Privatizar! Colocar sob gerência da esfera mais “eficiente”, o “mercado”.
Outras propostas, ainda mais mirabolantes, seria reduzir o número de deputados e senadores. Evidente que uma reforma precisa ser feita, inclusive corte das absurdas regalias. Mas a solução não seria, somente, reduzir o número, o que abre pressupostos para saudosistas da ditadura, do líder que tem pulso firme para combater nossos inimigos, os agentes políticos. Quem nunca ouviu os dizeres: “se gritar pega ladrão não sobra um?”. A intenção aqui não é fazer uma defesa dos agentes políticos, mas alertar que não são, tão somente, eles os únicos corruptos, tirando a responsabilidade do mercado que financia esses agentes para superfaturar nas licitações e nos contratos fraudulentos. O que precisa ser discutido é outras formas de representatividade. A democracia liberal, “representativa”, está em crise. Precisamos de uma democracia participativa.

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É preciso colocar em evidência o verdadeiro debate sobre corrupção. Mostrar que além de Eduardo Cunha, Petrolão, Mensalão está a base estrutural do Estado e da democracia brasileira, de uma elite que encrusta no Estado como um verme faz no organismo. Uma elite que corrompe para participar dos contratos com as estatais. Não à toa que o congresso evita discutir uma reforma política. Não adianta uma mega operação (a Lava-Jato) que prende os agente individuais, mas se não mudarmos as regras do jogo estaremos sempre enxugando gelo.

*Ywri Cortez Ferreira é sociólogo, assistente em administração da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará-UNIFESSPA e colaborou para Pragmatismo Político.

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