Sergio Moro rompe com o jejum de entrevistas exclusivas desde que a Lava Jato foi deflagrada para "prestar alguns esclarecimentos". A explicação do juiz da Lava Jato para a seletividade da operação foi um afago no tucanato
Cíntia Alves, Jornal GGN
Se o Congresso quiser anistiar o caixa dois eleitoral, a Operação Lava Jato não está nem aí. Contanto que o decálogo anticorrupção planejado pelo Ministério Público Federal seja aprovado, a anistia não será combatida bravamente pela força-tarefa. Nem por Sergio Moro. Foi essa a análise de Helena Chagas sobre a entrevista que o juiz federal de Curitiba deu com exclusividade ao Estadão na semana passada. Mas há outras interpretações cabíveis.
Por exemplo: dessa entrevista, o Estadão extraiu conteúdo para um editorial, publicado nesta terça (8), mostrando como as palavras de Moro foram um tiro no peito do PT e um afago aos tucanos. O juiz rompeu com o jejum de exclusivas desde que a Lava Jato foi deflagrada para “prestar alguns esclarecimentos“. Entre eles, por que a operação não chegou ao PSDB com a mesma velocidade e intensidade com que atingiu o partido de Lula e Dilma Rousseff.
O teor da explicação de Moro praticamente recicla um argumento usado por tucanos para rebater as acusações da Lava Jato: “Considerando os casos que já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a propina que era paga nos contratos da Petrobras, era dividida entre os agentes da estatal e os agentes políticos ou partidos políticos que davam suporte à permanência daqueles agentes da Petrobras em seus cargos. Nessa perspectiva, quando isso foi de fato comprovado, é natural que quem aparece nos processos seja exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo.”
Na sequência, após a equipe do Estadão acrescentar que Moro só analisa as provas que a força-tarefa leva a ele, disse o juiz: “É errado pensar esses processos com os olhos da política partidária. O que acontece: o crime é investigado, se colhem provas desse crime, isso é objeto de uma ação penal e, ao final, o juiz vai julgar, condenando ou absolvendo. O juiz se move pelas provas, pela lei. Não tem nenhuma questão político-partidária envolvida.”
Mas a Lava Jato “vai poupar PMDB e PSDB“, emendou a equipe do Estadão, ao que Moro retrucou: “Processo é uma questão de prova. A atuação da Justiça, do Ministério Público e da Polícia não tem esse viés político partidário, na minha opinião. (…) O fato é que, contra quem tenha aparecido provas, tem sido tomadas as providências pertinentes.”
Contra tucanos, faltam provas
Sérgio Moro já falou, em despacho, sobre essa falta de provas contra agentes tucanos, embora sequer fosse o juiz competente para analisar o caso da propina de R$ 10 milhões paga pelo grupo Queiroz Galvão a parlamentares do PSDB, supostamente intermediada pelo ex-presidente do partido, Sergio Guerra.
Em troca dessa propina, Guerra teria de dar um jeito de esvaziar os efeitos da CPI da Petrobras de 2009. Delatores disseram à força-tarefa que esses R$ 10 milhões não foram para enriquecimento pessoal exclusivo de Guerra. Membros da CPI tinham conhecimento desse acerto e, inclusive, uma parte seria destinada a abastecer caixas de campanha em 2010, quando José Serra concorreu à presidência contra Dilma.
Mas, segundo Moro, o Ministério Público não levou a ele “(…) prova de fato que houve essa destinação ou de que outros parlamentares do partido receberam o numerário ou participaram do crime.” Leia mais aqui.
O fator caixa 2
Há outro fator que facilita a vida do tucanato na Lava Jato.
As delações que são vazadas contra o partido e seus filiados geralmente são noticiadas como recebimento de caixa dois. É o caso de Serra e os R$ 23 milhões da Odebrecht. Suspeitas também foram levantadas contra Aloysio Nunes quando o senador concorria a vice-presidente na chapa de Aécio Neves. À época, as acusações foram respondidas com um argumento muito simples: é ilógico pensar que o PSDB se beneficiou de qualquer esquema de corrupção porque quem estava no Planalto e controlava a agenda de distribuição de cargos públicos era o PT.
Foi esse o teor do argumento usado por Moro, na entrevista ao Estadão, para explicar por que os partidos – principalmente o PT – das bases dos governos Dilma e Lula são os alvos preferenciais da Lava Jato.
O juiz também disse que o simples caixa dois não é o principal interesse da investigação, que prefere trabalhar com as conexões políticas nos governos do PT para separar propina de simples caixa dois.
“No caso da chamada Operação Lava Jato, o foco não tem sido propriamente no caixa 2 de campanhas eleitorais, mas no pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção. Então, embora a proposta [de aumentar a punição para o caixa 2, onde o Congresso vê brecha para emplacar uma anistia] represente aprimoramento da lei atual, não terá um impacto tão significativo nos processos da Lava Jato.”
Para o Estadão, essa entrevista de Moro “vem em boa hora” para “que se frustrem as artimanhas dos encalacrados na Lava Jato, especialmente os petistas, ansiosos para provar que são “perseguidos” por aquele juiz e pela força-tarefa da operação. Ora, como afirmou Moro, ‘se havia uma divisão de propinas entre executivos da Petrobrás e agentes políticos que lhes davam sustentação, vão aparecer (nas delações) esses agentes que estavam nessa base aliada’.”
PMDB no olho do furacão
Contudo, entre os grupos políticos que patrocinaram cargos na Petrobras está a bancada do PMDB na Câmara, na época de Lula, que tinha como liderança, citada em várias delações, Michel Temer. Pelo que os réus colaboradores revelaram, foi o PMDB que instituiu um mensalão com recursos da Petrobras. Chegaram a exigir de Nestor Cerveró R$ 6 milhões mensais para mantê-lo numa diretoria da estatal.
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Mas não se vê Temer – a quem José Carlos Bumlai teria pedido pessoalmente para manter Cerveró na Petrobras, patrocinado pelo PP – no olho do furacão desde a saída definitiva de Dilma. No máximo, quedas de ministros foram provocadas por uma imprensa que gosta de balançar governos – sejam eles eleitos ou não – e que, para isso, tirou algumas cartas fornecidas pela Lava Jato da manga.
A entrevista de Moro mostra que a Operação Lava Jato amarrou muito bem as pontas para fazer estragos políticos longe de um estilo indiscriminado. O Estadão, em seu editorial, celebra essa distinção. E destaca a sabedoria do juiz em reconhecer que a operação não vai acabar com a corrupção no Brasil. Vai, pelo menos, “melhorar a qualidade da democracia“. Mas não há que se falar em partidarismo, claro.
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